Há muito que não lia tão rapidamente um livro. Esclareço: rapidamente,
são quatro a cinco dias. Os anos retiraram-me a pressa de terminar leituras e
puseram-me no regaço pequenos prazeres que antes desconhecia. O fim de um livro,
que antes me era meta, deveio até pequeno desânimo. Hoje, curto a leitura no mesmo sentido em que a pele curtida é cheia de
sinais de tempo que a protegem de maiores danos: experimento-a em vagares de
cerimonioso silêncio.
A obra surgiu-me no horizonte através de um blogue, lugar onde os livros
surgem à velocidade da luz. E, vá-se lá saber porquê, atraiu-me. Este. Apesar
de críticas potentíssimas e assisadas a n
livros, uns de estreantes, outros de majestades sonoras, outros de gente que
escreverá muito bem e que, talvez burramente, ignoro. E tudo isto entre escrita
nacional e internacional. Comprei-o a sentir que tinha de. Uma espécie de dever
intuitivo, difícil de palavrar. Acrescente-se que não fazia qualquer ideia acerca
da autora, Cristina Drios. Sabia apenas que era o seu primeiro romance. E só
agora, já terminado, vi a foto bem humorada da contracapa.
Sei que gostei do romance por me sentir capaz de comprar outro da mesma
autora. Não parece uma primeira obra, é uma escrita rica, não linear e com
muita pulsação. Ensina-nos um pouco o ambiente dos soldados portugueses na 1ª
Guerra, a de 1914/18 em terras de França; e, nessa medida, exigiu pesquisa para
além da dose maciça de imaginação que se nos oferece aos olhos e à mente. O
livro gira em volta de algumas personagens todas muito fait divers, que se tornam importantes umas às outras com o
desenrolar do enredo. Os principais intervenientes são um avô que foi soldado e
uma neta que o não conheceu e lhe escreve a história (do avô, ou seja, o livro).
E anda a neta um pouco palermamente, a oscilar entre um marido que a não
encanta sem que entendamos porquê, mas pode ser só porque sim; e um fulano que
conhece em França durante o tempo de pesquisa e logo um élan porque um beijo de
despedida na gare. Depois, regressada a Portugal, já parece que não, sentimos
que o francês perde espessura à luz da memória. Porém, no finzinho do livro
está já com a obra acabada e seus achaques de dúvidas quanto a capas e títulos;
sozinhita e a achar muita piada. Mas, por outro lado, espera a chegada do
segundo homem que agora já lhe parece que sim. Os encontros amorosos são referência
e mantêm-se no indescrito, talvez na fuga ao cliché. Ou, propositadamente, não, não. Procuro outra coisa.
É provável que eu tenha achado o que ninguém acha. Mas é que existo também
para estes despautérios.
PS: Quando pedi
o livro na FNAC, as meninas uns olhos arregalados ao desconhecido; disse-lhes que era recém nascido. Procuraram-no. Que já tinham vendido dois não sei onde. E ficaram numa hesitação sem palavras, que traduzi por, vale a pena continuar? E eu convicta, veja se o pode encontrar. Uma delas, cheia de profissão, olhos no écran...temos vinte em qualquer lugar; tem capa branquinha. E logo a outra, corpo de ânfora grega e olhos de atenção, a deslizar por prateleiras como se em vez de pés, patins; eles contentes, escondidos sob as calças, dançamos. E, pelo
visto, venderam-me o terceiro exemplar. Senti-me a atirar uma lança para África.
Eu. Que nunca fui à guerra. E desoriento até nas prateleiras das livrarias
Um dia a Cristina ganha um
prémio Saramago ou assim e esborracha-as com o êxito.
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