tag:blogger.com,1999:blog-58968753625720557472024-03-08T10:26:48.510+00:00ifAnonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.comBlogger504125tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-91064119090819290412018-10-26T09:28:00.004+01:002018-10-26T09:36:28.890+01:00Dançar com a Morte<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Não
se sabe por que tanto pesa o que sempre nos pesa apesar dos momentos em que
parece mais leve. Mas pertence ao viver que cada hora seja uma e nada se saiba
da próxima ou de quando a última nos visita. Em tempos, li num livro de Savater
que o autor criou consciência da sua própria morte aos nove anos. Pois
fartou-se a minha infância de observar monótonos funerais a subir a ladeira e a
morte continuou-me do lado de lá. Jamais a julguei minha ou dos meus, a família
era eterna. Na catequese, o padre assegurava outra vida, um céu para a gente
boa e que me surgia completamente desnecessário. Se nenhum de nós morria, tal
mundo não me beliscava, era-me arredio. Resumindo, mantive-me eterna até meio
da adolescência, época em que a mortalidade foi espinho que enterrou.
Afinal, o meu mundo pequeno comungava da duração limitada.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E veio toda esta conversa a propósito de meu
pai e da sua provecta idade: oitenta e cinco anos. Se o visito, não falamos da
morte – da sua –, mas pergunto-me muita vez como será que a entende. Acreditar
na imortalidade é crença que descarto, nunca foi religioso ou<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>quimérico. Está pois ciente de ser coisa
próxima. E, quanto mais envelhece, mais se enche de projectos e compras. Não o
visito sem haver algo novo e por estrear. Compras feitas aos pares e à meia
dúzia. Não há armários onde guardar tanta roupa, abafos, sapatos, bonés, meias
que saltitam como embalagens de ovos, em quantidade. Por ora, virou-se para os
utensílios domésticos que exibe com a grandeza de um magnata perdulário. Ele
são novos tachos e panelas, uma pá supersónica, um par de vassouras, uma altura
de panos de cozinha. E depois vem-lhe aquele entusiasmo genuíno por uma
frigideira, assim como quem apresenta as qualidades do seu novo Mercedes. Que
nada se lhe pega – e passa um dedo pelo fundo anti aderente -, que se lava
enquanto o diabo esfrega um olho e não mascarra. Guarda o melhor para o
final: que, ao contrário das nossas compras – nós, os filhos, nunca soubemos
comprar - foi muito mais <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>barata do que
as que aparecem nos anúncios da TV. E volta a alojá-la no armário como guarda-jóias carregadinho de valores. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Qualquer
desistente da vida devia visitar meu pai. Para ler o jornal, desloca-se até ao
café diariamente, na bicicleta de senhora que adquiriu para esse fim, dado já
quase não conseguir a marcha. Diverte-se a fazer compras no super e mostra-me
com orgulho os bons artigos que trouxe para casa. Repete, diário, a sua
ginástica matinal e garante que, sem ela, já os músculos teriam petrificado.
Sente enorme prazer a confeccionar as refeições, destiná-las, saboreá-las. E
tudo de acordo com os conselhos médicos. Nos domingos, empapoila-se e almoça
fora. Sozinho. Jamais convida filhos ou netos e apenas nos visita por
obrigações de doença nossa. A sua maior glória é a </span><span style="font-family: "tahoma" , sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2px;">suada</span><span style="font-family: "tahoma" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.4pt;"> independência do dia a dia.</span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-56459686628852647142018-10-21T09:46:00.002+01:002018-10-21T09:46:29.964+01:00Bem Aventuranças<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Eram
as sete de uma tarde quente. E eu sabia a ondulação copada das árvores atrás do
coro, o vôo dos pássaros, o recorte de azul que desmaiava na tardinha. Sabia da
vida lá fora; do silêncio ruidoso de semáforos; do trânsito logo ali, em pressas
de fim de semana; de gente que buscava ninho. Sabia da vida dentro de mim. Mas
não havia o tempo. Não havia mais que a música a encorpar, expandir-se, encher
todos os espaços até à saturação. Não havia senão acordes e vozes celestiais em
doce e unívoco corpo a corpo. E decerto lá estive porque ouvi e porque sei do
rosto e gestos do maestro levitando energia sobre a orquestra. Terei pensado,
respirado, o sangue atravessou-me o corpo igual a sempre. Presentes na memória,
só música e maestro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">O
intervalo chegou ainda mal me sentara. Julguei engano. Mas já o maestro saía
abafado em aplausos, adornado de “bravôs”. Voltei-me. O lugar dela, vago.
Imaginei-a lá fora, a aliviar o excesso de maravilha. Ou, quem sabe, apenas o
olhar distraído na vária gente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Na
segunda parte, o espectáculo retomou sem o coro. E sem ela. O seu lugar uma
falha na dentição. Foi quando pensei na sorte das árvores que rodeiam a sala e
ouvem tudo pelas raízes. Placidamente musicadas, entretinham-se lá atrás em
iluminado ninar de folhas. E nem um pássaro. Mas a música varreu tudo de novo.
Sem paisagem, vencida pela vibração, morando na entrega do maestro. E breve a
plateia de pé e um maestro grato, mão sobre o coração. De novo lhe regressaram os
pés, a magreza alongada das pernas, os tombados anéis de cabelo. E o lugar
vazio que quase não se notava, mas eu sabia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">À
saída, mesmo por detrás de mim, alguém comentava, “fantástico, viste os pés
dele, parece um bailarino, dança todo o concerto”. E fiquei com pena dos meus
olhos que não sei por onde se perdem. É que do maestro lembro uma
transfiguração de adamastor benfazejo que não aterroriza e antes guarda o palco
e lhe dá vida. Facto que, desconfio bem, não está à vista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Entretanto,
ó surpresa, no exterior, placidamente, ela sacudia um grão de pó na malinha. Depois
misturou-se à multidão e deixei de vê-la. Talvez seja entediante dama. Ou
exasperada solitária. Prefiro pensá-la lá fora, a desfrutar do anoitecer por
entre as árvores enquanto a música, no interior, fazia casa.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-65409004943147733552018-10-19T09:14:00.004+01:002018-10-20T00:48:26.426+01:00Bem Aventuranças<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">O
ser humano está preso ao hábito. Nota-se no descansado olhar que pousa em
objectos de uso, no mastro seguro dos afectos, na fixa placidez horária em que
o corpo evolve. E mesmo nos agrados de cada um. Hábito provável das duas, encontro-a amiúde em concertos.
Presumo que à minha pressa esbaforida impõe a sua unívoca calma e, porque chega cedo, talvez se sente
um nadinha na entrada a degustar a novidade, enquanto eu relanceio ponteiros aflitos
no corre-corre <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>afeito à traição da
calçada lisboeta. Imagino-a a deambular por entre os livros, a avaliar uma
porcelana, comprando uma recordação. Não precisa pente e as pregas da saia
rodeiam-lhe o corpo em macia elegância, é pessoa de tudo no lugar. A</span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2667px;">o piscar das luzes,</span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;"> entr</span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;">o açodada. E já ela
impera estratégica, sentada a meio da sala. No ar, o leve romurejo de pássaros
que se aquietam </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;"> </span><span style="text-indent: 35.45pt;"><span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 12pt;">no folhedo. A colmeia
humana preenche seus alvéolos enquanto caminho até ao meu viés junto ao palco. Tudo
que era movimento se faz expectação, apenas uma ou outra mão alisa cabelos, uma
tosse seca, o braço que muda de posição, um relâmpago de curiosidade que faísca.
E ela. Esfíngica receptividade, abóbada pronta ao som. O palco anima e converge.
Vestidos a rigor, os músicos aprumam respeitos e aproximam-se dos lugares. Nas
suas mãos, os instrumentos refulgem e são activa probidade, antecipação ingente
das melodias que guardam. Sentam-se, colocam-nos em posição, debruçam-se sobre
a partitura. E juntam-se ao público: aguardam em silêncio. Eis o primeiro violinista, o violino como primeira figura. E logo um coro de violinos responde
ao seu experimento. E emudecem. A sala espera o maestro. Quando a porta se
abre já as palmas estão prontas e se acende o entusiasmo na plateia. A figura que
se aproxima em passo elástico é leve e jovem. Inclina-se profundamente e noto-lhe
as ondas do cabelo negro e </span>fúlgidos<span style="font-size: 12pt;"> sapatos. Breve a sua
figura esguia nos dá as costas e a música começa. </span></span></span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2667px;">O tempo colapsa.</span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;"> E logo tudo esvai e o
divino se instaura.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">(cont)<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-44643123076826616922018-08-16T17:19:00.000+01:002018-08-16T17:19:20.483+01:00Marca D'Água<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">Cirandando nos conteúdos de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">pen</i> antigas encontrei o escrito que se
segue. Oxalá fosse meu. Mas não, sou incapaz de tal depuração escrita, ainda
que algumas expressões e frases comunguem da minha brisa. É tão bonito que
resolvi postá-lo. Assim, posso voltar a lê-lo. Sempre. Beleza incógnita que terei copiado de algum blogue ou comentário. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Se acaso a autora por aqui passe, os meus parabéns
e obrigada sincero. Também a desculpa pelo atrevimento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 200%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">“A
<i style="mso-bidi-font-style: normal;">marca de água</i> é uma atração do papel,
o súbito de uma frescura que me sabe ao rasto da seda rente à linha dos dedos,
frágil suavidade debruçada nos movimentos. Na verdade, não sei o que seja a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">marca de água</i>. Mas as palavras me traçam
imagens pedintes, numa cegueira de pés<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>que sentem sem ver, mister que lhes não pertence. E assim caminham. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
me surgiste não sei como e me rodeaste inteira, e os meus pés cegos, porque
todos os pés assim,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>palmilharam as
sílabas do nosso desencontro. Contigo. Fora de tu seres tu.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E a tua representação – que não sei – uma
borracha de apagar dúvidas. Tens razão, usei o que não tinha, as aparências
iludem, como tanta vez repetiste sem que eu um vislumbre sequer. Era o meu ópio
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de ir sem medo. Oferecias-me canções e
riso e a minha mente sem olhos corria-lhes música e letra a procurar um
qualquer tu nos intervalos de tudo o que fruía, leve inconsciência de usar o
que pertencia a outrem, podendo dispor; a afastar-me por momentos de mim mesma.
Julgava eu. Como se alguém pudesse nascer das palavras e ser essa a sua
verdade. E houvesse romances que corporizam na atmosfera. Mas romances são
folhas e folhas de letras a dizerem sentimentos que conhecemos com a violência
de quem os diz sentindo-os sempre na realidade depurada que é o mesmo que
dizer, não ela, outra coisa. E, por excesso ou defeito, assim se vai semeando
um eu condicional e pretérito e se marca a distância entre livro <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e leitor.” <o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-82682251604954050842018-08-13T17:45:00.000+01:002018-08-14T05:36:14.042+01:00As Mulheres que Eu Conheço<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
se é necessário poupar? Bom, aí, ela passa no supermercado com a obediente lista de géneros
e preços, a tentar abrir<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>folga no
orçamento.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Ele concede, deixa de almoçar
no restaurante, ela cozinha e prepara-lhe a marmita do almoço – diferente do
jantar por ser aborrecido ele estar sempre às sobras. Em época de poupança, se
existe, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>corta-se nas horas da empregada e
ela “dá um jeito” para que tudo continue a rolar como antes; acabam-se as
esporádicas refeições em restaurante, ela cozinha sempre; ela corta no
vestuário – no dela que tem muito que vestir, os garotos estão a crescer e ele
precisa estar bem trajado, o fato sem brilho. O marido dela é um senhor. Ela
arca com todos os trabalhos e limpezas antes que ele goze férias porque um ano
inteiro de trabalho é coisa cansativa para ele. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Em
épocas de aperto, não há férias para ninguém. Mas, enquanto ele lamenta ficar
por casa, a ela tanto se lhe dá. Evita rumar a lugar diverso e, numa casa que
não é sua e onde algum utensílio indispensável está em falta, fazer o de
sempre: passar, lavar, providenciar as refeições. E tudo isto acrescido do fazer e
desfazer <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>das malas, de acautelar a rega
das flores e alimentação dos animais deixados para trás, de ambas as casas ficarem
em ordem. Nos aniversários e festinhas dos garotos ela poupa fazendo os bolos e
o mais; ele, leva ou trata do vinho. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Se
ela adoece, ele leva-a ao médico num desamparo aflito porque a casa, porque as compras e as
roupas, porque tudo. Mas depois da receita médica que em pressas pressurosas
vai aviar, ela cura-se e melhora de imediato e não se fala mais nisso. Seja o
que for que teve, já não tem. A vida volta ao de antes. Mas se ele adoece, ai que
está tão doente e não pode fazer isto e nem aquilo. Na verdade não pode fazer
coisa nenhuma das poucas que antes fazia e ela arca com mais uma criança em
casa, cheia de queixas, aí não que me dói e vê lá se não estou com febre, a testa
fresquíssima e o termómetro a marcar 36,5. E que me dói aqui e esfrega lá, e é
que ali também tenho dor, e nunca estive tão mal. Enfim, a doença dos homens é o
purgatório das mulheres. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Que
diabo acontece às mulheres que eu conheço para aturarem tais espécimes. Contudo, as separações vingam<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>por motivos mais esporádicos como haver um terceiro elemento metido ao
barulho ou os adorados cônjuges jogarem o ordenado em noitadas de tudo a que
ele chega por junto. Quanto ao primeiro motivo, a existência de um terceiro
elemento poderia até ser útil, constituir alívio, sempre é menos uma função,
ficam mais folgadas. Mas em vez disso, ofendem e arrufam se outra lhes disputa
o macho. Não se ofendem do disfarce de escravatura acostumada por anos e anos. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Ah, pois, o amor. O ciúme que só <span style="mso-spacerun: yes;"> quem ama </span>sente. O ódio que tudo seca e não permite em redor uma erva verde. E mais todos os sentimentos e emoções que
entretêm os homens.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">As
mulheres que eu conheço são estúpidas. A sociedade estupidificou-as desde
sempre. Algumas – não assim tantas como isso -, com conhecimento próprio e, portanto, ainda mais esparvecidas. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><br />
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Temos de esperar nos vindouros. Que
sejam outros. Ou não há remédio. Fósseis são fósseis. Ignoro é se a educação que lhes damos não está ela também fossilizada.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-34107594772033216162018-08-12T08:45:00.001+01:002018-08-12T08:45:46.866+01:00As Mulheres que Eu Conheço<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">O
mundo das mulheres que conheço é herança de pobreza encardida e séculos de
canga. Nele, os homens, apesar do incontestado <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>poder e domínio, são erráticos e relativos e
não permanecem substancialmente. Ajudam na procriação; carregam, a meias ou
sozinhos, um ou outro objecto mais pesado; vão ao café e demoram-se em conversas
de amigos; fazem um recado caseiro só por desfastio e fama de ajudar e, por
vezes, são <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>encarregados de educação dos
filhos para assinatura ou mostra em reuniões escolares. Em amor, os mais
cordatos fazem uso de ternuras avulsas que são caminho de urgência amorosa e um
“não” desperta asperezas e amuos de duração indeterminada. Os mais, ou tomam de
apetite o que consideram que o casamento fez seu, sem discussão, ou, mais raro,
contrariam a ancestralidade e em tudo agem por amor. É verdade que eles
trabalham fora de casa, mas elas também. Como é verdade que são elas quem faz a
gestão caseira incluindo determinar, comprar e confeccionar as refeições. Os
homens chegam fartos e cansados do trabalho que, vá-se lá saber porquê, é
sempre pior que o delas. Elas não, elas chegam e enfiam uns trapos. Em seguida,
vão para a cozinha preparar jantares e almoços, tratam dos filhos e vigiam-lhes
os estudos, lavam-nos e preparam roupas e lancheiras do dia seguinte. Jantam à
pressa porque ainda falta isto e aquilo, não vêem TV, não se sentam na sala,
não sabem de outro mundo. A sala é o reino dos homens que, sendo bons maridos,
não saem à noite, vêem TV. Os homens deitam-se cedo porque o seu trabalho exige
e precisam descansar. Elas ficam a remendar o fato de treino do mais novo, a
regar as flores que estão quase mortas de secura, a fazer aquele bolo que a do
meio pediu para a quermesse da escola. Quando elas se deitam, eles ressonam. Elas
caem num coma que o despertador interrompe. É outro dia. (cont.)<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-89181590258744763982018-07-14T11:50:00.001+01:002018-07-14T17:40:27.284+01:00Caminhos da Cal<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Portugal
está cheio de vivendas e podemos determinar as datas de construção pelo modismo
de cada uma. No tempo de construção<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da
casa, imperava o azulejo. Meu pai, que fez nascer um monte onde antes era
espessura de mato, sobreiro e répteis a eito, olhava a cal que resplendia a
invejar, “O Zé Custódio é que teve juízo, a casa é toda forrada a azulejo,
nunca precisa caiança”. A esta afirmação, nascia-me a imagem de uma casa guarda-jóias,
onde as pessoas mal respiravam, o azulejo a tolhê-las falho de porosidade.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mau grado o trabalho, rezava
afincadamente para que o azulejo fosse caro, jeito infalível<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de não chegar às nossas paredes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Por
vias que o destino e as modas engendraram, o nosso monte, erguido em<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>claridade e<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>barras azul-turquesa, respira hoje a densidade da cor em azul-real.
Se nele me fixo, logo me vêm à memória os anos setenta e a odisseia de verão
que nos deixava exaustos e felizes após a conclusão. Prontos para o campismo,
ironicamente, sempre na praia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Acontece
que, se o trabalho braçal aperta, logo em reflexo de mola me salta zanga e mau
modo. É uma falta de paciência de tudo, muito desinspiradora. Encrespo, devenho
ouriço. Na verdade éramos apenas seis braços de trabalho: eu, minha irmã sete
anos mais nova e meu primo que passava férias. Dos meus irmãos pequenos
queríamos distância. Depois do pequeno almoço, ordenava que fossem brincar
longe e por lá ficassem até à hora de almoço. E, disfarçados de pedintes miseráveis
(vestíamos andrajos que havia no sótão e depois atirávamos fora), embrenhávamos
o pincel nas paredes, numa linguagem de tu por cima e eu por baixo, e
esquecíamos o horário no desejo de “dar a primeira demão” antes de almoço. Mas
o verão. Mas a sede.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas a água
escondida no bojo das bilhas de barro içadas no poial. Meu pai sabe Deus onde,
e eles a uma insistente janela aberta, ó mana temos sede. Ou, ó mana estamos
cheios de fome. Ou ainda, ó mana caí ali nas pedras, anda lá pôr-me água
oxigenada e mercúrio que isto está-me a doer muito. E eu impaciente, pincel
acima e abaixo, a descer e subir de um escadote toda afogueada para não haver
atrasos com o pincel do baixio, ó gaiatos de um raio, saiam daqui, já não os
posso ver – e num desabafo -, aguentem mais um bocado, poças. Eu que tinha o
almoço por fazer e, de vez em quando, me adiantava para poder ir até à cozinha
dar mais um avanço na refeição, a tempo de voltar antes de atraso irremediável
que a secura das paredes era saudade urgente, sugava a cal ao toque. Meu primo
sorrindo, regador em punho a dissolver pingas e a esfregá-las, impedindo agarrações
de cola ao cimento do poial, que o ar seco e quente tem sua inclemência. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Numa
manhã particular, os dois garotos mais endiabrados ou eu mais retorcida do
humor, visitas e queixas choviam em intermitência. Depois de muita impaciência latejante,
de gritos a enxotá-los, meu primo antecipou-se-me. Largou o regador e o
esfregão e, mão esquerda aberta sobre a totalidade do rosto, pegou o garoto por
um braço e pô-lo a distância peremptória, sai daqui que já não te posso ver – e
abria muito os olhos risonhos por detrás dos dedos reiterando -, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>não vês que não te posso ver?!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
nós duas rimos e largámos os pincéis. Eu para a estupefacção do garoto, afinal queres
o quê. E ele tolhido de inesperado, fixo ao chão, em voz temerosa, podias-me
dar só a água. Eu, palavras de abrir cancela, vai lá para cozinha, não precisas
ficar aí especado. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Gesto
e palavras autonomizaram e permanecem, sai daqui que já não te posso ver.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-59998507850017686742018-07-07T18:34:00.001+01:002018-07-07T18:43:15.033+01:00Olívia<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Projectava
visitar-te no verão. É vero. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Não sou de
juras, promessas são para cumprir<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e
pronto (se as não cumpro, é que não posso mesmo). Habituaste-me a esta amizade-laço
com mais fita deste lado. Tens de reconhecer, dás-me uma pontinha breve, mal dá
para nos atar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Nunca
quis mudar-te (bom, quis um bocadinho). Aceitei ser sempre eu a visitar-te. Por
meus passos e iniciativa, vês-me uma vez ao ano. Contudo, aceitei a prioridade
da prima de Lisboa que vês muito mais vezes e em eternidades de tempo. Aceitei
os natais sem um cartão, o aniversário sem lembrança, os dias enfiados em coisa
nenhuma. Que, até via telefone, sou eu quem te procura. Por amizade a um tempo que nos
juntou e dizes lembrar. Sem gesto ou palavra que me alcance. Por te compreender
melhor do que julgas apesar de sempre te retorquir sobre a religião, sobre a
forma de vida que escolheste e que, ainda assim, podia ser-te mais prazenteira.
Aceitei que não sei mudar-me ou mudar os outros, sobretudo no peso da idade.
Tens de concordar, somos senhoras maduríssimas. Achei natural acompanhar-te </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;">nessa doença familiar, sem </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2667px;">me </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;">impôr. Entretanto,
conversa atrás de conversa, deixas cair que fazes </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2667px;">aqui </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;">uma refeição
quando segues a caminho de Lisboa com os primos. Ou os tios. Ou quem seja. Um ritual de paragem.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Doeu,
caramba. A dor situa-nos. Contudo, bastava um, estou na
tua terra, vem ver-me, e saía desabalada. Repara <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>que nem sequer peço que desvies caminho (qualquer
amigo normal o faria).<span style="mso-spacerun: yes;"> Mas n</span>ão te ocorre ver-me. Por que carga de água faço eu mais de
150 km para expressamente te visitar...é coisa que não explico.
E portanto. Se ligo, não te conto que a anca não me tem deixado sentar, que já
o faço sem dificuldade por períodos curtos, que estar quieta no cinema ainda me
deixa a barafustar no assento, que escrevo devagar e não tenho conseguido senão
umas frases soltas porque o incómodo não me deixa pensar, que vejo filmes
deitada com o écran do portátil na lateral. Que a vida sem escrita me
amargura. E impede. Tudo coisas sem interesse. No teu entendimento sou
incólume e vivo de alegria. E podes crer que faço quanto posso para ser
verdade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Não
vale a pena somar impossíveis. Sou tua amiga sempre e não há mais conversa. É ponto assente. Portanto, quem sabe se para o ano a mágoa se me esbate e me ponho a caminho de
S. Pedro. Sempre em frente. Até à brancura de um ninho de casas.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-32011454360676884112018-06-30T11:55:00.001+01:002018-06-30T11:58:52.227+01:00O Rasto da Água<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Já
escrevi de tudo sobre a água e a nossa relação. Mas escrevo de novo. Para
repetir o prazer de falar dela. Da água. Amor sem tempo ou idade, isento de
quebra ou tracejado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Infância<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Como
em todas as relações de crescer, começámos com certa cerimónia. Do meu lado,
respeito. Olhava-a de olhos baixos, um fascínio medroso e incrédulo a
interrogar o breu espelhado do fundo dos poços, se eu caísse deixavas-me morrer.
Por resposta, só o eco atordoado dos meus gritos. Depois havia a água bebível,
carregada à cabeça em bilhas de barro içadas a pulso, e usada em economia de
gastos. O agrado de saciar a sede deu-lhe primazia, ainda é a minha bebida
preferida. E a água do banho, aquecida a lume de chão, duas panelas de ferro a
borbulhar. Sempre o mesmo cuidado, água é líquido digno de valor e estima. E a
praia que mal vi e logo o mar apagou tudo naquela excursão de garotos cuja
finalidade era outra. Eternidade na solene meia hora de fascínio estival. É
possível que a lembre mais e melhor que os intervenientes directos. Depois,
havia a água encanada a regar as laranjeiras e que, se desencanava, era botão a
desatar a histeria possessa e asneirenta de meu pai, bem mais precioso que
topázios jorrando lapidados da abertura do cano. No tanque comum de lavar
roupa, preocupava-me assistir à transmutação da água que passava de líquido
fresco e transparente onde as mãos apeteciam e as peças boiavam, a uma espessa
e inexplicável camada cinzenta que guardava no fundo não se sabe o quê, e
causava repelência. Os outros garotos a apararem a nata cinzenta, mexe!, e eu a
recuar, mãos fugindo para as costas. E havia a chuva forte que batia no barro
das telhas a respingar-nos, minha mãe correndo a proteger as camas com um
plástico e eu temerosa do desastre, e se as parte. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Desconhecia lagos e represas, rios, regatos,
barragens. Fustigava-me a curiosidade uma fonte humilde que gorgolejava
baixinho no meio de pinheiros, em doloroso desperdício que enterrava no
pó castanho por entre carumas aprendizas de natação. Brotava do quadrado escuro
de pequena cisterna a que chamávamos a nascente, e onde as cobras de água da
nossa crença eram mais largas e compridas que braço de adulto. Puro terror
jamais vislumbrado no embevecido caminho do cabelito de água a empoçar. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Por mim, era habitada por fadas, local de
encontro de príncipes e princesas, assistente nocturna de maquinações diabólicas
de lobisomens, talvez as cobras metidas ao barulho. <o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-51728215499316874762018-06-17T10:57:00.001+01:002018-06-17T11:01:18.216+01:00Requiem para uma Flor<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Morreu
a minha última avó. Foi uma avó de coração, que sangue comum não nos existe.
Não era uma velhota bonita e tinha voz ligeramente áspera, mas olhava todos com
bondade. De longe em longe, tropegava ao amparo da bengala, olhos espargindo
saudade na difícil romaria de meia volta em redor da casa florida. Uma
odisseia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Em
tempos, corriam crianças pelos cantos da casa, no jardim, junto às redes de
rolas, pombos, galinhas e canários. Ou em curtas escapadelas pelos regos da
horta. Ali abrigou filhos, netos, bisnetas. E mais crianças que criou desde o berço, em desvelo de<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>ama benfazeja. Agora acorriam-lhe
aos pés duas cadelitas sôfregas, esfalfando ladridos desalmados à proximidade de
qualquer. A osteoporose prendia-a por todos os lados e a frequência das quedas
compadecia em fundas cicatrizes espalhadas por braços e pernas revelando padecimento
hospitalar. E ainda assim vivia em sua casa, arrastando-se de um lado a outro,
os animais por companhia. Visitei-a menos do que devia apesar de morar no fim
da rua, a escassa meia dúzia de metros. A gritaria das cadelas incomodava-me. E
quanta vez lhe perguntei se não lhe impediam<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>os movimentos. Mas<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>eram a sua
única companhia, a família aparecia no fim do dia de trabalho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Foi
assim até ao dia em que tropeçou numa - ou nas duas - e entornou a chaleira fervente
sobre o corpo. E ali ficou caída, horas e mais horas em urgente sofrimento, até
que a tardinha lhe trouxe a filha. E depois o lar de idosos. E logo, logo, a
morte. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Guardava
para mim uma flor vermelha que não chegou, acabidada por filhas ou netas. Mas
as rosas do muro, essas,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>foi ela que,
anos atrás, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>as deixou ao entrar da
porta. E cresceram. E quase por milagre, parece ter ressuscitado a última
árvore que o marido plantou às vésperas da morte. De cada vez que a visitava
vinha a pergunta, como é que ela está, ele dizia que não se aguentava, que estava
quase morta.... E eu mentia, está linda, pegadíssima.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
um dia, avó, encontro-a nas ruas da eternidade, a nossa flor vermelha no braço
sem cicatizes, bom de todo, tome lá minha neta. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-33712654980663247112018-06-09T23:07:00.001+01:002018-06-09T23:08:32.872+01:00Chico Buarque<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Rever
Chico Buarque depois de mais de uma década. Embevecer no superior carinho
português, uma desmesurada ovação a envolvê-lo mal<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>pisa o palco. Ser o ar lançado nos assobios,
o ímpeto das mãos, a garganta presa de vê-lo contente e comovido de e com o
público. O espectáculo inteiro foi reencontro carinhoso, um esvanecer de
saudade desvanecida. Homenagem do Chico ao povo português e a recíproca e
apoteótica rendição expressa em aplausos, bravos e inesgotável estridência de
assobios a repetir e repetir em cada canção, em cada frase e pequeno <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>aparte. Não posso saber como foi no Porto, ou
mesmo em Lisboa nos dias que se seguiram. Mas tenho certeza absoluta que, em
qualquer parte do mundo, Chico não terá melhor público. Tudo ou quase tudo foi
cantado a meias e assobiado e aplaudido mal as canções eram identificadas. E o
carinho português é o de quem o viu crescer na música e na vida, lhe acompanhou
juventude e madureza e se prolonga na velhice. Esse carinho particular é a
supervitamina que o sustenta e faz portugueses como eu esquecer o preço de duas
horas de <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>encanto. Deixámos de ser
eternos. Agora, cada vez é única e pode ser a última. Li algures que existem as
noivas de Chico Buarque. Jamais me senti noiva do Chico. Estou com todos os que
não lhe conhecem apenas a figura magra e quase estilizada, a unicidade dos
olhos, o rosto vivido de eterno menino tímido e bem comportado. Mais além,
brilha a sua inteireza e convicções, a ternura familiar que sugere sem exibir,
o jeito terno e quase plano de sempre cantar o amor, a humanidade rasa das
histórias que escreve e canta. Este não me pareceu o seu melhor álbum. Voz e
figura ganharam uma nota melancólica, espécie de fatalismo que quase nos
entristece, como se a poesia voe tão perto do chão que possa sumir-se nele. E,
contudo, sou-lhe grata pelos versos da primeira canção que foi também a última,</span><span style="background: white; color: #232339; font-family: "tahoma" , sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 200%;">"</span>Vem esquecer tua tristeza / Mentindo à natureza / Sorrindo à tua dor."<span style="font-family: "tahoma" , sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 200%;"> Era para isso
que estávamos ali, para enganar a natureza. Com ele, conseguimos. Depois,
moveu-me canção mais intimista, abrindo portas ao que, de outro modo, não
descerra, “deve haver um confuso casarão onde os sonhos serão reais/ e a vida
não/uma espécie de bazar/ onde os sonhos extraviados vão parar”. O sonho
extraviado que permanece nesse tão nosso e confuso casarão e que ainda assim
nos alumia. E depois houve <i>Todo o sentimento</i> e nele, “o
tempo da delicadeza”, um desligar para voltar a ligar que se assemelha demais
ao sentir que perpassa em <i>Tua cantiga</i>, qualquer coisa de
irracional que acorre a um suspiro, ao aceno de um lenço caído, a um nome com
cheiro de perfume; canção que parece tão súbtil e leve, mas tanto apela a uma
força desordeira. Tudo banhado em simplicidade. Como sempre. E houve <i>Tua cantiga</i>, feita para amores
supremos e só não entende isto quem sofre de séria parvoíce. Há quem escreva
que Chico simboliza o amante delicado e ideal. É verdade, ele também canta o
amor, sim. Ao longo da vida, sempre guardou o lugar de cantá-lo. Digo eu que
tem vindo a desenhá-lo nos vários estados, sólido, líquido e gasoso. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Obrigada, Chico.</span></div>
<span style="-webkit-text-stroke-width: 0px; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"></span><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-7691740237248188672018-06-02T02:02:00.001+01:002018-06-02T02:12:38.401+01:00Feira do Livro 2018<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">À
saída do metro, o vôo de olhos <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>desejantes procura a nuvem roxa, etérea primavera
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>dos jacarandás no Parque Eduardo VII. E
eles em involução friorenta, </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2667px;">na revessa uns dos outros </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;">a curtir o desconsolo. Dos
troncos escuros desprende-se um dramatismo vibrante e os braços, que requebram em
cotovelos sombrios, erguem-se da clorofila em angústia sinuosa. Envergonhados,
murmuram pardas desculpas que o trânsito ilude, não sabemos o que se passa, mas
há-de ser deste frio que atordoa e da falta de sol. E as gentes em demanda das
barraquinhas dos livros, a esquecê-los de empreitada, ok, ok, já percebemos.
Hoje, a demora promete ser inteira para as letras.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Na
viagem por este mundo de papel, os alfarrabistas são tentação que requer vagar
e uma partitura completa de amor ao livro. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É um nunca acabar de tira, põe, volta a tirar
e a recolocar. Ali, a escolha é <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>bordado
que se arrasta e volta atrás, qual teia de Penélope. Mas quem gosta de ler leva
alegria para casa; e o facto de ser <i style="mso-bidi-font-style: normal;">second
hand</i> só acrescenta: houve pelo menos outro par de olhos a demorar-se nas
mesmas palavras. Dizia um senhor folheando o seu exemplar, “comprei um livro por
cinco euros e não só tem assinatura como dedicatória, vale de certeza muito
mais”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
em cada editora há os muitos livros que nem são caros e se gostam. Os autores
que se preferem. Os escritores que se querem conhecer. Os que se coleccionam. E
aquela obra clássica em que <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>se faz gosto
e pede maior largueza de gastos, quem sabe uma herança literária que se deixa a
filhos ou demais família. Então ruma-se abaixo e acima a rebobinar o calendário
de propostas e contrapropostas. Da decisão brotam sacos de plástico carregados
a mãos ambas. E os livros contentes, na antevisão da comunidade que é sua e dos
leitores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Mas
há ainda os autores com livros novos que marcam presença na Feira. Cumprem o
ingrato papel de aguardarem clientes, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>alguém
que lhes chegue com um livro para autógrafo.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Nesta postura de quem dá mais, os escribas <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>provocam mal estar a uns e curiosidade mórbida
a outros. A maioria está coíbida, sente-se cobaia. António Barreto, sem um
cliente, a cumprir pena. Sérgio Godinho discorrendo ao micro - e ouvido em
grande parte da feira - sobre a sua mesma constatação de que o livro Coração
mais que perfeito, tem mais cenas de sexo do que supunha. Quem o ouvisse podia
imaginar que tenha andado a contá-las, uma, duas, três, quatro...e por aí fora.
E depois a conversa de que o escritor se deixa levar pelos personagens e vai
por aí fora quase sem dar conta. E que na escrita de tais cenas não sofreu de
inibições nem pensou em netos, filhos e demais família que mais tarde ou mais
cedo hão-de lê-lo. Uma fatia de público muito razoável a escutá-lo. A editora
não perdia em ter convidado Júlio Machado Vaz. Daria boa conversa, até porque a
escritora que o acompanhava tinha uma obra – trabalho de pesquisa - sobre o
adultério em Portugal. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Noite
escura. Frio. Pelas vinte e uma horas, o povo cerrava casacos e debandava com
garra. E os jacarandás enovelados em parede de sombra mas ainda a prometer,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>talvez amanhã ou depois, talvez que antes do
términus o nosso manto lilás a debruar a Feira. E alguns a sono solto, sonhavam
já com o apetecido bem estar: um mar de flores lilases.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-17679086013143430892018-05-29T16:34:00.000+01:002018-05-29T22:46:53.101+01:00Um homem não chora<br />
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 200%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="color: #222222; font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Há dias em que um homem se sente estranho e invisível na sua própria casa.
Deita-se na mesma cama com a mesma mulher, a casa de banho habitada por after
shave e colónia; o pequeno almoço aguarda no mesmo canto da mesa; junto à porta,
os objectos pessoais, casaco, pasta, óculos de sol esperam ordenados. E ainda assim é como se a
casa não me pertença, tenha um ritmo alheio, os objectos cativos a
murmurar<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de viés, este outra vez.
Sinto-lhes o mau estar desde o bater da porta na entrada, parece-me que mal me
sofrem os passos, como se os espezinhasse, eu que me desloco sem ruído desde
criança, a proibição de minha mãe ainda nos ouvidos, o menino não pode correr
dentro de casa, a enxaqueca da mamã não tolera barulhos. E as empregadas como
gatos, a deslocarem-se em sapato de lona. O papá em bicos de pés, eu de soquete
branco por muito ano. E a doce mamã mergulhada em penumbra.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Acudíamos-lhe ao quarto por um ai mais
demorado; a nitidez de uma queixa, hoje nem consigo abrir os olhos; um pedido
de doente mimada, ai como me apetece o cheiro das tangerinas. E logo meu pai pressuroso pegava em bengala e chapéu e desencantava em qualquer tempo as tangerinas de Janeiro.
Que a empregada trazia numa bandeja e ela descascava com prazer, a exclamar
extasiada, cheiro tão bom. Pouco depois enfastiava, dedos nervosos e odoríficos na
campainha a retinir, leve, leve, atire fora. E enquanto expulsava das mãos o
ácido ascórbico, a lona atarefava em pressas de veludo no sentido da cozinha,
vamos comê-las que já estão descascadas. E eu em contemplação, encostado no umbral.
Curioso de lugar tão diferente.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Comer
tangerinas despia-as de função. Retomavam o corpo sem pose com que tinham
chegado até nós, riam umas com as outras, brincavam. Naquele bocadinho de tempo
eram quase tão garotas como eu, o menino não diz nada, pois não, quer um
gominho. E eu importante como um confrade, a mastigar os gomos que me passavam,
a sentir na boca o sumo doce<span style="mso-spacerun: yes;"> , a fazer</span> parte
do segredo que vingava naquele reino de ruído caseiro, mescla de cheiros e
compostos que acordavam ao calor. Além delas, havia a cozinheira de mãos largas
e colher de pau, que me chamava prolongando-se em doces que descobria não sei
onde, coma tudo aqui senão o senhor doutor ainda me despede. Quando recebíamos,
meu pai apontava-me <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>às visitas, o
carácter não pode ser amolecido com açúcares, o Alberto<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>é criado sem tal veneno. Olhem para ele, nem
parece filho da pobre<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Madalena. E vários
pares de olhos <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>avaliavam resultados,
cabeça acima e abaixo, bocas a bichanar aprovações. E ainda hoje engulo a sobremesa, minha mulher a princípio estranha, que pressa é essa, o
que lhe deu. E eu de afogadilho, não sei, sabem <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>melhor assim. E nela só a sobrancelha
delicada, nem demasiado espessa nem demasiado fina, a alarmar. Mas de que serve
saber, explicar-lhe demora tempo e não muda nada. É que só na cozinha pacifico
com os doces. Habituada ao desvario e tão velha como nós, a empregada deixa ouvir no levantar
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da mesa, os restos ficam no frigorífico.
E quando fecha a luz da cozinha, prato e talher esperam-me na bancada. Se não
foras tu e o mundo da cozinha a prender-me, teria por certo evaporado. Que não
sei como aguentar salas cheias de candeeiros e agudos de mesa, cadeiras
empertigadas, sofás que nos encurvam e sepultam, écrans cheios de mundo em
desfile patético e que não interessa nem ao Menino Jesus. De resto, o que pode
acontecer de verdadeiro numa sala, filha. Ali, imperam reposteiros e <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>cortinados, quilómetros de linho e seda a velar
a crueza dos dias solares. Também a guardar-nos de mirones.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>As salas são fatídicos lugares de morrer aos
poucos. Não foi lá que deste os primeiros passos soltos, perninha bamba que
primeiro hesitava em tem-te não caias e depois corria até aos meus braços
risonhos; não foi lugar do teu parque, ou a Olímpia não teria hipótese de te
verificar; e nem a aranha que te amparou a pressa das pernas alguma vez por lá
passou.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Bem sei, não é o teu lugar
preferido. Afirmavas convicta, a sala é para as visitas e não gosto que haja visitas. <o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-60019400866391908202018-05-12T21:17:00.000+01:002018-05-29T22:48:37.171+01:00Insólito e Comum<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Peço
desculpa a algum incauto que passe e me leia. Mas até eu estou banzada comigo –
vou escrever sobre José Sócrates, coisa que jamais pensei fazer. Claro que toda a
gente fala dele e é só mais um post no meio de tantos. Pois é. Mas acontece que
não aprecio nem um bocadinho o sujeito em causa. E vem isto de sempre. Que é
como quem diz, desde ser ministro do ambiente e de estar aos domingos à noite, em
directo e na RTP1, a jogar aos dardos com Santana Lopes. É capaz de ser
preconceito. Assevero, a minha opinião é anterior ao Sócrates primeiro ministro,
aquele que, enquanto governava, tresloucou e fez um monte de disparates e
falcatruas criminosas por junto – que até se me configura que tenha para aí uns
cem anos ou viva as vinte e quatro horas em expedientes matreiros e, como
disse, criminosos. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Se nada disso tivesse
acontecido, eu o ignoraria na mesma. Sem raivinhas, só indiferença. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Acrescento
que não aprecio o estilo do senhor apesar de reconhecer que tem bom porte, sabe
vestir e fala com desenvoltura. Mas o fato não faz o monge e sempre me pareceu
que monge por detrás do fato não havia. E porém. Há coisas que não tolero.
Bater no ceguinho repugna-me vivamente. Ora o Sócrates em quem hoje se bate tem
arcado com tudo que é podre e não presta. Todas as manigâncias vão dar a
Sócrates, o que, para mim que não sou juíz, parece exagero. Mais um bocadinho e
sou obrigada a dar-lhe duas vidas só para malfeitorias e a concluir que não é
homem, mas um ser arraçado de gato.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
esta semana, a família política e uma ex namorada juntaram-se a bater em quem
já está no chão (terá sido combinado?!). Eu que não sou mulher de papar
telejornais, vi e ouvi quem o defendeu e agora o ataca. E também li artigos de
Fernanda Câncio, jornalista que os bloguers exibiam como se fosse uma nossa
senhora moderna e a que nunca achei piada por me parecer gente que não presta
(não quero nem um pouco saber se é feminista ou não, as pessoas ou têm carácter
ou, sejam o que sejam, militem onde militem, não prestam). Pois nesse tempo, a
senhora D. Fernanda – a tal a que sempre senti alergia, mas deve ser problema
de pele que a dermatologia resolve – juntava quatro pauzinhos e fazia uma
cabana a favor de José Sócrates. E eu, nas vezes em que lia, verificava que a
dama esgrimia bem os argumentos e lhe assentava o papel de defensora. E
punia-me um bocadinho-pouco por não gostar dela. E agora isto. Não li o que
disse/escreveu e nem preciso. Basta-me tê-lo feito. Denegrir o ex num jornal. O
que ela e os antigos amigos lhe fizeram é sujo. indecoroso. Indigno. Gente que
morde a mão que lhe deu comida não é gente a sério e desmerece a designação de
pessoa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Entretanto,
a populaça reage às notícias e culpa José Sócrates. Anda contente a populaça.
Contente com os atropelos e morosidade da justiça. Contente por ter encontrado
de mão beijada um culpado para os males do mundo. Contente com o seu papel de
juíz de faz-de-conta. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "tahoma" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Também
tenho uma opinião sobre o caso José Sócrates. Veremos quando a justiça actuar
se é concordante. Porque, sendo as opiniões altamente falíveis, a minha pode
nem ter fundamento, estar errada. Mas, a presunção de inocência até ao veredito
é acto de misericordia devido a qualquer réu. E é de lei. Portanto, deixemos
que haja e se faça justiça. Nos tribunais, órgãos onde é suposto as opiniões
não contarem e se aterem os juízes apenas a factos. Porque a injustiça já
aconteceu e tem sido aparatosa. Neste momento, sinto nojo desses “amigos” e “ex
namorada”. Culpado ou inocente, tenho pena de Sócrates. Há danos irreparáveis.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-56193003394693563992018-05-04T21:19:00.001+01:002018-05-04T21:19:55.650+01:00Tolentino e Eu<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Na
semana anterior à sua sessão fui verificar a obra que escolhera e <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>gostei: “A paixão segundo GH”, de Clarice Lispector.
Que eu lera do princípio ao fim sem preferir. E o meu amor a D. Clarice é dos
que não debotam. Depois, a professora acrescentou que Tolentino fora o único
orador a escolheu a obra (aos restantes foi ela que impôs). Tolentino iniciou
com a mostra parcial daquela entrevista maravilhosa que anda pela net sem ser
vista o quanto merece e que me deslumbrou pela primeira vez na Gulbenkian aquando
da exposição <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“A hora da Estrela”. E
depois andou à volta da barata morta para dizer que, em última instância a
paixão é isso, um tornar seu o que é estranho (daí o comer da barata); tornar seu
é incorrecção minha por ser expressão que admite ainda haver alguma coisa que
não sou eu e me é exterior <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>mas que me
pertence – e que não me parece ser a paixão segundo Tolentino. Ora, o que julgo
que Tolentino quis dizer foi que o amor/paixão elimina a transcendência, o
estar fora. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Bom.
A maioria das pessoas ficou siderada com D. Clarice na entrevista que foi a
última que deu.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E com a vida da
escritora que Tolentino fez questão de contar. E muita gente vai comprar a
biografia que Benjamim Moser deu à estampa. De certeza. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Ora
bolas, já me perdi. Eu tinha começado a escrever para contar que nesse dia
cheguei tarde e para abreviar caminho e não incomodar me sentei lá atrás na
última fila. Não sei o que estava a fazer. Talvez coisa nenhuma. Esperava. Ou
sei lá. De súbito, no meio daquela igreja a abarrotar de gente, muitas pessoas
de pé e sem lugar, havia um homem a olhar-me. Tinha o corpo virado para a
frente e, para me olhar, virara a cabeça.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Não me olhava distraído, olhar errante. Fixava-me. Pensei que talvez me
conhecesse e investiguei-o. Ao invés do que costuma suceder, não me pareceu que
já o tivesse visto. Pensei que, provavelmente, eu apenas respondera à chamada dos
seus olhos. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Não era um olhar curioso,
mas era, sem margem a dúvida, todo para mim. Poderia estar a confundir-me com
alguém conhecido.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E fiquei na minha. E
daí a nada, o Tolentino estava ao micro. Era ele o sujeito que parecia
conhecer-me. E por ali se quedou a abismar uma capela inteira com D. Clarice e
o seu dissolvente de transcendências. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Beleza
de mulher, estranha senhora de tão boa e incomum prosa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Eu
trouxe o teu olhar simples e meio terno, Tolentino. Parece-me bom para ter à
mão. E as palavras que queiras dar ao prelo, também as farei minhas. Porque o
resto, meu caro, são contas do teu rosário.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-37231787735916905402018-05-04T21:17:00.002+01:002018-05-04T21:17:39.021+01:00Tolentino e Eu<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Leio
Tolentino Mendonça há anos. Tenho <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>alguns
dos seus livros.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Os primeiros chegaram-me
via amigos, um agrado carinhoso de quem me quer bem.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Depois, por gosto e sabor, comprei mais um ou
dois.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Já li vários poemas<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>seus, puro bom gosto de quem os mostrou na net.
Em consonância, sempre que posso, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>leio as crónicas que escreve para jornais e revistas.
É uma escrita sempre empenhada na vocação. Acredito de pés juntos que tem
vocação para se dar aos outros, que o facto de ser padre pouco me importa,
embora reconheça: é talvez a melhor maneira de ele se (e a) cumprir. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Toda a gente sabe que nos
media as crónicas são encimadas pelo rosto do cronista. Acontece que sou um
bocado desligada da imagem, confundo os meus amigos com outras pessoas, levo o
tempo a reconhecer pessoas na tv com quem é impossível ter tido algum contacto.
E outros desconchavos. Portanto, o Tolentino, como a maior parte da gente que
leio, não precisa ter rosto ou figura. É o Tolentino da escrita. Logo, passo
pela foto como cão por vinha vindimada e atarracho nas palavras. Facto que não
belisca o meu apego. Porém, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>tenho funda
crença que a minha preferência literária e humana naquilo que ele mostra na
escrita, lhe são benefício. A forma não sei mas, existindo uma sintonia
desinteressada com alguém, creio eu que o alvo do bem querer robustece. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
como me alegrou ler (na Visão) a conversa entre ele e Lobo Antunes, dois dos
meus escritores de eleição. Não a vi. Li-a. Pode que esteja na net (estará),
mas dispenso a imagem. No caso daqueles dois, a palavra sacia o desejo. E digo
até mais, a imagem é fonte de distracção e talvez que, inadvertidamente, deixemos
cair alguma preciosidade. Ora, no caso desta reunião feliz, nada se pode perder.
Tão bonito terem entrado os dois de mão dada – mas isto, desculpem, é Lobo
Antunes chapadíssimo. Tenho dito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Tahoma","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Pois
este ano frequentei – com mais umas duzentas e tal pessoas – uma espécie de
curso livre na Capela do Rato, onde Tolentino é pároco. E lá estava o Padre
Tolentino na primeira sessão a dar o pontapé de saída ao lado de uma professora
que conheço e que onde mete o bedelho sai obra apurada. Confesso que nesse dia não
lhe liguei grandemente e nem me lembro do que disse. Foi dos melhores cursos
que frequentei. Em todas as sessões, as paroquianas se referiam ao Tolentino
num corre corre de novidades que me lembrava os ingleses e a sua relação
próxima à família real. Que estava em Roma a fazer o retiro pascal ao papa
Francisco e mais àqueles bispos todos e doutores da religião. E que na net
assim. E que na net assado. E passavam umas às outras o endereço digital onde,
suponho, ele colocava a via sacra do retiro (não seria a via sacra, mas talvez
um resumo da orientação espiritual que punha em prática). Não me interessou. E depois
havia aquela gente que babava com as suas homilias. Que as suas missas são
únicas e as homilias um espantoso espanto. Confesso que desejava ardentemente
que o Tolentino voltasse a ver se sossegavam o espírito. Aquietaram. <o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-19210579440045444212018-04-29T17:07:00.002+01:002018-04-29T17:32:47.877+01:00Convergências de acaso<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Gosto
de igrejas. Admiro-as desde o exterior, mas é no interior que existo, penitente.
O ambiente de silêncio propicia o recolhimento, ainda que nas invernias se
confunda com desacerto e vazio de friúra que afugenta os mais afoitos. Ignoro
se Deus as habita sempre ou apenas esvoaça de longe a longe pelos domínios que
o convénio dos homens Lhe determina, a Ele que, por essência, é pura indeterminação.
Talvez a candura de Alberto Caeiro O resuma cantando em brevidade lógica o Tudo
que Deus é. “Mas se Deus é as árvores e as flores/ e os montes e o luar e o
sol,/Para que lhe chamo eu Deus?/ Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e
luar/”.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Ora,
supondo mesmo que tal ser supremo as não habite ou des-exista, fica-nos o
sonho, o desejo místico dessa omnipresença palpitando em cada ogiva, poalha
coada com a luz que entra por janelas altaneiras; olhar que nos mira dos frisos
das colunas,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>haste volteando nos arcos de volta perfeita. E a certeza de que o temor dos homens Lhe outorgou as mais
belas criações dos artistas de época. Do pequeno mundo que conheço, em nenhum
lugar como em Itália as igrejas devieram repositórios de arte. Só ali o povo </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2px;">oblitera o lugar </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2px;">e,</span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.4pt;"> num</span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.4pt;">deslumbramento, se excede em retumbância exclamativa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Corria
o calor da tarde em Ravena quando passámos perto de uma igreja e ao chamado de
órgão mavioso, entrámos. Decorria talvez um ensaio para concerto e por longo
tempo nos subtraímos ao calor da rua, presos à sincronia de dedos e teclas. Ali,
acendi uma vela e copiei um propositado poema. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Ora,
foi <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>por gostar de igrejas que na Calle
Alcalá entrei na Iglésia de las Calatravas. Sem imaginar que, no interior,
decorria o ensaio do Concierto Davidson Chorale and Orchestra from Augusta,
Georgia.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Eram <i style="mso-bidi-font-style: normal;">teens</i> entre os quinze e os dezasseis, dezassete anos. Todos made in
USA. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Ensaiavam o que nos pareceram cânticos
espirituais negros. Com solos lindíssimos e respostas de coro em uníssono. Jovens a tocar e cantar com mestria angelical. Ficámos até ao fim. Nos breves intervalos, os garotos voltavam à idade,
brincavam, conversavam, dançavam com o inato donaire da mestiçagem. E logo o que
julguei ser uma professora de canto, ou talvez a maestrina que os dirigia,
avisou brandamente, “é o nosso último concerto, espero que honrem esta cidade como
às outras por onde passámos. Vamos deixar nas pessoas boa impressão, ok?”. E
tudo acalmou. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Quando o ensaio terminou e
os garotos passaram por nós, deitaram-nos soslaios sorridentes por entre passos
de dança, o corpo pletórico e irrequieto, cansado de tanto respeito no altar. Um dos garotos olhou-me, cumprimentou
e levou a mão ao boné. Uma simpatia. A sobrepôr, ficou-nos o cristal puro das
vozes femininas que, no meio de conversas e sussurros, já de saída, trauteavam algumas
notas soltas, agudos que eram flores a altear na igreja e desabrochavam até à
cúpula. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Há acasos felizes.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-82791407531418599992018-04-28T23:35:00.000+01:002018-04-28T23:47:31.686+01:00Museu Thyssen<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">O
museu Thyssen-Bornemisza<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>percorre-se de
gosto. Visita cosida a linha de vagares, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>as primeiras três ou quatro horas <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>passam <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>quase inadvertidas.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Nem daríamos por elas, não fora as pernas
queixosas do carrêgo e <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da proximidade ao
ponto morto, num pára-arranca em contínuo gaguejar. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Faltam-lhe as obras espectaculares do Reina
Sofia, mas cumpre em requinte. O turista julga que entra para uma refeição
ligeira e depara com mesa de palácio posta a preceito, rendas de Veneza,
talheres de prata, limoges e cristais a emoldurar iguarias inestimáveis em
suplante de sabores, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>qual de paladar
mais delicado. O folheto recebe-nos também em português, pormenor tanto mais
agradável quanto estranho nos museus de Madrid. Na capa, a enigmática Giovanna
de Ghirlandaio, uma seráfica e aprumadíssima jovem, perfil <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><i style="mso-bidi-font-style: normal;">clean</i>
e penteado <i style="mso-bidi-font-style: normal;">à la mode,</i> num arranjo de
arte capilar que lembra o uso de postiço em cabelo naturalmente ondulado; que
podia mesmo ser enfeite do nosso tempo em cerimónia festiva. Havendo interesse
na cronologia pictórica, podemos percorrer os vários períodos e começar pela
pintura antiga dos mestres italianos, passando depois ao Renascimento e Barroco.
E a arte do retrato manifesta-se em todo o esplendor renascentista, ali brilham
os Caravaggio, Carpaccio e mais. Sente a gente que os olhos ficam reféns das
telas, desligados de nomes, técnicas ou períodos. Não conhecem, são olhos que
sentem. Fruem. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Se houvera tempo, então
sim, talvez eles se desviassem da grata contemplação para comparar, distinguir,
catalogar. E depois vêm os impressionistas, pós impressionistas e
expressionistas, todos de elevado quilate e fino gosto, ímans do olhar , quais medusas sedutoras e ondulantes. <span style="mso-spacerun: yes;"> Prende</span>u-me Corot e o “Banho de Diana”; mas
ainda Degas, Van Gogh, Gauguin, Renoir, Monet e tantos mais a que não quero ser
infiel e para que me falta memória. A finalizar a viagem, a pintura do século
XX onde cabem cubismo, abstraccionismo, surrealismo, pop arte... não que meus
olhos distinguissem estilos, empenhados que estavam na fruição. Mas por tê-los
lido antes e conhecer mesmo alguns, Kandinsky, Dali, Kirchner, Edward Hopper. E
outros que ignorava e me enriquecem o imaginário despidos de nome. O que
esta gente fez por mim não tem paga. Talvez a arte seja isso, o imenso trabalho de
mostrar a centelha divina que nos habita ajudando outros a entender-se nela,
fazendo-nos inclusivos. E desse entendimento resultará a misteriosa pulsação da
vida. Estamos todos ligados.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-89660757410229921222018-04-25T11:18:00.002+01:002018-04-25T17:33:31.743+01:0025 de Abril<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Quando
o 25 de Abril de 1974 aconteceu – dia de memorável <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>acontecer – tinha dezanove anos de ignorância
garantida.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>De política pouco sabia, não
ia além do temor à polícia política, que podia morar em qualquer um, e do
cuidado em não falar mal de Salazar, coisa que nem eu calculava por que haveria
de fazer. Era o nosso Presidente do Conselho e, logo, boníssima pessoa. Foi
assim que cresci, imersa num mundo que não existia e onde as pessoas honravam
os cargos com a sua excelência pessoal ungida de santidade. De outro modo, não seriam
escolhidas. Falar ou pensar mal de Salazar jamais me ocorreria e conjecturava
com os meus botões que só o mau feitio de meu pai era capaz do estado odiento
que lhe sobrevinha a desoras na amargura dos dias, “pendurado de cabeça para
baixo e o cabelo corto à pedrada, ainda era pouco”. E outras afirmações do
género que minha mãe tentava abafar, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>olhos
arregalados numa inquietação desconhecida, “homem fala mais baixo, não digas
heresias, olha que alguém te ouve; lembra-te dos filhos”. E meu pai sem lhe
fazer caso, a <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>altear a revolta e
disparando perdigotos, “havia de o deixar lá a morrer à míngua, o sangue a
pingar gota a gota; ele e mais a corja toda, o Tomás e os outros”; e abarcava
com um gesto largo da mão todo um mundo de malfeitores. E eu que não podia
calá-lo sem levar um sopapo que me deitasse por terra, julgava-o um ser sem coração
e tinha até vergonha de tamanha crueldade dirigida a gente tão imaculada e que, com
denodo imparável, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>lutava pelo nosso bem
estar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
em Abril de setenta e quatro fez-se luz na minha alma de trevas. País velho e com alma juvenil, crepitante. Ou terei sido eu mesma que nasci para a
compreensão extensa da liberdade do povo. Finalmente, entendi meu pai. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Sem
a saber ou sequer lhe conhecer a obra, era com Sophia que estava (as almas são deste quilate, ficam gémeas sem pedir licença).<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>E é ainda na permanência dos seus versos de cabeça erguida que se sustém
o Abril do povo português. O, “ Abril, Sempre!”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">“Esta
é a madrugada que eu esperava<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">O
dia inicial inteiro e limpo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Onde
emergimos da noite e do silêncio<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
livres habitámos a substância do tempo”.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-29324725618291334972018-04-22T10:50:00.000+01:002018-04-22T21:08:22.577+01:00Marcadores de Página<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Relendo,
até parece apenas um passeio virado à cultura já feita e pronta ao
disfrute.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas o bom de ele haver foi a
miscelânea ancorada na boa companhia. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Madrid é lugar a que volto também pelos laços,
aqueles fios que nos atam uns aos outros e não gostamos de perder. Lembro a
casa no centro da cidade e ainda sei o cansaço das pernas em cada degrau; a
porta de então, ontem sempre aberta e hoje cerrada; o largo para onde davam as janelinhas
de água furtada e que mirava com olhos de pardal de telhado; a vizinhança
cosmopolita <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>do hotel de que éramos
vizinhos e foi recauchutado. Não seremos os mesmos. Mas o que nos unia é chão
descalço a guiar-nos a mudança. E aquela amizade juvenil, vinda do fundo dos
tempos. Em palpação mental depois de trinta anos. Quatro tolos a procurar no
rosto uns dos outros as linhas de entendimento que a alma sente. E as fotos,
mostra dos anos e das gentes que nos habitam. E o brinde a nós e a todos os que
gostam de nós. De permeio, o passado dissemelhante do futuro extenso que, sem
haver, nos existia nesse tempo de passeios descomprometidos. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Tão felizes que nós éramos nos interstícios <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>das dificuldades que ensombravam cada um. E
que bom o reencontro. Que bom constatar que Xavi mantinha disponível para nós a
mesma ternura delicada. Xavi, que continua simples e ele, apesar do que foi
ganhando com os anos. Que sofre de cirrose de grau um e nunca bebeu, continua a
jogar futebol três vezes por semana e tem três filhos lindos e dieta
apertadíssima. Mas a ternura calma dos olhos. É nela que somos aceites. E logo
o <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>resto desimporta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
depois houve a serra (não sei qual) e o ar rarefeito a infiltrar, um friozinho
insidioso em dia soalheiro. E a neve gelada nos caminhos, mais de um metro de
altura. E os incríveis esquiadores que desciam “a bola do mundo” à velocidade da
luz.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Nós cá em baixo numa angústia, ai
se caem; ai se vêm por aí abaixo de escantilhão, descomandados, e esborracham no
alcatrão; ai se. E não aguentámos, dirigimo-nos à pista de aprendizagem ou
morríamos aflitos do coração por aquelas paragens. Filhas de minha mãe jamais seriam
capazes de se armar de esquis e andar para ali ao frio, sabe Deus a quantos quilómetros por
hora. E isto, vejam bem, depois de milhentas quedas. Que bem os observámos aos
trambolhões na pista de aprendizagem. Contudo, bateu-nos um suave de ternura, olhos a acompanhar aquele garoto que cambaleava estrada fora. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Dois minúsculos anos, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>botas de esquiar enfiadas, o pai a segurá-lo pela
mão e por vezes a içá-lo.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Sob o ombro
do homem, um par de esquis pequeninos, em pose de brinquedo imperturbável, espreitavam
do saco. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Oh!
E houve os petiscos madrilenos. Que sopa e segundo comemos em casa e só
transigimos na paella. E os deliciosos folhados das pastelarias Viena que Deus
as conserve e tinham certo ar do Majestic mas sem a majestade, o que é motivo
de agrado, </span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2667px;">não quadramos com</span><span style="font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;"> a realeza. Mantêm idêntico traço de época,
amarelos e espelhos. E tal. Deus dê vida longa e feliz a quem ali nos levou. Que
se os deuses passeiam pela terra, de certeza vão lá lanchar.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
El Rastro, que é só uma feira de rua semanal. Mas seria a nossa boutique se por
ali vivêssemos. Em ruas pedonais e infestadas de portugueses, passeavam sem cansar a vista, espanholas alegres
e buliçosas ao lado de espanhóis pachorrentos. E por lá se mantêm.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
Olé.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-41218911191710046872018-04-15T19:55:00.001+01:002018-04-15T20:29:21.987+01:00Museu Thyssen<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">No
Paseo de Prado, ou em proximidade quase contígua, encontram-se os museus mais
importantes de Madrid, Prado, Reina Sofia, Thyssen. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A disposição<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>lembra a berlinense Ilha dos Museus, o turista entra num e logo fica de
olho no seguinte. Será esse o propósito de os terem assim, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>quase de mãos dadas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Logo
na <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>entrada, o Thyssen surpreeende. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O colorido laranja forte, escolhido pela
garrida alma espanhola de “Tita”, a baronesa von Thyssen, é efusivo “bien
venidos”. No primeiro átrio, duas pinturas colossais de suas majestades os reis
de Espanha, Sofia e Juan Carlos. Lado a lado. Não recordo se pintados pela
mesma mão. Estão o que são ou foram: reis. Em cores escuras e sóbrias, o rei
que todas as espanholas gabavam, “o nosso rei é uma estampa, a largura de
ombros, o aprumo, a altura...e a voz, e a ponderação, um rei mui guapo, sem igual”.
Após anos e as tropelias que se sabem (outras haverá que não se conhecem), tornou-se
quem lá está, um rei para actos oficiais e olhar meio desiludido de si, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>sério e de um cinzentismo que impressiona, ainda
que pintado em matizes de azul. Ela, não. Favorece-a a simpatia espanhola. Em
Sofia, pintada em tons pastel, fundo claro e traje de gala ainda de maior
claridade, brilha a bondade que não sei se tem, um certo jeito etéreo que
sempre lhe pertenceu por ser loira, miúda, magra e sorridente, gracilmente<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>sublinhado pelo uso de brocados e finas rendas.
É como se quem a pintou tenha querido dar à figura elegante o brilho da bondade
graciosa, e assim tenha criado a imagem de beleza terna e incorruptível que não
se imagina que seja grega, mas é. Olhando os dois, não podemos deixar de sorrir.
Na vida como na parede, puseram-nos lado a lado. Tão diferentes. Um, demasiado
humano; outro, uma divindade frágil. Ou flor impenetrável.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Mais
à frente, os dois Barões <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>von Thyssen.
Ela, esguia, jovem e comum, o semblante extrovertido e sorridente da Espanha
salerosa. O sorriso parece convidar à alegria luxuriante que não quadra em
baronesas anteriores, mas decerto agradou ao mecenas-barão. Ele, mais velho e
pausado, mas com presença. Diria que <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>mui
guapo quando jovem. De certeza muito rico. Possuir a maior colecção privada do
mundo – fora a da rainha no UK<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>- não
denota apenas gosto pela arte. O barão afirmava coleccionar quadros, vinhos e
mulheres. Tudo em bom. Parece que os quadros lhe davam menos trabalho; ou
seriam amor mais fiável, porque comprou muitos. Dos vinhos, acredito que não
bebesse qualquer zurrapa. E mulheres teve cinco (fora as inconfidências que o
google não revela e nem sabe). <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas os
quadros, sobretudo dele e do pai, mas até do avô,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>são, no seu conjunto, aquisições sem valor
concreto. Números acima da centena de milhar desmedem, não são humanamente imagináveis
em quantidades redondas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Pondo
de parte a actual guerrilha da baronesa com o Estado espanhol, temos de
reconhecer que houve ali dedo de fino gosto na compra das obras. Sobretudo nas
aquisições do Barão que refez a colecção paterna – a herança obrigara-o a
repartir obras com os irmãos e a colecção perdeu mais de quatrocentos quadros. E, como o gosto
artístico do progenitor contemplava a pintura até ao século XVIII, dedicou-se a
colmatar o hiato e adquiriu as que considerou representativas entre esse
período e a actualidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Desinteressa-me
de onde veio tanto poder de compra ao colecionador. Nem quero investigar se do
tráfico de armas, se do fabrico, se. E a Carmen Cervera, a “Tita” do senhor
barão e demais gente, não lhe sei o carácter. Mas agradeço aos dois e ao que os
uniu. Porque depois da Holanda negar ao barão o edifício para albergar as obras
- já não cabiam no seu museu privado em Lugano - só o casamento de ambos
propiciou que viessem parar a Espanha. Portanto, nada de pensamentos malévolos.
Ainda bem que casaram. Tal efeméride tornou possível <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>- a muita e vária gente - o desafogo da vista
e da alma. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E pior estará quem não lhe
sente a falta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">(cont)<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-15605770125171146622018-04-14T17:24:00.002+01:002018-04-14T18:03:14.798+01:00Um Museu com Nome de Rainha<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;"> Quanto
gostamos de pertencer a um lugar! <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Não
sabemos imaginar-nos apátridas. Haver terra de pertença é a certeza de um chão
sob os pés, faz-nos. No estrangeiro, qualquer linguajar português nos transporta empaticamente
para a fonte, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>ainda que se nos apresente
um troglodita disfarçado. É português e basta. Mas assistir ao nome de Fernando
Pessoa a encimar a exposição do museu Reina Sofia, é garantia de orgulho. No
meu caso, orgulho à chuva. Que é orgulho perene ser irmã de língua de tal
poeta, viver debaixo do mesmo tecto de estrelas, respirar a sua cidade. E, de
apetite, reler e tresler <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>versos e prosa.
A mostra portuguesa tinha por título uma frase de Pessoa, “Toda a Arte é uma
forma de literatura”, e lá estão alguns - poucos – dos seus versos; e a pintura
- mostra também curta – de Almada com aquela assinatura de um d cuja haste se
prolonga indefinida, e nós benévolos e a sorrir de cabeça que a um artista tudo
se desculpa, esqueceu-se, foi por ali fora com o pincel e pronto. E o genial Amadeo
Sousa Cardoso. E o casal Delauney mais Eduardo Viana. E há, é claro, o retrato
de Pessoa pintado por Almada. Aquele grande retrato onde qualquer português de
boa cepa se sente içado ao cume, ensimesmando em contemplação de conjunto e não
apenas no poeta. Está ali o que temos de melhor relativo à época. Contudo,
pareceu-me pobre, tive alguma vergonha de o nosso “tudo” ser tão pouco
prolífico. Por mim, estaria Amadeo inteiro, Almada quase todo, Eduardo Viana
muito mais. E ainda não tinha visto o resto. Porque, no labirinto que é o museu
que foi hospital, há muito a ver, de boa e diversa arte.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Talvez por influência do dia, ficou-me
um museu escuro e de percurso meio estranho, supondo eu que o facto de haver um
claustro interior com um bonito jardim dificulta e até impossibilita o caminho
linear. E as históricas arcadas, agora transformadas em janelas de volta
perfeita, que <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>coam a luz exterior e o
tornam fresco, emprestam ao ambiente certo tom melancólico que me pareceu mais
conventual que dado à exposição de pintura. E no entanto o valor pictórico que
encerra não é definível. Ali estão os quadros de Picasso e o grito pardo e animal
de Guernica, que não há escuridão mais sanguinolenta na história da pintura;
está Miró e o seu mundo; Braque que tanto me suspende; Dali e a sua
irreverência que avança pelo inconsciente. E quantos outros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Reina
Sofia visto de uma só vez desalinha os sentidos, boicota o entendimento. O acto
contemplativo requer tempo. E tudo que existe anseia que lhe demos o que a roda
dos dias mais nos vai tirando.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-22080065082041476672018-04-13T21:50:00.002+01:002018-04-13T21:50:34.724+01:00Na Fundação MAPFRE<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Ed
Van der Elsken é o mais importante fotógrafo holandês do século XX. Assim. Sem
mas nem mas. E a retrospectiva do seu trabalho é agradável de ver. Na fundação
se expõem fotos, filmes, livros. E a vida pessoal do fotógrafo, que, sem
exaustão, quase delicadamente, vamos surpreendendo pelo mundo. Salientam-se as
fotos das suas musas, que foram variando – suponho que teria vivido com cada
uma pelo menos aos bocadinhos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Lá está a moda e seus apaniguados. E os anos
sessenta em Paris e Tóquio estão tão bem que admiramos as cabeçorras das jovens
fotografadas como se tivessem defeito. Mas não. É apenas ripanço de cabelo (estão
lá os carramiços e tudo) encimado por lacinhos hoje fora de época e sobrevoado
por muita laca. Um ninho de vespas. Portanto. E há aquelas três bonecas de mini
saia, avançando perna no cruzar da rua. Divertidas e cabeçudas. Como compete.
Tudo na objectiva de Ed surpreende, mesmo que aceitemos casos de surpresa com
ensaio. Há uma sequência de fotos de uma jovem japonesa, muito séria, corpo elegante,
nem bonita nem feia, fixada em algum percurso específico que só ela sabe. E que
– parece –, não deu pela objectiva. O efeito surpresa empresta a alguns
fotografados certo ar zombeteiro, um desafio no olhar, estou aqui, interesso-lhe
e tu não. E há droga. E álcool. E olhos que não enganam. E os mafiosos que sem
esforço se adivinham. E as mulheres de vida alegre, como dizem nuestros
hermanos. Vida alegre! Não podiam encontrar expressão mais malvada. É que não
há razão que a sustente. Mas enfim. Avante.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
há filmes. Alguns no propósito de chocar. Como aquele com a sua primeira musa,
um abuso de asas de corvo no risco dos olhos. Ela e o parceiro enchem a tela, um
acto de amor descarado, vertical e divertido, cheinho de solavancos. E só a
juventude dos dois permite que não seja boçal demais. E, em fundo, constante, a
voz e o riso dela a contar o espírito há muito enterrado e que, então, os animava.
E há África de que ninguém fala mas existe, cheia de maldade para com as
mulheres, e era lugar das preferências fotográficas de Ed. E Tóquio com sua
carga de exotismo e contradição, onde não se cansou de voltar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No final, a mensagem de despedida ao
mundo e à família. E a coragem de se filmar com doença terminal. Não o vemos
morrer perante a câmara. Mas basta olhar e sabemos o que ele sabe:<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>falta pouco.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-55818521763903353682018-04-11T21:29:00.003+01:002018-04-15T14:42:39.975+01:00Museu Sorolla<br />
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 200%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="color: #222222; font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">De pincelada larga e vivaz, Sorolla é pintor de fino recorte, gente que não
chega a descer das sedas mesmo quando parece que sim. Os seus retratos
femininos deslumbram e não apenas pela pintura, há nas modelos certo ar gourmet
que entontece. É certo que a mostra em exposição se subordinava ao título "Sorolla e a Moda", o que afastou telas como a do pescador morto e que titulou , "ainda dizem que o peixe é caro". </span><br />
<span style="color: #222222; font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">O pintor tendia para a beleza qual flor para a luz, mulher feia
ou assim-assim jamais o levaria. Talvez um dos poucos homens que gostava e
sabia comprar vestuário e calçado feminino. Em solícita e amorosa carta a Clotilde, sua esposa (exposta
no museu), pede as medidas para compra de roupas que viu e lhe ficarão
muito bem (um elogio maior em letra esquinada a tinta permanente de qualidade,
que ainda não debotou); refere ainda a aquisição de chapéu para uma das filhas
e sustém que são compras a seu jeito. E que gosta e lhe <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>dá
prazer alindar as suas mulheres. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 200%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="color: #222222; font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Deparar a gente com um Sorolla pode ser grande sorte. Mas também um azar. E
se ele era um chatíssimo senhor, daqueles de, veste lá o vestido que te comprei
e põe os brincos x ou y; e não esqueças, calça os sapatos z. E agora repousa
nessa cadeira e olha-me desta maneira, não, assim não, que te faz uma ruga na
testa e te dá um ar zangado; e põe o braço assim, levanta só um pouquinho da
saia a mostrar o pezito. E agora fica quietinha para fazer o esboço. E etc. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 200%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="color: #222222; font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Sim, que aquele deus grego – era bonito até fartar – casou com uma mulher
linda que pintou em mil posições e feitios. E duas filhas bonitas que também
eternizou em tela. Contudo, uma das jovens é portadora de inquietante tristeza.
Não há quadro onde a melancolia do olhar não nos perturbe. Li que teve
tuberculose. Talvez lhe tenha ficado desse encontro prematuro com a morte, há embates
que nos mudam o semblante. Apetece pegar-lhe nas mãos e olhá-la por dentro. Sem
querer que fale ou se abra. Basta deixar correr a melancolia que traz presa no
olhar.</span><span style="color: #222222; font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 200%;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Mas
há ainda a casa. Um solar airoso, pensado em beleza<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>requebrada. E de duas casas se fez uma. Obras
e mais obras que o pintor concebeu.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Rasgo de janelas mirando o primor do jardim
onde os buxos convivem com as fontes e a pérgula e as flores são felizes. O
conjunto é tão bonito e pueril que parecemos mergulhar <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>num filme ou história de princesas. Tudo é muito
e demais.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Pode ser ilacção ilusória, mas
Sorolla denota certo horror à pobreza de onde saiu, uma obstinada fuga ao submundo
e que condensa na obsessão pela harmonia, nos gostos caros, na exigência da justa
proporção.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">E
pode que nada do que penso seja verdade.<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5896875362572055747.post-57548340312291725642018-04-10T22:29:00.000+01:002018-04-10T22:39:41.598+01:00Museu Sorolla<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">A
maioria das pessoas trabalha para se sustentar. Não cria fortuna nem sobe na escala
social, o trabalho ampara-lhes a condição de berço. Depois, há os espertos que
amarinham agarrados à argúcia negocial, alturas de onde também podem cair, fatídicos. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E há os artistas. Os
artistas que nos habituamos a pensar sem dinheiro, pobres, vivendo em mansardas
e a comer um dia em cada dois. Pela sua arte, suam as estopinhas. Mas o
reconhecimento atrasa e chega na tumba. Ou nem se vislumbra. Nem sempre. E Sorolla
é radiosa excepção. Órfão, criado por uma tia casada com um serralheiro,
conseguiu com a pintura o que costuma vir de berço: fortuna, posição,
reconhecimento. Pintor solar. Diz-se que impressionista e cultor do luminismo.
A luz é o tema comum a todo o seu trabalho. A luz e a beleza que não dispensa, é
um esteta que prefere a fuga à realidade. Quem olha o quadro “As pescadoras” ou o
da pescadora com o filho, repara que o trabalho na pesca não deixa o rosto limpo nem usa alvas roupas inundadas de claridade. As pescadoras seriam antes bem morenas e de semblante vincado por desgostos e aflições sucessivos,
angustiadas pelos seus homens tanta vez perdidos em águas revoltas. É como se o pintor nos diga que a luz muda tudo e as mulheres do povo se tornam leves e outras por
efeito dela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">Deparamos com uma pintura prazenteira e fonte de luz. De forte vitalidade. Ali, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>mar e figura feminina predominam. As mulheres
surgem bonitas, elegância ataviada e, bastas vezes, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>acintosamente coquete. Na água, predominam os
nus infantis como se tenha querido passar para a tela o prazer sem mácula do
banho de mar. Ou tenha ido mais além na compreensão do que os banhos de mar encerram:
a reinvenção da inocência. E há qualquer coisa de telúrico e profuso naquela
água que escorre pelos corpos e é tinta. Aquela água falsa e luminosa que nos enraíza,
seiva correndo por dentro do observador. E somos aquele calcanhar, um certo
dorso molhado, os gémeos brilhantes daquela perna, o sexo do garoto que </span><span style="font-family: arial, sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2667px;">retira</span><span style="font-family: arial, sans-serif; font-size: 16px; text-indent: 47.2667px;"> </span><span style="font-family: arial, sans-serif; font-size: 12pt; text-indent: 35.45pt;"> o
cavalo das águas...</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "arial" , "sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 200%;">(cont)<o:p></o:p></span></div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09390422780288891493noreply@blogger.com0