domingo, 8 de março de 2015

Querido Deus

Peço desculpa por te escrever no tarde da vida e espero que, ao fim de tanto ano, saibas ao menos quem eu sou. Para te falar com franqueza és mesmo o meu último endereço. Devias ser o primeiro, mas que queres, dá-me mais jeito escrever a quem é como eu, as cartas para um deus, por mais que se não queira, são sempre de baixo para cima, logo, pouco democráticas. Certo, oralmente já te pedi muita coisa. Mas adaptei-me ao teu ser de ter o mundo todo às costas e penso que lá terás as tuas razões para permitires ou enviares  o que bem entendes e nem sempre é o que desejo. Na certeza porém de que os teus desígnios são insondáveis, não é apenas burrice de je.
            Antes de pedir seja o que for – sim, sim, vou pedir qualquer coisa; se não queres nada comigo, para de ler - gostaria de rever algumas particularidades em que, certamente, puseste ou o prego ou a estopa. Senão vejamos: nasci com peso a menos; que morria, que morria e compus-me. Aos dois anos adoeci dos mamilos (achas algum jeito a uma doença destas em tenra idade, vá, diz lá) e parece que ia morrendo; fiquei com defeito, mas fui em frente. Aos dezoito arrasaste-me e convenci-me que não escapava, mas renovei. Aos cinquenta afundei em desencanto e a inanição apetecia-me, a morte era de somenos. E agora, aos sessenta, resolves massacrar-me com uma data de coisas que só acontecem, por norma, depois dos sessenta e cinco?! Ora bolas!, então eu que sou atrasada em quase tudo, só me adianto no avesso. Assim não vale. Cumpre as estatísticas, caraças. Morres aos trinta e três, sabes lá tu o que é ir prescindindo das coisas de que gostas ou te entretêm. Ok, foste crucificado que é bem pior. E tens razão, eu queria morrer toda gastinha e é o que está a acontecer. Por esse lado, não faz sentido reclamar. Mas faz por todos os outros.
            É em nome desses outros aspectos que te peço: deixa-me nadar mais uns tempos; arranja forma de eu voltar a fazer tricot, não me tires já a bicicleta, manda-me sff alguma alegria que estou precisada. Sobretudo, porta-te bem comigo nas férias: que a minha perna não arme em parva no calor do norte de África e o ombro não despenque.
            O resto a vida levou, tu levaste, eu desbaratei. Ou está cá a moer-me o juízo e o corpo.

Pronto, não me queixo mais. Podes ir atender outras criaturas. E não te esqueças de pensar no meu caso. Se precisares de ajuda já sabes, estás à vontade…
Um abraço e cumprimentos aí em casa


PS: e faz favor de me deixares gozar o Dia da Mulher cujo eu acho uma parvoíce pegada, mas vou aproveitar com a amiga que tu sabes. A comemorar nada, salvo a nossa amizade. Porque haver um dia da mulher já me ofende.

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