As
pessoas são todas iguais?! São todas
iguais o tanas. A primeira vez que frequentei a estância termal alojei-me no
hotel das termas em cinco dias resumidos, que o bom tratamento tem custos. Desse
tempo, guardo a distinta ideia de pessoas discretas, educadas e bem-falantes,
inscritas em programas mistos de massagens de relaxamento e tratamentos
específicos. Algumas crianças estavam com os avós enquanto os pais se passeavam
pelo estrangeiro ou gozavam o seu tempo a dois. Eram famílias como toda a gente
conhece, notava-se-lhes a naturalidade dos laços, os garotos portavam-se normalmente
à mesa e obedeciam aos avós, julgo que por amor e respeito; lembro-me de uma
garotinha que sempre vi de mão dada com o avô pelos jardins e ruelas, naqueles
pulinhos felizes que só as crianças sabem. O hotel tem várias salas e recantos
onde nos juntávamos por vezes. Falava-se baixo e pouco. Não tenho memória de apartes
intimistas, relatos de doenças ou coscuvilhice, as relações entre os hóspedes
pautavam-se pela discrição. Parecia haver um acordo tácito, estavam para
esquecer o ano de trabalho e melhorar a saúde sem aflições desnecessárias. No
ar, um meio espírito de festa que o hotel instigava a partir de novidades
elegantes, repartidas por passeios e refeições. É verdade que ninguém me
pareceu seriamente doente, mas dir-se-ia que esse era um domínio privado e que
o hotel cumpria sobretudo o papel de uma estância de férias.
E
este ano voltei. Para a mesma estância e noutro hotel. Mas não é o espaço que
me confrange. É o espírito das pessoas. Não que tenham propósitos diversos. Vêm
também para retemperar forças enquanto se tratam. E não é porque o salão é
menos acolhedor que fugimos de estar. São pessoas que tudo contam e tudo
perguntam. Que não supõem nem por um momento que são indiscretas ou
aborrecidas. Os temas de conversa são as casas e os naperons e as toalhas de
bainhas abertas que aprendem na universidade senior que parece ser a coisa
melhor do mundo. Depois, enfileiram sem aviso pela moradia ou andar que possuem
e passam tudo que lhes merece consideração a pente fino, contam o desenho da
sala, os tapetes e candeeiros e descambam para as peles e cabedais que vestem.
E tudo isto com preços, lugares, lojas e considerações infindas de amizades em
todo o lugar. Em seguida, tomam balanço e descrevem o roteiro das viagens: conhecem
Portugal de lés-a-lés e passearam mundo fora. Meus deuses! Não há um extâse, um
enlevo a prendê-las, não se lhes para o pensamento numa recordação de beleza. Correm
países no afã de marcar uma cruz, este já está; gabam restaurantes, pratos
típicos e não há uma referência a um arco, uma rua, um museu, uma paisagem, um
palácio, salvo para o mortífero, também lá estive. Lêem livros em fotocópia, que
publicitam e emprestam, sobre os benefícios do vinagre e as técnicas
brasileiras para melhorar a saúde. E massacram os interlocutores com doenças
exaustivas e tantas que nem se sabe como ainda continuam vivas. Se por educação
ainda resistimos calados, há as perguntas de filhos e marido e lugares e profissão
e tudo que lhes importa ou passa a importar no momento, não se sabe para quê.
Eis
uma doença portuguesa: provincianismo exacerbado. E, depois de tanto parafuso fora
de sítio, pergunta-se a gente se isto terá remédio.
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