Um
destes dias, falaram-me na Feira do Livro de Leipzig (Leipziger Buchmesse), cidade do leste alemão que organiza um
festival da literatura jovem alemã. Ali se cruzam leitores de todas as gerações
e escritores de várias nacionalidades com obra representativa das novidades
literárias dos países de origem. Entretanto, soube que o festival Leipzig lê é o maior festival de leitura
da Europa e, pelos vistos, bastante dinâmico, dado o número de eventos (ronda
os 3.400) a ocorrer nos dias e no recinto da Feira (este ano entre 23 e 26 de
Março), e disseminados pela cidade: livrarias, cafés, bibliotecas, bares,
estações de comboio, lojas de lingerie. Ideia interessante. De seguida, investiguei
quem nos representou este ano.
Estava
eu satisfazendo a curiosidade quando, de entre os oito escritores nacionais convidados,
deparei com um nome que me arrebitou a orelha: Margarida Vale de Gato. É que,
se Margarida é nome floral, bonito e comum, Vale de Gato é apelido pouco usual.
Saltei a informar-me a preceito na milagrosa net. Vi-lhe o sorriso bonito e
soube que sim, nasceu em Vendas Novas (1973) – pertence às famílias Vale de
Gato e Oliveira. De seu nome, Margarida Isabel de Oliveira Vale de Gato. Pois
esta senhora de riso aberto – nas fotos –, a avaliar pelo currículo, é mulher
de muita actividade, daquelas que arregaçam mangas e vão à luta; e gosta de
deixar obra asseada.
Margarida
gasta a vida à volta das palavras. É um amor que lhe entrou e não debota nas
soalheiras da vida. Senão, repare-se: é professora de Tradução Literária na
Faculdade de Letras de Lisboa, é poeta, contista e tradutora (traduziu, de inglês e francês para português, textos literários de diversos
autores, como Lewis Carroll, Christina Rossetti, Oscar Wilde, W. B. Yeats,
Edgar Allan Poe, Herman Melville, Henry James; e mais). E
ainda tem dois livros de poesia publicados, Mulher
ao Mar (2010) que foi reeditado com o nome Mulher ao Mar Retorna (2013); e Lançamento
(2016).
Recapitulando:
a poeta é vendasnovense por nascimento e família. Hélas, que a terra dá bons frutos e nem sempre se conhecem. Pois,
muito prazer, Margarida. Saiba que fiquei até um bocadinho orgulhosa. Uma poeta
nascida neste Alentejo de estios sufocantes
e transidas invernias, convidada
e publicitada na Feira do Livro de Leipzig. Cai bem no espírito de pertença do
alentejo profundo. Amanteiga-nos o âmago. E acredito em si para dar boa imagem dos
novos poetas portugueses. O nosso pequeno rectângulo extravasa de gente que
escreve (certo, nem todos os que escrevem são escritores), mas ser um dos oito convidados
em Leipzig, é obra. Parabéns!
Avaliar
– e também amar - o poeta é lê-lo. Relê-lo quanto se queira e precise. Em voz
alta, que a poesia é oral como afirmava Sophia.
É na modulação balanceada das palavras que a poesia cresce e se conhece.
E reconhece.
A
IMAGEM ROMÂNTICA
Há
outras coisas, Horácio
E a tua
filosofia é barata
Na
verdade não custa fixar
As
coisas ideais à distância:
Terás
vista panorâmica
Mas
sempre a visão é polémica
Gostava
que alguém me mostrasse,
mas não terei nunca garantia
de que
envelhecer faça sentido.
As
pessoas prostram-se, queremos que nos digam
porquê
não haver luz nos seus rostos. Crestam
os
cravos, antes rubros. Não há modo
de
saber se as *monarcas
têm
memórias arenosas de lagarta.
tudo
sucede dentro de estanques
casulos,
a seda é densa,
não se
faz ideia
se isto
acaba. Estrelas foscas
correm.
Pessoas morrem. A vida
é
breve. Impávido o
real se
esquiva a designar.
Comparar
é colidir: o verbo
Talvez
nos leve
a mais
nenhum sinal
*monarca
- borboleta
Mulher ao Mar (2010)
Poema bonito. E orgulho alentejano. Também eu, que não sou alentejana nem de lado nenhum, sinto orgulho. Sinto orgulho, principalmente desta minha amiga alentejana que escreve anónima neste blogue!
ResponderEliminarDiz um anónimo para o outro, isto é que vai aqui um anonimato!
ResponderEliminarÉs uma querida, és uma querida, és uma querida. Assim. Três vezes, como Pedro fez a Cristo. Só que a afirmar:)