O
mundo não anda bem, evidência que se apercebe sem arte ou complexidade. Está. O
mal do mundo implantou e vive um pouco como aqueles mamarrachos que estragam a
paisagem e só vistos de longe causam menor dano; próximos, são puro mau gosto.
Estão. Isto porque, em bom português, o que está nem sempre é. Pode ser. Ou não.
Muito embora, em alguns idiomas, o verbo ser tenha dupla face e seja também verbo
estar. Dois em um. Para nós, portugueses,
uma coisa é uma coisa e ela apenas. Ponto final.
Contudo, será possível
ser sem estar e estar sem ser?! Vamos por partes. Se eu for um sujeito dado à
experiência e ligado ao que é físico e mensurável, se chamo ser ao que posso
agarrar, puxar, empurrar de alguma sorte, direi que tudo que está, também é; e
que é impossível estar e não ser (quem uniu os dois verbos linguísticamente,
era decerto experimentalista). Mas então
para que foram os portugueses – e decerto outros povos – cindir o ser do estar.
Seremos povo muito dado à meditação e filosofice. Pois, nem por isso.
Percorra-se uma história da filosofia. Não há um único filósofo português
(cuidado para não se inferir que não reflectimos e somos uns cabeças de vento;
não é isso). É um bocadinho triste não termos um nome a soar na história do
pensamento filosófico. Mas pronto, somos pobres, temos de trabalhar, damos uma
no cravo e outra na ferradura e a reflexão é exigente e descompadece destas
misérias. Que, não esquecer, a filosofia
nasceu do ócio. É isso mesmo que estão pensando, é filha do papo para o
ar, do trabalho escravo, da subsistência assegurada. E, com o tanto que aquela
gente escreveu e pensou, e de forma elaborada se propôs a entender o mundo – difícil
e impenetrável a muita gente –, ainda por cima fazendo sentido, o que é deveras
admirável e original, pois, dizia eu, não foi decerto a aplanar tábuas de navio
ou a passar fome e a morrer embarcados a intervalos sem marcação, que
filosofaram. Meus senhores, estes portugueses não tinham tempo nem requisitos
para tal função. Se nem sabiam ler. Dir-me-ão que houve um filósofo que nada
escreveu. Ora, não escreveu, mas sabia fazê-lo; além disso, tinha um secretário
de qualidade visto que tanto sabemos do seu pensamento e da forma como
discorria e ele mesmo nem uma letra redonda deixou. Podem redarguir, ah, e os
letrados, a finura dos nossos gentis homens?! Desculpem, desculpem. Já sei,
houve um rei poeta logo na primeira dinastia. Casado com uma santa. Tenho para
mim que fez versos por isso, as santas podem ser maçadoras como esposas, uns
madrigais sempre amenizam a aura de santidade e desvinculam da catequese; além
disso, regaços de rosas, é ponto assente, avivam a poiésis.
E cantigas de amigo, e isso. Ó meus amigos (sem cantiga), a poesia não é o espírito filosófico. São distintas formas de entender o mundo. E poetas, ó
senhores, poetas nós somos quase desde o berço da nacionalidade como mostra a
história do rei lavrador cujo, decerto, nunca pegou na enxada. E só não foi
logo de berço porque não consta que D. Afonso Henriques tecesse madrigais à
moirama ou a D. Mafalda que muitos dizem ser Matilde e até prefiro; aquilo era
um mancebo que se enfurecia de tudo e nada e muito dado à matança de
castelhanos e infiéis (se lhe batesse a bolha até os fiéis marchavam). É ponto
assente, apesar dele, somos poetas sem evasiva. No mais humilde português
saltitam versos e rimas (excepto no meu pai e noutros seres masculinos e femininos que saem ao primeiro Afonso da História). E portanto. Hoje há
pretensões a filósofo de nome próprio, com carteira montada. Pois há. Mas,
desculpem, José Gil, Eduardo Lourenço, Manuel Antunes e mais uns sábios que não
recordo. Ainda não me convenceram que o século XX empurrou os portugueses para
a congeminação filosófica. São pensadores, sim. Professores e estudiosos de filosofia,
também. Filósofos, da mesma natureza dos alguns que conheço de outros tempos,
isso não são.
Pergunto-me
se terá sido por materialismo puro que distinguimos os dois verbos, ser e
estar. Ou se antes somos muito do talvez e da simultaneidade de ser e não ser. Ora,
sei lá. Eu vim aqui para falar da República e do dia 5 de Outubro tão bem
renascido que parece flor desabrochada (lá está a minha veia de poeta de meia
tigela a fazer das suas). Vinha contar que estive a observar um panfleto daquele
tempo em que a República-mulher aparece desnuda e forte, um autêntico colosso
(diria que meia masculina apesar das fêmeas evidências). Por estas razões, e por
outras que não digo, se vê que só pode ter sido um homem a conceber tal figura. Pois. Era mesmo sobre a República que vinha
postar. Mas os meus dedos alienados por gorda pausa, agora fogem às ideias, encaracolam
palavras acima e deitam o assunto às urtigas. Ébrios, é o que é. Escrevem sozinhos, pois. Pobre de mim que não sou nem parente afastada
de Lobo Antunes, aquele cuja mão escreve sozinha e de forma tão única dela, que para mim dava-lhe já a imortalidade (à mão) – consta que ele passeia
enquanto ela trabalha; na volta, ainda se torna ocioso e põe-se para aí a filosofar.
E
portanto, olha, saem-me só parvidades.
Meus
senhores, fica a imagem. Aquela. A da República sonhada: invencível e aguerrida. Por vezes, penso que se ausenta e não está. Mas sonho que é.
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