sexta-feira, 20 de março de 2015

"Fazes-me Falta" Inês Pedrosa

Voltei ao “Fazes-me falta” de Inês Pedrosa. Por preguiça e ametodismo sistemático. Não me lembrei que ontem era um obrigatório dia de mãos na cozinha. Mãos e o corpo todo, que não faço por menos. Ou bem que estou, ou bem que não estou. E os princípios da física – e também da lógica – traçaram o resto, não posso ser simultânea em dois lugares. Consequentemente, não podia preparar o tema da Semana da Leitura e mergulhar na culinária. Há quem consiga, mas sou, em algumas poucas coisas, uma mulher atípica: não faço muito ao mesmo tempo. Em primeiro lugar porque não me apetece cansar-me em demasia. Em segundo porque estou sempre a fazer duas coisas, a actividade que me destino e o meu monólogo sobre ela – bem digo que converso com a gata, tretas, converso comigo, a gata é mesmo só para enfeitar, aquele olho de vidro azul transparente percebe lá alguma coisa. Em terceiro, porque não é estimulante para a terceira idade – na qual entrei precocemente e contrafeita – andar a apagar muitos fogos. Não é a idade da serenidade? Pois então. Portanto, optei por culinar. À noite, vim terminar a releitura do romance e fui dormir sobre. Voltar-me na cama. Hoje escrevi drasticamente um esquema apressado, pensei no como da apresentação e faltei ao compromisso que tenho com a água.
Li as críticas ao romance e são do melhor. Tinha-me entusiasmado na primeira leitura. Julgo que seja um bom romance para uma turma de humanidades. E lá fui explicar o feminismo e as suas lutas, contrariar o meu ex-slogan – completamente parvo, diga-se de passagem – “Sou feminina , não sou feminista”, mostrar que uma coisa sem a outra não existe – é tudo ou nada -; lembrar que as leis são um caminho para uma realidade diferente mas só a mudança das mentalidades – homens e mulheres – modifica o quotidiano. E as mentalidades são lentas. E lentas. E lentas. Falar do direito ao próprio corpo de que tanto abdicamos e da qualidade que pode haver numa relação entre iguais. E mais coisas que não me lembro.
E depois veio a Inês a reboque e mais as suas lutas que ela não deixa por menos e as assume na vida e no papel. E o “Fazes-me falta”, romance de que gosto por haver nele vibração de verdade (e quero lá saber das críticas que li e se concordam ou não comigo. Eu concordo comigo e parece-me suficiente. Por agora), escrito num estilo que considero diarístico e poético a escorrer (na segunda leitura as metáforas emperraram-me um tanto o pensamento, pareceram-me por vezes em catadupa e outras surgiram-me repetidas). Mas é aquela veemência que nos convence. E, sendo sobre a morte, não é um livro  triste.

Porém, todos os livros são sobre a morte. Foi o que tentei provar e não sei se consegui. Os homens escrevem por temporalidade, o mundo divino prescinde da escrita, o seu eterno presente enche-se com o ser redondo que é, sem memória ou palavra, incha de si e basta, “Deus é aquele que é”. Não há mudança sem morte, não pode haver o novo sem a extinção do velho (Anaximandro, Anaximandro). Seja isso o que seja. Morramos pois. Diários e diáfanos. Até ao ponto sem sentido que, desde o nascimento, dá sentido à nossa linha pequena. Oh certeza fatídica que sem ti não saberíamos nem como experimentar viver. 

Sem comentários:

Enviar um comentário