Enquanto meus pais minoravam saudade à sombra
vigilante de um guarda, tentei espreitar outros presos, saber quem se sentava
em cada cubículo. Mas fui
dissuadida pelo impaciente de serviço ao
parlatório. Sem complacência, levou-me por um braço até minha mãe, “tome conta dela ou tem a visita acabada”. Amuei
encostada às cornucópias escuras, o aviso materno, fica aqui sossegada, a
prender-me mais que amarra de navio. Do meu ponto de observação, depois de uma mulher que alargava pelo assento em grossura de tronco de árvore, lobriguei, no último banco, a senhora fina, um tudo nada chegada à frente, desalinhada do enfiamento. Permanecia de joelhos juntos, um acutângulo de pernas, pés apoiados de bico,
a agulha dos saltos no ar. À tristeza serena de meus pais, contrapunha certa urgência nervosa, perfil atirado ao vidro e que
as mãos agora sem luvas coadjuvavam em
inércia deslembrada no rebordo fino do balcão, tão esvaídas como
pássaros moribundos. Ainda eu as olhava intrigada quando soou o remate da visita relâmpago. Ao sinal do guarda, meu pai ergueu o corpo num sorriso só de boca e a mão fingiu um até mais ver desprendido. Depois, deu-nos as costas e saiu.
Ficámos frente ao lugar vazio, olhos esparvecidos na porta fechada. Parecíamos repetir o início. Mas, se antes trazíamos esperança, agora convivíamos com impotência dolorida. O corredor
siberiano esperava-nos. Deserto. Silencioso. Os passos ecoavam mais lúgubres, arrastavam-se na dor de deixar família em lugar tão funesto.
A senhora de salto agulha, antes quase despercebida, dava passinhos
desencontrados e de agudo desequilíbrio, em nada semelhantes ao
peremptório de saltos da minha professora.
Atenta, a mulher gorda deitou-lhe um braço pelos ombros e ajudou-a a
caminhar até ao magote de gente que nos aguardava. Era chegado o tempo de mais uma leva de saudade soletrar corredor fora.
Minha mãe, que antes encabeçara o cortejo,
arrastava-se em sapatos de ferro e torpeza de pernas, a mente circunvagando sabe-se lá por
onde. Contente de por uma vez a orientar, fui-a puxando em direcção ao
exterior. Buscámos os pertences que deixáramos e, depois de uma distância triplicada, passámos a porta
grande. Cá fora, a agrura de vento e os humores marinhos derramavam-se sem dó mas devolveram-nos cidadania e identidade.
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