domingo, 5 de julho de 2015

Quando a Mente "apanha" o Táxi

Para a maioria dos homens, o curso da vida depende do livre jogo entre vontades e acasos. Quer se ajuíze apenas acerca de vontades humanas, ou nos espraiemos por quereres sublimes e divinos tão abrangentes que mudam nome ao dito acaso. O certo é que a crença na vontade, teológica ou racional e sensível, subsiste; ora alargando, ora apertando a malha fina da liberdade. Portanto, nenhuma das teorias será universal e outras virão, a explorar até ao tutano a liberdade que temos, sinal da que nos falta. Entretanto, a vida descompadece destes humanos entreténs e vai rodando na mesma.
Ora o meu encontro com a cidade do Porto urdiu em vagar pontuado de apetites e acasos. Também de vontade de razão, vá. Porque a sedução é participar – querendo ou não -  da trama dos acontecimentos, ser fio, ponto, elo.
Sem pena nem paixão, fomos incógnitas durante mais de trinta anos. Até me ocorrer conhecê-la, talvez em breve respirar de férias ou fim-de-semana aprazado. Esse olhar originário e primeiro segurou-me à certeza de que não sermos estranhas, que tudo no Porto me soube – e ainda sabe -  a costume e uso. Uma sensação esquisita, como se o houvera habitado noutra encarnação. Salvaguardando as singularidades dessa virginal e desafectada visão, quase pura, pouco aprendi da invicta para além de um dejá vu que colou nas principais artérias e pontes. As pontes e seu sortilégio de chão que é e não é, altura a despedir sobre a fundura de água corrente; elas me precipitam no fascínio do medonho que a geometria concisa das casas a aproximar desvia mansamente. Nesse momento irrepetível, tão bonita a cidade  insinuada ao olhar, ainda isenta de relações de pertença. Ela apenas. De pé, na nossa frente. Mostra de casario impenetrável e sem brechas, que encavalita ordenado, num jeito repetido de ângulos rectos em mero aceno ao viajante. Um olhar a direito.
Observo-a hoje e, com a idade – minha e dela -, deveio um tudo-nada terna, o burilado de tempo a arredondar-lhe os ângulos. Que, no mais, não denoto exibição ou vaidade e nem se desfaz em simpatia e agrados. É como é. Sem subterfúgio ou artifício. Desconheço-a sob a chuva, fustigada de vento. Imagino-a agreste, posta em frigidez natural de arrepiar, o lado soturno abotoado de sopé a cume. E tudo isto me veio no interior do táxi, vidros descidos, o calor a corrê-lo, cabelos fugitivos em demanda do para além – a minha parva timidez em solilóquio interno, os táxis do Porto não terão ar condicionado. Enquanto a inquietude dos olhos procurava o taxímetro, a torre dos Clérigos afobada, a desprender exuberâncias de calor, saturada de turistas formiga, olhos de desânimo nas árvores ali tão perto, mas por que não hei-de eu ir até ali deitar na sombra a cabeça do relógio, que martírio esta vida no mesmo lugar, debaixo de sol ou chuva. Tanta sindicância para isto e aquilo, e ninguém a defender as pedras. E numa queixa que me perseguiu na aragem de velocidade, ai quanto me dói este ar pesado de, até cair, ser a mesma no mesmo lugar. Eu já aziaga dela e de um quarenta e cinco qualquer que tomei por preço, o quêêê…não me diga que já lhe devemos quarenta e cinco euros. O taxista, bigode bem-humorado, do meio do vendaval, ó minha senhora isso dava para irmos passear em Gaia de ponta a ponta e virmos. E eu quase tentada ao convite, o hotel que esperasse. E logo em recuo de instinto, não, não, revendo o cheiro a vinho das ruas ribeirinhas e escuras de Gaia, agoniada de caves e garrafas, e mais daquele ar de esforço imparável que ressalta  nas pedras da calçada e nos semblantes, massacre de uvas e alguns homens a alombar. Apetecia-me o hotel. Animal de hábitos, sabe-me bem revê-lo e ilude-me a simpatia comprada dos seus funcionários.
Afinal, o passeio dentro do mini ciclone não chegou a dez euros. Ora bem. E não sei porquê (mas pode ser porque tinha ligado a resmungar e um tanto alterada de voz) fizeram-nos um agrado especial e deram-nos um quarto xpto. Bué bom J.

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