Toda
a gente sabe que a vida não para. Contudo, há momentos em que parece abrandar,
como se uma hesitação do tempo antes de retomar a marcha. Acontece com o
impressivo de alegria a desbordar, nos infinitos da tristeza e da ternura, nos faits divers empurrados por emoções e
sentimentos. E hoje assisti a esse ínfimo da vida em vagaroso passo.
Seguia
por uma rua de paralelos distraídos, o rodar dos pneus em música de fundo,
quando notei um animal meio enrolado na estrada, desinteressado do
perigo. E o pé a intuir o travão, olhos pregados no bicho, a constatar que
mexia. Vivo, portanto. Apitei e ele nem buliu, embrenhado que estava, focinho
no chão. Parecia-me um gato que tentava deslocar alguma coisa. Resolvi
contorná-lo e quase lhe parei ao lado.
Era
uma gata. Uma mãe gata que tentava reanimar o filho morto. Ou, quem sabe, assim
o chorava. Sobrava nela certa tenacidade quase violenta, lambia-o instante,
abocanhava-o pelo dorso para o ajudar a andar. E ele pendia, inerte, as patitas
a enrolarem sob o corpo. Então a mãe voltava a pousá-lo no empedrado, a
lambê-lo, virava-o e experimentava de novo pô-lo a andar… E tanto me lembrou
sem palavras ou lágrimas algumas mães humanas, gente a quem a dor devora o
juízo e que não entendem elas mesmas como conseguiram regressar. Mas só da
morte não há regresso, engatei o carro e segui. Quase no fim da rua, olhei o
retrovisor e lá ao fundo, a gata atravessava o empedrado, um embrulhinho
pequeno no meio da estrada.
A
vida retomava o seu curso.
Com
as pessoas é também assim. Entra-lhes uma tristeza fina, uma poeira de deserto
invasivo e assolante que infiltra todos os poros. Tristeza é doença: incuba,
consome. E passa com receita específica. Que não se copia. Como doença curável –
e até crónica -, não é inexplicável. Inexplicável é o milagre vital que a
repele.
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