Realizado
pelo romeno Radu Mihaileanu, o filme aborda a condição e luta das mulheres árabes e situa-se
algures numa aldeia entre o Norte de África e o Médio Oriente. O título, “A
Fonte das Mulheres”, diz de certa forma da sua luta pela água. Mas o filme é
mais. É a poeira amarela que sobrevoa uma aldeia despida e pobre, que dista uns
bons quilómetros da única fonte. São os carreiros de cabras, pedra e pó que
levam as mulheres até à água. É a preguiça dos homens que ficam sentados enquanto
elas carregam aos ombros os baldes. É a espécie de união que divide a aldeia em
dois grupos, o dos homens e o das mulheres, e me lembra um mundo que conheci há
muitos anos atrás, com as minhas tias-avó.
É um filme de outro mundo, sim. Que por mais que se pense a Terra
global e unida, vimos de cadinhos diversos. Somos todos homens e mulheres. Mas não
vivemos idêntica a condição. Não é o mesmo ser mulher em França ou no Mali. Na
película, como na vida, essa condição vive-se em cacho – toda a aldeia – ou de
um para um – cada casal. E não adianta estarrecermos: O mundo dos homens tem
muitos mais direitos que o das mulheres. Tem-nos na Europa, na América, na
Oceânia. Onde calhe. Salvo se existam algumas poucas tribos primitivas onde as
mulheres detenham o poder. E também aqui apenas se invertem os papéis, a
igualdade de género ausente. O islamismo parte do pressuposto: a mulher é
subalterna. E o que para nós é violência sobre o chamado sexo fraco, para eles
é segunda natureza, mandamento de Alá, possivelmente. São elas quem trabalha: carregam
a água e a lenha ajoujadas ao peso; tratam da casa. São quem tem filhos de
enfiada e os cuida. Os homens podem, se o desejarem e tiverem meios, aprender a
ler, ser instruídos. As mulheres, não. Eles são donos e senhores da casa, sem
bulir nela um dedo. As mulheres servem. Na mesa. Na cama. No trabalho. Na vida.
E o preconceito desta dualidade está em todos: homens e mulheres.
E a quem não segue o islamismo, que dizer? Que dizer das admiráveis
mulheres de Atenas que todas somos em pelo menos alguns momentos. Porque nos
afronta uma religião que não é a nossa. Mas nos calamos a quotidiano tão
desigual. E tanta vez, nesta sociedade de trabalho em que entrámos, ufanas de
lado a lado com os homens, somos elas. Elas à europeia. As perfeitas mulheres
de Atenas. Que chamam tudo a si. Na ilusão de que o trabalho seja uma forma de
poder. E não é. O trabalho, se excessivo, aliena.
Na aldeia do filme, as mulheres formigam. E os abortos espontâneos
sucedem-se. Acontecem, na maioria dos casos, se escorregam nos caminhos da
fonte, baldes cheios. E o que todas as outras pensam hábito, cria numa delas, a
mulher do professor, uma revolta a fermentar. Chegada de outra aldeia, o marido
estremece-a, ensinou-a a ler, trata-a como sua companheira. E, entre várias
peripécias (o filme é bem humorado) ela consegue unir as mulheres numa greve ao
sexo até que, ou os homens vão eles mesmos à fonte, ou, como ela julga, eles
façam alguma coisa para que a água chegue à aldeia. E aqui começa a forma como
cada casal interpreta a diferença de género e a ousadia das mulheres: há o
marido bruto, que exige e toma pela força; o marido que ama sem deixar de
seguir o Corão; e aquele doce professor (tal pessoa não existe senão em filme,
portanto nada de procurá-la, ou não se faz mais nada a vida toda) que ampara a
mulher que ama, se recusa a tomar outra esposa e a repudiá-la como lhe sugere o
pai, a ajuda a preparar-se para o embate com quem pode atingi-la com as leis do
Corão, espera pacientemente que a greve termine e move todos os cordelinhos que
conhece para a ajudar a vencer.
Pareceu-me contra natura e um defeito do filme que numa aldeia tão pobre as mulheres
apareçam de base, olhos pintados, cabelo cuidado. E nem sei se o filme um bom
retrato do mundo muçulmano. Com toda a herança que não consigo alijar e me
pesa, a educação que me atrapalha o vertical…ainda assim, talvez que a Europa
preferível.
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