domingo, 13 de setembro de 2015

Um Agosto em Itália


Gardone Riviera


O lago de Garda é como a vida, tem seus bocados de tudo. Em termos geográficos e humanos. E sempre multidões. Ou quase. Que a elite verdadeira acomoda-se sem atropelos, no Savoy e hotéis afins, em Gardone Riviera. Ali encontrámos uma estância de veraneio, parca em turistas de pé descalço, e é provável que não tenhamos sido escorraçados por nos reduzirmos a três gatos-pingados; se havia confrades de ténis, máquina fotográfica e mochila às costas, a conjunção dos astros destinou-os, nessa hora, ao eclipse total. Que gente bem não faz estrilho audível; fala baixíssimo olhando-nos em estranheza como se espécimes raros, uma ruga a crescer entre o sobrolho; e, num estreitamento de olhos, atenta para si em imperceptível  desagrado, “que faz o povo aqui”. Isto, é claro, sem alterar o perfil de esfinge barrado a creme e ouro (ou será a cremes de ouro…). Além disso, os próprios empregados, todos de farda, nos estranhavam sobranceiros. Fomos uma curiosidade não desejada. Suportável.

Privilégio maior, Gardone namora uma ilha no meio do Garda e a beleza da paisagem abisma (não há dúvida, eles sabem escolher). Os hotéis à beira de água proliferam em competição de beleza e galhardia florida. Tão bonitinhos e solenes! Ali se senta, em contemplação, a nobreza de título e também a que o dinheiro trouxe, que o poder económico ordena desde que o mundo é mundo. Contudo, o Savoy, em branco e azul, é lindeza exterior a que nenhuma foto faz jus; há um inédito que ciranda na leveza da sua aristocracia rendada. Aproximámo-nos da entrada – que tem coroa e tudo -  e pasmámos frente às fotos do interior; nos quartos, o pasmo agarrado a camas-íman. O Alberto a apontar uma, comedido, sim senhor, o estilo é clássico. E eu, pespineta  estarrecida, mas o que é isto, o que é que esta gente faz quando se deita, cada cama parece uma mesa de casamento… E a Lina para mim, em espanto retinto, isto é uma cama?!, e desatámos em riso imoderado, a fleuma aristocrata a enrugar de leve em suas cadeiras de palhinha clássica. Perturbá-los. A eles. Que repousavam de nada fazer, em semi voto de silêncio, mesinhas viradas ao Garda a pontuar de refrescos e outras lisuras de fim de tarde. E no poente que descosia irisados violeta, a nitidez atmosférica inundou-nos na subjacência do seu despotismo envidraçado, Deus, como o povo é estúpido. Ignorei a pose daquele classicismo rebarbativo e desatei a fotografar-lhes os candeeiros e a calma das gaivotas. Como se não fosse nada. 

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