Numa viagem de comboio para Bruxelas, vi
- alguém me chamou a atenção - a rua das
meninas na montra. Negociavam o corpo. Ou o que fosse. Bonitas. Elegantes.
Jovens. Em lingerie sexy e até de bom gosto. Acordei dos meus devaneios para
elas. Eram montras lindas. Vivas. Julguei que faziam publicidade a lingerie e
achei a ideia de modelos vivos, óptima. Observei-as sentadas em elegância de
perna cruzada e salto alto, montras largas e arejadas como as das nossas
melhores lojas, apesar da rua não ter grande aspecto. Neste segundo olhar,
estranhei; algo não fazia pendant, quase
todas usavam cinto de ligas, usar-se-á
por aqui? - pensei -; olha que coisa mais desconfortável. Tinham
pernas longas e sem varizes, suponho que bem depiladas. Depois, vi homens
encetarem conversa ao vidro e uma sair da montra enquanto ele entrava na porta
ao lado. E entendi. Pasmo sempre deste amor de compra, que se apreça. Pasmo que
haja homens para encher montras, que as mulheres não estariam ali se desertas
de freguesia. Tanta vez me pergunto até que ponto são necessárias. E não tenho
respostas. Não sei se existem para as perversões do sexo, se para a
normalidade; não faço ideia de quem procura o quê. Mas tudo que é exposição
humana para comércio me dá pena e revolta. Parece-me um atentado à dignidade,
como se alguém convide, sou tapete, vem,
pisa.
Entrou-me uma tristeza a desacertar com
as férias e lembrei os filmes sobre a escravatura, os senhores de chibata, a
avaliarem a idade e a saúde dos escravos pela dentição; enquanto as ladies, alheadas deste ser prático,
tomavam chá no salão e debicavam intrigas entre biscoitinhos e tufos de tecido
em moldura de seios ditos púdicos, a
desafogar de espartilhos que na mente sem alívio, eles não têm alma, não sentem como nós, podemos bater e maltratar, são
como os animais. E não sei se não fazemos o mesmo que as ditas, se não
olhamos essas mulheres e, não sabem o que
é o amor, e seguimos em frente. Mas
não sabem porquê? Ou também pensamos que não sentem?
Fico com má consciência por existirem
homens que exploram outros, os tomam como objecto de uso; que o ilícito se faça
lícito. No século XXI. E contudo diz-se, é
mais higiénico assim, são vistas periodicamente pelo médico. E etc etc. Mas
parece-me sempre que, quem assim diz, se refere a uma subespécie, “elas”. Mas
“elas” são todas um “eu”. Penso, se vendo o meu trabalho e elas o seu, porquê o
desconforto? E julgo que seja o tipo de trabalho e o que se toma para troca.
Talvez a condenação social importe um tanto no peso.
Contudo, sei de pessoas que frequentam
as ruas vermelhas de outro nome (em todo o lugar há uma rua vermelha), porque a
saudade de uma mulher é por vezes demais de comprida para se tomar aos ombros
em definitivo. E tem momentos em que uma respiração falta. Apesar do que vi num
programa sobre o prazer no Japão, nenhuma boneca, por mais bela e perfeita,
iguala um encontro com a mulher mais apagada. O calor do corpo, o toque da
pele, o olhar…ainda que não sejam de amor, estão. Não se substituem. E haverá
outros variados motivos. Menos melancólicos. De maior premência. Talvez.
Depois li sobre a prostituição de luxo.
A que se guarda a si mesma e não usa montra. De gente educada. Diz-se. Arrisco
que não. Gente formada, que tem diplomas para exercer uma outra profissão. Sim.
De mulheres que se fazem valer. E pagar. Que gerem o corpo que é delas como bem
entendem, na mira do lucro. E têm nele o seu maior investimento. Pessoas que se
veem a si mesmas como mercadoria cara e inteligente; que reenvia o seu saber de
alcova para a conta bancária.
E os homens? Perplexo neles.
E, apesar
de tudo que já se escreveu sobre as razões desta profissão, continuo sem saber
o que pensar. A cada linha escrita surge-me um inumerável de atalhos e razões. Ó inesgotável
complexidade. Provavelmente, haverá um sem fim de existir e um sem fim de não.
Porém, não creio que desexista.
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