O
mundo das mulheres que conheço é herança de pobreza encardida e séculos de
canga. Nele, os homens, apesar do incontestado poder e domínio, são erráticos e relativos e
não permanecem substancialmente. Ajudam na procriação; carregam, a meias ou
sozinhos, um ou outro objecto mais pesado; vão ao café e demoram-se em conversas
de amigos; fazem um recado caseiro só por desfastio e fama de ajudar e, por
vezes, são encarregados de educação dos
filhos para assinatura ou mostra em reuniões escolares. Em amor, os mais
cordatos fazem uso de ternuras avulsas que são caminho de urgência amorosa e um
“não” desperta asperezas e amuos de duração indeterminada. Os mais, ou tomam de
apetite o que consideram que o casamento fez seu, sem discussão, ou, mais raro,
contrariam a ancestralidade e em tudo agem por amor. É verdade que eles
trabalham fora de casa, mas elas também. Como é verdade que são elas quem faz a
gestão caseira incluindo determinar, comprar e confeccionar as refeições. Os
homens chegam fartos e cansados do trabalho que, vá-se lá saber porquê, é
sempre pior que o delas. Elas não, elas chegam e enfiam uns trapos. Em seguida,
vão para a cozinha preparar jantares e almoços, tratam dos filhos e vigiam-lhes
os estudos, lavam-nos e preparam roupas e lancheiras do dia seguinte. Jantam à
pressa porque ainda falta isto e aquilo, não vêem TV, não se sentam na sala,
não sabem de outro mundo. A sala é o reino dos homens que, sendo bons maridos,
não saem à noite, vêem TV. Os homens deitam-se cedo porque o seu trabalho exige
e precisam descansar. Elas ficam a remendar o fato de treino do mais novo, a
regar as flores que estão quase mortas de secura, a fazer aquele bolo que a do
meio pediu para a quermesse da escola. Quando elas se deitam, eles ressonam. Elas
caem num coma que o despertador interrompe. É outro dia. (cont.)
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