Uma
manhã dirigimo-nos a Mântua (Mantova). E almoçámos a primeira pizza; também a mais
barata e melhor, saboreada numa esplanada da praça principal. Nós e as nossas máquinas
fotográficas, todos seis largados ao descanso na sombra parada de Mântua que
almoçava recôndita, em seu hábito de recato protegido pela Rotonda di S.
Lorenzo, a igreja mais antiga.
Toda
vertida na preferência por cidades de província, rendi-me a Mântua mal a
avistei espanejada em seus lagos artificiais que são afinal braços do rio
Mincio. Apeámo-nos agradados do lago, enquanto as pernas, sangue a alvoroçar, apalavravam
o caminho conversando-lhe minudências de ténis e areias portuguesas. Como será
viver rodeado de água e ter um centro histórico inefável e plano onde a bicicleta
faz casa. Talvez os quotidianos de Mântua ignorem o privilégio. Ou o bendigam. Que
uma tal geografia é por força pregnante, ensopa a alma. A verter-lhe um sentido
estético. O amor à história. O apego ao que é antigo. E velho. Talvez haja
neles um olhar que nos falta, áridos que somos, famintos do que é belo. Porém,
é certo que a nossa pequenez nos dá magnificates que outros não atingem, o olhar
acostumado à beleza. Quem sabe o nosso campo de azinheiras endoida mais por ser
ele. E por essa mesma qualidade nos avultem olhos de expert e alma de inquebrável aprendiz. Em nós.
Que nada sabemos.
Caminhámos
à canícula, rasando uma minissaia de sombras até ao Palazzo Té. Que, em
paciência de recorte fidalgo, nariz ao alto, nos esperava ao fundo de uma
avenida. Larga. Arborizada. Soalheira, apesar do desenho de sombras folhudas
para que atirámos o nosso cansaço de três da tarde, soltando chapéus e óculos
que desabafavam em surdina, acachapados de calor, ora esta, estamos condenados
ao Alentejo perpétuo.
Mas
os palácios sabem receber. Estendem-nos mãos cheias de salas bonitas de tecto e
paredes. E logo ficámos conquistados por este e pela sua história. Ora a
história de Mântua conta que a dinastia dos Gonzagas lhe presidiu os destinos
durante séculos. E que um deles – Frederico II – se perdeu de amores por uma
dona Isabella Boschetti e logo pediu a um arquitecto-pintor que planificasse o
seu rincão amoroso. Portanto, mandou edificá-lo para os seus rendez-vous,
espaço de lazer fora de portas, onde a beleza e talvez o amor fizessem esquecer
responsabilidades. Não há coisa menos discreta. Donde, partindo do princípio
que o Gonzaga não padecia de doença mental e nada consta nesse sentido, se
intui que os amores de um senhor não eram vistos como os de qualquer ser
mortal. Os grandes tinham o seu patamar de acima de tudo. Mesmo das
convenções. Porque o palácio Té é magnífico em seus pormenores e repleto de
pinturas, facto natural quando o arquitecto tem a sensibilidade de um pintor
que foi aluno de Rafael e o dinheiro corre. Há o salão dos cavalos (e eles
parecem saltar da parede), o da psiqué onde se veem os deuses em sua satisfação de Olimpo e o salão dos
gigantes que brotam, descomunais, duma balbúrdia qualquer, e parecem despencar
a qualquer momento sobre o pobre visitante.
Imagino que a Boschetti terá ficado radiante com tal espavento. Agrada-me a ideia de dez anos a alindá-lo (que idade teria a Boschetti quando o terminaram) e ela a visitá-lo e a descobrir o que tinha de novo (que era sempre muita coisa) e a bater palmas de contente por mais esta coluna ou aquela deusa. Ou o diabo a sete. Espero que, no meio de tanta fartura de arte, não se tenham esquecido de gostar um do outro. Já agora. Que o palácio merece. Isso sim. E afinal Frederico II até lhe deu utilidade política e social, o palácio ficou ligado a acontecimentos e tratados importantes. Ou seja, não serviu só o folguedo. Outrossim me parece que Frederico II e Isabella conheciam a natureza humana e o peso de ambiente propício. Asseguro: o Palazzo Té propicia.
Falta ainda dizer. Sobre o pátio interior. Sobre as carpas a engordar, soltas na corrente, matronas sérias e críticas que nos miram desdenhosas, a boca a hostilizar-nos no continuum de abrir e fechar. E outros etecetras.
Imagino que a Boschetti terá ficado radiante com tal espavento. Agrada-me a ideia de dez anos a alindá-lo (que idade teria a Boschetti quando o terminaram) e ela a visitá-lo e a descobrir o que tinha de novo (que era sempre muita coisa) e a bater palmas de contente por mais esta coluna ou aquela deusa. Ou o diabo a sete. Espero que, no meio de tanta fartura de arte, não se tenham esquecido de gostar um do outro. Já agora. Que o palácio merece. Isso sim. E afinal Frederico II até lhe deu utilidade política e social, o palácio ficou ligado a acontecimentos e tratados importantes. Ou seja, não serviu só o folguedo. Outrossim me parece que Frederico II e Isabella conheciam a natureza humana e o peso de ambiente propício. Asseguro: o Palazzo Té propicia.
Falta ainda dizer. Sobre o pátio interior. Sobre as carpas a engordar, soltas na corrente, matronas sérias e críticas que nos miram desdenhosas, a boca a hostilizar-nos no continuum de abrir e fechar. E outros etecetras.
Observação a quem visite palácios ou o que quer que seja de desconhecido: convém munir-se de olhos inocentes.