Setembro
surge-me anualmente como um começo. Uma espécie de Ano Novo antes de tempo.
Talvez seja porque me passam à porta as crianças da escola antes dita primária.
Já não usam malas castanhas de rebordo redondo, feitas em cartão grosso, uma
pega a meio. Hoje, transportam nas costas mochilas alegres ou puxam-nas como um
carrinho de compras. Não vestem bata e poucos têm risca ao lado. Mas os
principiantes trazem nos olhos o mesmo incerto temor, um receio antigo sobre ler e escrever. E os sorrisos de
nervos disfarçam a inépcia de mãos e mente.
A escola há-de moldá-los formando e instruindo. A escola. A quem hoje
tudo se pede. Que informe e forme. Que guarde e proteja. Que substitua o que é
insubstituível: a família, primeira célula a que cada um pertence e cujos
princípios têm de ser firmes e bondosos. Porque só na família se educa com o
amor a sobrepôr ao dever, a protecção sobrevoando – e quantas vezes empatando –
os voos de autonomia.
Desde
cedo a educação dos jovens preocupou os homens. Veja-se o exemplo de Platão,
pensador que viveu três séculos antes de Cristo e se dedicou em pormenor ao
tema: que valor tem a educação na vida de um jovem, quem devia ser educado,
quais os saberes (disciplinas) com importância e quais os dispensáveis, como se
aprende e se alguma coisa pode ser ensinada. Não vale a pena falar aqui sobre
as respostas que este filósofo encontrou. Mas vale a pena pensar que, até há
poucos anos, saber alguma coisa exigia trabalho, luta pessoal contra a
preguiça, pensamento próprio a sobrepor-se ao comodismo. E que tudo isto já
Platão disse. Mas hoje, não. Hoje somos modernos e o ideal de saber é lúdico.
Ou seja, pretende-se que o aluno escolar aprenda com prazer, a manusear alguma
coisa, a descobrir concretamente. Que construa saberes individuais, jogando. E
há o recurso às novas tecnologias, o uso e abuso delas. E surgem projectos empreendedores. A escola centra-se no aluno
concreto e na sua envolvência para lhe possibilitar o crescimento. Individual.
Isso mesmo: o que importa é o indivíduo e a sua adaptação ao mundo concreto.
Portanto, saberes fora dessa esfera, são banidos. Tudo interessa para algum fim
concreto. Disciplinas sem aplicação directa a alguma coisa perdem importância e
encurtam-se as horas lectivas. Ou saem do currículo. Assim estão as línguas, a
história, a filosofia. As humanidades em geral. E aí vem mais uma reforma no
ensino (já houve muitas). Não entendo reformas educativas que não privilegiam a
cultura como saber universal, o particular entende-se melhor se integrado no
todo a que pertence. Não entendo a promoção de uma cultura de superfície,
individualista e empreendedora, assente na ideia errada de que tudo se aprende com
o mínimo esforço, como num jogo. Não entendo que por exemplo o latim não seja
ensinado nas escolas, somos uma língua latina e nada sabemos da nossa origem. Não
sou contra concretizações do saber, trabalhos de projecto, uso das novas
tecnologias. Mas sei que existem matérias fundamentais que nos estruturam a mente
e não se aprendem num mundo de facilidades.
Em
rigor, o pensamento concreto também existe noutros animais. O que sempre nos
distinguiu deles foi o uso da palavra (e logo o raciocínio e a reflexão); e a
conquente acção que, nos homens, pode ser moral. Ora, reduzirmo-nos a aprender
a utilizar e explorar o mundo que se oferece ou a criar instrumentos para facilitar o seu
uso, é redutor. E, já foi provado que os animais, desde que estejam em presença
do problema, também são criativos, encontram soluções. O que eles não sabem é
de moralidade. Mas nós, sim. Somos sujeitos morais porque sabemos o que fazemos
e se com isso causamos dano ou bem a nós e aos outros. Somos morais porque distinguimos o que é bem
do que é mal. E isto ensina-se com o exemplo. Nas escolas e em todo o lado. E com
as tais disciplinas que não têm utilidade imediata, mas são estruturantes de uma mente
que se quer humana.
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