Lago di Tenno
A meio da tarde, abandonámos Varone
e rumámos ao Lago di Tenno. Alentejana retinta e tão leiga em cascatas como em
lagos, iniciei a descida ainda imersa no encanto terrível da cascata. Descia
sem curiosidade, a imaginação acorrentada ao estrépito da água a precipitar.
Certa vez, li um livro sobre as religiões e
sua génese, suponho que de Mircea Eliade, e ficou-me a expressão “o sagrado
irrompe no quotidiano instaurando um tempo novo”. Terá sido o que me aconteceu
com o lago di Tenno. Quando se me plantou na frente aquele azul turquesa orlado
de pequenos seixos brancos, parecia-me sonho divino e impróprio de mim enquanto
ser vivente. Sonho igual ao do poeta que cantava, “ sabe-me a sonho estar aqui,
de olhos fechados pensando em ti”. Mas os olhos estavam abertos e o meu
imaginário não seria capaz de sonhar tão nítida e preclara visão; havia,
inclusive, pessoas a nadar naquela beleza toda e era inegável o verde da
montanha a ampará-la no repouso da tarde que descaía a amarelar. E eu
ensimesmada, extasiando no inesperado, pés colados à vereda, as pessoas atrás,
“permisso”. E eu de estátua desengraçada. Então, subiu-me a gratidão
concêntrica dos momentos em que, claramente e a desmodo, nos sentimos eleitos
por um deus. É nestes momentos de gaguez da alma que me vêm à mente expressões
litúrgicas e humílimas, como “eu não sou digna…” (por certo, indigna, que toda
escorro reconhecimento). Depois, abre-se-me aquela vocação de esponja que
parcamente me visita. E absorvo. Inspiro. Ingiro. Creio mesmo que o termo seja,
deleito-me. Assim uma coisa doce que sobe de uma ponta a outra e não chora nem
ri, mas compraz activamente e desactiva a urgência. Um bíblico “façamos aqui
três tendas, uma para ti, outra para nós e outra para Elias”.
E
o resto não me lembro, mas devo ter andado por lá que tenho fotos.
Desimportâncias.
Não
cheguei perto da água. Não lhe pus mão ou pé. Mas tenho certeza que nitidamente
nos encontrámos fora de horas e minutos, na orla de espuma das ondas que nem
havia. À sombra verde dos ciprestes.
Subimos
a recuperar-nos poro a poro, que um lago destes dissolve até à rebeldia das
entranhas (pronto, também íamos
cansados). Perto do carro, saída de algum lugar, uma vozinha pequena em tamanho
e idade, J’ai soif, je veux de l’eau. Olhámos e a queixinha mimada vinha de um
rabo-de-cavalo em canudinhos, umas perninhas de nada a arrastar uns croc pelo
pó do parque de estacionamento. O pai em voz suave e ilusória, cherche; voys-tu
de l’eau? E ela em sua vozinha malograda, observando os dois lados da estrada e
arrastando sílabas tristes, non, je vois pas. E lá continuou procurando, a
cabecita a um lado e a outro, enquanto iam os dois ao seu destino.
Tanta água, e não há água... As fotos??? Quero ver... Depois destas fabulásticas descrições, apesar de tudo, gostava de ver as ditas. :)
ResponderEliminarsim, podes vê-las quando queiras, doce avozinha
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