Desorienta-nos
o sem sentido da vida. Que ela, por si mesma, garanto, não o possui. Somos nós,
seres pensantes – nem sempre bem pensantes –, quem lho outorga. Exigimo-nos
nela, é o que é. Bem sei que é lugar comum, mas tenho de sublinhar a humana
vaidade, o egocentrismo, a necessidade da muleta racional, o indicador de
caminho que subjaz a este pressuposto de sentido que requeremos e apomos a todo o
existente.
No
entanto, se escavamos no buraco a céu aberto da nossa insegurança vital, temos
de reconhecer que tal exigência de sentido nos convém. Não é apenas um capricho
de criança mimada, uma ascese religiosa e fanática - até por nem todo o sentido
encontrado ser de índole religiosa - a procurar cómodos na facilidade dos passos.
Não é apenas, mas também pode ser. Que a vida segue sem nós. Imperturbável. Mas,
facto fundamental, nós não seguimos sem ela. Se nos falta, terminamos. Por
isso, tentamos acomodá-la ao pensamento, à racionalidade que nos orienta e
provou ser, até hoje, pelo menos no campo científico, o conjunto de medidas
mais eficazes contra doenças e acasos naturais e humanos. Supostamente, a razão,
porque compreende, preserva-nos de moléstias
maiores. Agita-se contra a gama de malefícios que, de forma irracional e
incompreensível, causamos uns aos outros. Portanto, nesta linha de procura de
sentido global, a vida, nosso bem mais precioso, não se exclui.
Quando,
já tarde, me iniciaram nas linhas da filosofia, disseram-me que ela nos
interpela pessoalmente e faz colocar perguntas gerais, como: por que razão
existimos, o que cabe a cada homem fazer no mundo, o que nos espera depois do
fim (o que é contrasenso, depois do fim não devia haver nada). Mas, e apesar de
estar já na casa dos vinte, nenhuma das questões me preocupava. Devo ser uma
avoada de marca maior porque continuo a desconhecer as respostas e não me
preocupo grandemente com elas. Não as procurei. Mas agora, neste preciso momento, vou tentar.
Vejamos.
Não posso responder pela humanidade. Logo, tenho, talvez egocentricamente, de
pensar no meu caso. abordemos a primeira
questão, “por que existimos”. Cientificamente sabe-se que viemos de uma espécie
de símios que se desenvolveu até mudar de categoria e se chamar ser humano. Não se
sabe se foi dose de acaso, se tem sopro divino, mas demos no que demos. Também ainda não
descobri porque existi eu e não outra pessoa, ou porque razão, sendo eu, não
possuo outras singularidades, mas só estas; e pouco me interessa se a mistura
genética foi casual ou envolve a divindade. Interessa-me que foi. E ainda é. Ao invés, sei
que existo e que posso pensar (como Savater, subverto a evidência cartesiana),
facto que agradeço em todas as horas e minutos da vida; sendo pessoa, ser
pensante, reconheço: detestava encarnar em qualquer outro animal. Peço desculpa
a Platão, pensador que admite a escolha entre ser homem ou bicho, mas para isso
tinham vocês de ler, pelo menos, o livro décimo da República, obra que não
prejudica ninguém apesar de ser antiquíssima. Portanto, existir é a minha glória; e existir pensando,
o maior bem. Todas as causas que estejam por detrás desta evidência me
desinteressam. Sobejam. Não lhes faço caso.
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