Com
os namoros da altura nada aprendi, eram bastante diferentes. Domingo à tarde,
esperava paciente a bicicleta e mal disparava na minha porta, saltava um valado
intrometido, corria o mais que conseguia até casa da vizinha, a clamar alto e
bom som, vem aí o meu namorado, vem aí o meu namorado, e entrava na casa de
jantar onde a Clementina, lábios cor de rosinha claro, dava um toque no caça
rapazes a mirar-se num espelho de mão. E sentávamo-nos as duas à espera do
“nosso” namorado. E nunca a Clementina um jeito diferente, ou qualquer enleio
dos sentidos a toldá-la. Bom, admito, é difícil encontrar quando não se procura.
E também conta o facto de me pespegar que nem carraça no colo do namorado que
era também meu, a encher-lhe a paciência de cantigas e perguntas. Se hoje
encontro a Clementina e o marido na rua, num braço-dado feito de anos, sobe-me
uma vontade saliente de desculpas. Mas ocorre-me o tardio e inútil que seria e
deixo-a de atravesso na garganta, ela pra mim, apertada na laringe, então…? E
eu, não vale a pena, desce lá à memória se não te importas. E fico a guardar-lhes
a velhice sossegada, pensando que talvez o dano tenha sido nenhum.
Quando
andava na primeira ou na segunda classe – talvez – um vizinho e companheiro de
brincadeiras, olhou-me com o jeito terno que hoje sei que me reservava – tarde sabemos as certezas da vida - e começou uma conversa estranha, mesmo que
digas que não, eu não me importo, ouviste…e eu, é o quê, queres brincar a outra
coisa? Estamos aqui tão bem… Andávamos de joelhos pela terra, descalços, a
“lavrar”, ou seja íamos deixando um rasto feito por joelhos, pernas e pés,
bastante parecido às lagartas deixadas pelos tractores. Eu, entusiasmadíssima a
levantar a saia para não a atropelar com os joelhos envoltos em nuvens de
poeira, imaginando-me numa espécie de trabalho de que a terra tirasse benefício.
Então, ele parou de joelhos, mesmo na minha frente, quero foder contigo.
Olhei-o naturalmente e perguntei, isso é o quê? E ele, vamos ali para trás da
barraca, despimos a roupa e ponho-me em cima de ti. Achei uma grande palermice
ir para trás da barraca da minha tia despir-me, mas só acrescentei a recordá-la
com o seu monte de lixo a fumegar, mas ali é o monturo e o esterco, cheira mal.
E ele, pois mas estamos só os dois; eu já fiz isso com outras gaiatas, mas é
contigo que quero; e reiterou a olhar-me meigamente, é sempre contigo que quero.
Mas eu não quero, não te zangas? E ele num sorriso meio de compreender, não me
zango, não, já desconfiava. E continuámos a “lavrar”, assunto morto e enterrado.
Nunca, nos tantos anos que ainda brincámos e mesmo quando deixámos de brincar,
voltou a tocar no assunto. Certo dia, a minha mãe avisou, tem cuidado com o …Pareceu-me
que duvidava dele. Desagradou-me em extremo. Descansei-a, que era com quem mais
gostava de brincar, que nos dávamos bem e não havia essas coisas. Entretanto,
as garotas tinham vindo gabar-se. Gabar e tentar aliciar-me com pormenores que
desconhecia e me desinteressavam, a encher-me de recomendações, não contas nada a ninguém, jura lá; isto são coisas feias. Quando perguntei, e por que é que fazem, elas, gostamos; e uns risinhos parvos de umas a outras que me excluíam. Então eu amuava e ia embora com elas nas minhas costas, mariquinhas pé de salsa tromba do mesmo animal, até me perderem de vista O certo é que não espreitei o monturo da
minha tia; se tinha que atirar lixo seguia cantando para lhes dar tempo a
escapulir, caso por ali andassem. Faltava-me a curiosidade, mas não desejava
perturbar. Julgo que quis guardar desse eterno companheiro de brincadeiras,
sempre pronto aos meus devaneios, a imagem tocável e limpa, de encaixe completo
nas reentrâncias da memória.
(continua)
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