Entrámos numa sala pequena. De um lado, um balcão envidraçado até ao tecto. Do outro,
sentaram-se os adultos, espaçados e um a
um. Atrás da parte de balcão que nos coube, havia um cubículo vazio com uma
porta e um banco. Ao abrir da porta, meu
pai ali.
Não nos tínhamos preparado para os factos,
vivêramos durante meses juntas e imersas no mundo do hábito, minha mãe a prover
ao sustento das duas. À nítida presença do outro lado do vidro, o braço de
minha mãe contraiu no aperto involuntário do meu corpo, um amplexo inadvertido
e singelo, juntas conseguimos. Ou um pedido de ajuda silente, não podemos
fraquejar. Senti-lhe a surpresa dolorida atravessar-me a roupa. Por minha vez,
se não fora chocar de costas contra o seu peito, teria recuado de espanto até à
parede oposta. Só nesse momento entrevi a magnitude do meu sonho
impossível. Correr para ele, beijá-lo,
dar-lhe a mão e chegá-lo a minha mãe, era devaneio feliz, modo meu de ser
criança e que a realidade contrariava.
No lugar do rapaz alto, surgiu-nos um homem macilento e magro em
demasia, a minha incredulidade pespegada no obsceno de cabelo rapado e couro
cabeludo exposto, na roupa sem graça a alargar pelo corpo. Meu pai pôs a mão no
vidro de separação e logo o calor criou uma névoa a coalhar ao rés dos dedos. E
quando minha mãe lhe apôs a sua, recuperei alento. Recordei-nos a jogar à
sardinha e fui sobrepôr a minha mão
sobre a dela. As mãos deles, palma com palma, embaciavam o vidro na frente e no
verso. E enquanto assim, os olhos de minha mãe eram fontes a saudá-lo por inteiro
em fios de água suave. Cristalizados em si, aqueles dois existiam à parte e,
banhando-se no sentimento comum, ungiam-se de força um no outro. Depois, meu
pai observou-me, cresceste, estás bonita assim,
de cabelo curto. E eu que tanto porfiara para ouvi-lo gabar-me os
caracóis, apenas consegui um sorriso amarrotado e sem gozo, de súbito
envergonhada de meus anseios e vaidades.
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