Impressionam-me vidas que se resolvem num tiro ou numa corda. Vi
morrer acidentados, doentes, velhos...Estes no hospital, aqueles em casa. A
morte é solitária transferência. Mesmo que haja quem nos goste sobre
todas as miudezas que inventamos em fuga aberta ao sofrimento. Se
haja um alguém que atrase a memória e prefira sofrer-nos a passagem.
Alguém que nos dê a mão até à fronteira onde, de obrigação e necessidade,
viajamos sós.
Conheço às vezes certos sinais de morte e doença grave que vem
vindo: a palidez de sepulcro que se faz transparente nas orelhas; o olhar
que não se agarra às coisas, desinteressado de haver; o corpo a desligar
das tomadas num frio que progride. Mas o que me aflige é o drama escondido do
suicida inesperado. Que o suicida nada tem de inesperado, só a notícia dele cai
como um raio a a roubar-nos o chão.
Vivem os últimos dias a planear o fim e a
aplanar o futuro de quem fica, a fingir a alegria ausente, no quotidiano, um
tudo igual insuspeito. Mas tudo neles é esforço. Que agonia nocturna os consome
a contar horas digitais. Qual seja o seu Monte das Oliveiras, suam sangue nessa
entrega. Sobem o gólgota que se impuseram, arrebatados por tormenta ilegível.
E nenhum padre lhes acompanha o corpo. Porque mataram.
Mas não o necessitam, senhor cura. Que um corpo morto não
tem necessidades nem solicita.
E fica em mim uma ternura por essa paixão incógnita. Que ninguém
reparou. Mas existiu.
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