Há uma série de filmes que abordam o
mundo da escrita. Neles, fantasia-se demais acerca do que acontece com os
escritores. Convenço-me que a imaginação trabalha sobre alguma coisa da
realidade que marcou quem escreve. Sem dúvida. Lembro-me de Gabriel Garcia
Marquez a referir numa entrevista que, durante anos, a memória vincou em si a imagem de uma mulher vestida de negro com
um garoto pela mão, que tinha visto numa tarde abrasadora e deserta a descer do
autocarro em qualquer cidade ou vila que não recordo (ele recordava-se). Disse
então o autor que sabia que iriam entrar num romance. E entraram. Tal qual a
memória lhos preservou. Li esse romance quando desconhecia estes factos – a impressão dos dois é apenas
um pormenor alheio à trama -, e também em mim ficou gravada essa
imagem inicial que se me presentificou ao ler a entrevista. Suponho que a
criação exista sem a fluorescência que se lhe empresta, de noites e dias que
não são porque as golfadas criativas impedem o escritor de lhes saber a
sequência. A crer nas fitas, se lhes perguntamos na fúria da escrita, é dia ou noite? Não ouvem; se insistimos,
são capazes de nos arremessar um chorrilho asneirento que nos magoa a audição,
nos atinge o âmago e só não nos mata por um triz. É melhor não experimentar, que
descem bastante na nossa consideração. Escusadamente. Mas o certo, certo, é que
desconhecem às quantas andam. A criatividade é um demónio que age em completa
posse. Não concordo nem discordo. Mas lembro Fernando Namora, sentado à sua
secretária, num escritório que se via ser de trabalho, a afirmar que trabalhava
com horário, que por vezes se obrigava a escrever, que a escrita por lampejos e
inspiração não faz um livro. Acredito. Tanta folha de inspiração jactante matava uma pessoa. E os escritores só podem morrer velhinhos. Que nos fazem
muita falta.
Words é um filme de 2012 que conta e
conta e conta sobre escrever. E as histórias – três - surgem umas dentro das outras. O filme inicia
com um escritor a fazer o que em Portugal não é hábito: a ler capítulos do seu
novo livro para uma plateia selecta, atenta. E o que conta vai sendo visto pelo
espectador (nós). Basicamente, o próprio livro tem por tema a vida de um escritor
jovem e mais ou menos falhado enquanto escritor que enquanto ser humano, bem ao
jeito americano, é lindo, saudável, tem uma mulher espectacular e a vida do
casal é, como diz o povo, um céu aberto.
O cerne parece ser que enquanto escreve o seu livro que ninguém quer depois editar,
descobre numa pasta de antiquário francês, que a mulher lhe oferecera aquando
da lua de mel em Paris, um romance que é o protótipo do que ele mesmo gostaria
de ter escrito. Mas, sabe-o bem, não tem talento. E copia-o. E compram-lho. Editam
e é um rotundo êxito. Só que o verdadeiro escrevente, então já muito velho,
reconhece-se nele (é autobiográfico), investiga e encontra “por acaso” o plagiador. Jeremy Irons é fascinante no papel de velho que já não espera nada. E
conta também ele a sua história, ou seja, a história do romance-êxito publicado.
E tudo nele é o inverso do rapaz. Nada lhe deu certo. Mas, talvez porque o
tempo nos modifica, talvez porque não exista com quem compartilhar, não deseja
dinheiro, fama ou outros bens. Não quer nada, não pretende alterações. Diz para
que o outro saiba, para que compreenda que veio a público a sua vida. Porque, garante, deu mais importância às palavras que ao amor (quem queira, terá de verificar se é verdadeiro e ver o filme:). Os juízos morais deixo também para quem leia/veja).
E a fita termina com a réplica do
primeiro escritor à audiência para que leiam o resto do livro, se querem saber mais. E com um tête-a-tête entre ele e uma garota insinuante que desde
o início parece fascinada e o convenceu a levá-la ao lugar onde escreve – que é
todo minimalista. Quer ela que ele lhe desvende o final. O que ele faz. Depois,
garante-lhe que a realidade difere grandemente da ficção, cujo mundo ela tem de
abandonar - aviso dele. Beijam-se. E depois nada. Rejeita-a. Pede-lhe que vá embora. Fim.
Gostei mais das duas histórias de dentro que são uma.
Pareceram-me mais consistentes. Ou será que lhes achei consistência por gostar
mais? Qualquer coisa.
PS: Há quem goste de saber pontuações. No IMDB tem 6.9
Sem comentários:
Enviar um comentário