Admito:
por vezes sou atacada por uma virulência de nulidade. Não é uma anulação total, mas é sem dúvida
parcial (como os eclipses). O mesmo é dizer, continuo existindo, mas não faço
coisa que se aproveite. Contudo, esta obnubilação parcial, tão enganadora como
um quarto minguante, nasce de um impulso para a escrita. E hoje aconteceu-me. Em revistas semanais
sou adepta confessa de certa evidência clean, da discrição de cores, de
holofotes apenas no escrito. Mas hoje os olhos têm de ferir-se nos amarelos e
laranjas, nos textos a azul (muito mais difíceis de ler; será que a ideia é não
ler?!), pretensa vitalidade que descamba em evidente mau gosto. Bom. O que me
chamou a atenção foi mesmo um texto a azul que precisei aproximar da janela
para leitura integral. O título, convenhamos, sem ser de todo original, é
apelativo, “O meu amor é um robot”. Havia uma canção dos extintos Salada de Frutas que se chamava “Olh’ó robot”.
Mas só considerava o andróide, não havia
amor. E no entanto já vi um filme interessante com um escritor de cartas, profissão
do futuro (nasci demasiado cedo, está visto), apaixonadíssimo por um robot todo
voz e sugestão; e que, caldo dos caldos, acaba por deixá-lo e partir para
outra relação. Não esquecer: o robot é só voz, mas vive com ele a horas certas: responde-lhe,
sugere, conversa. Insinua-se, vá. Eu que sou mulher achei o filme
delirantemente íntimo. E agora leio em letras azuis e difíceis que a ciência e
a indústria robótica estão engalanadas porque vendem caro umas meninas biónicas
com nome abusado de x: sexbot roxxxy. Pois esta garota supersónica está à venda
online. É cara, mas como deve sobrar andróide, não há referência a desgaste de
uso, e está à disposição sem dores de cabeça ou mazelas que se conheçam,
compensa (?). E depois há um escritor que fantasiou num romance as futuras
interacções privadas com robots e anda eufórico com a premonição. E gente
entendida que refere que as pessoas se excitam na mesma a tocar as partes
íntimas das garotas artificiais. Ora bolas. Então mas eu sou maluca, ou esta gente é que
não é humana?! O senso comum sabe que as
pessoas se excitam só a pensar; qual é a descoberta se isso acontece também quando
tocam algo parecido, ou mesmo muito igual a uma mulher?!
Ah!
Pronto. Está resolvido o problema dos homens execráveis e que toda a mulher
delega; os de exagerada timidez e que não se mexem para nada, ficam a ver
passar o cortejo toda a vida; os da taradice e perversão sexual; e outros que
não sei nem me apetece saber, mas existem. Dizia o Álvaro Cunhal e eu apoio, “Olhe
que não, olhe que não”.
Não
queria dar cabo da felicidade do escritor David Levy e mais da sua bola de cristal; nem da indústria com suas esperanças palermas que cirandam nas letrinhas cor de céu. Mas esta gente vai
acabar por enlouquecer-nos. Ai vai, vai. Acham que há poucos problemas na cabeça
das pessoas, estão tratando de acabidar mais uns. Qual será o parvalhão do
homem que prefere uma boneca?! Como o
que é que lhe falta. Tudo. TUDINHO. Uma boneca, cuja pele
artificial consta de polímeros flexíveis e outras manigâncias, é ainda e sempre uma coisa. Ora o mais primário encontro com o outro, é com um eu outro. Não é com um
objecto. Estaremos a prescindir do confronto que nos é tão salutar. E depois,
não há depois. Um boneco é coisa sem futuro, não pode dar a satisfação, o
enorme prazer, de estar com alguém, de ter aspirações comuns, lutar pelas
mesmas coisas, viver o dia a dia a seu lado no bem e no mal, no assim assim,
com o seu cheiro e as suas manias, com todo o caudal de rio sem fim à vista que
uma pessoa comporta e nem sempre se aguenta, mas pertence. Não entendo. Juro
que não me entra.
Só
me faltava esta. Francamente! Sempre há gente muito obtusa.
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