Hesitei em escrever este
post. Porque vou contar factos que não me pertencem apenas. Mas os imperativos
são ordens que se erguem sozinhas, vozes imperiais a que não ouso desobedecer.
Eis a minha desculpa para nunca me esquecer de rir de mim: ser imperativo. Cada
um desculpa-se como pode. Mas não minto: tenho mesmo imperativos de escrita.
Deve ser doença.
Por fatalidade, destino,
acaso ou o que lhe queiram chamar, a viagem à Bélgica fugiu ao previsto ainda
antes de eu entrar – eu mesma, seguindo o meu estigma de nascimento, fui, nela, imprevista. Tínhamos alugado um
carro e combinado quem o guiava. Não eu. Despistada e desconhecendo pontos de
embraiagem (o problema não é auditivo), excluo-me sempre da condução, facto que
muito beneficia os meus acompanhantes e a mim própria. Mas este ano dei por mim
sentada ao volante de um automóvel desconhecido. Novinho e cheio daqueles
cheiros enjoativos de carro pouco usado. O primeiro que usei sem chave. Na
posse do cartão, entrei nele na meia ilusão de quarto de hotel. Liguei-o, experimentei
mudanças e pareceu-me óptimo. Mas o mistério aconteceu – acontecem-me muitas coisas
misteriosas - ao querer sair com ele. Não encontrei a marcha atrás. Meti as
mudanças como indicado e era sempre a primeira que entrava. Vi todo o painel de
botões. Revi. Re-revi. Nenhum era o que eu pretendia. Raciocinei, um carro tão jeitoso sem marcha atrás? Mesmo
que ele não tivesse jeito nenhum, era impossível (raciocínio assaz destro).
Mas, por mais que procurasse, nem sinais. Ou seja, o carro só andava mesmo era
para a frente. E, se não fora alguém a meu lado ter-se lembrado, parece que ontem ouvi falar numa patilha,
eu teria descido até à estrada a pedir ao primeiro automobilista que me
ensinasse onde era a mudança. Não foi preciso.
Aguardava-me a aventura
do GPS. Que exige perícia. No GPS. Tudo me eram caixas dentro de caixas, dentro
de caixas. Porém, desconhecia a Bélgica. Portanto, levei pendura à conta do
GPS. Cujo tinha uma senhora muito expedita a orientar-me, mas que por vezes era
acometida de mudez súbita que me fazia dar voltas sem fim às rotundas. Por
exemplo. Imagino que enquanto eu andava no carrocel a senhora fosse beber um
copo de água ou assim. E não. Não estejam já a pensar que recalculava o itinerário.
Nunca tal aconteceu. Mas que, por vezes, eu esperava por ela…é verdade. E a
memória que tinha? Dava-lhe o ponto de chegada e ela não mais o perdia de vista.
Claro que não podia estacionar em frente dos locais onde me dirigia; se fosse
em Portugal gastava mais gasóleo à procura do parque que na viagem, mas ali era
fácil. Porém, a minha orientadora não esquecia o objectivo. Mesmo depois,
quando eu reentrava e a instruía com outra direcção, a lady fazia questão de,
primeiro, terminar o percurso anterior. Uma jóia, aquela senhora. Só não me
ajudou nas duas vezes em que deixei o carro ir abaixo.
Da primeira,
atrapalhei-me um bocadinho apesar de ter visto que, para o bem comum, estava
sozinha na estrada. É claro que levei logo a mão à chave que não havia, fiquei
meia parva a olhar o retrovisor ainda sem automóveis, até que me lembrei do
botão. Mas afinal o que tinha de fazer era só meter a primeira (estes carros
modernos são muito melhores). Levei um bocadinho de nada a descobrir isto tudo,
o que afligiu sobremaneira a minha pendura que andava a passar uns tempos
aflitos de si mesmos. E vai ela, na sua candura de boia salvadora, enquanto eu
procurava a chave que não havia, liga-me os quatro piscas. Nessa altura do
campeonato, era a primeira viagem, ainda não tínhamos descoberto onde se ligava
o ar condicionado, ou seja, eu desconfiava que um carro tão novo, mesmo na
Bélgica incógnita, não podia ter o ar condicionado assim quente e dizia
convicta enquanto mantinha a velocidade extrema de 40 km hora, isto é a ventoinha de certeza, o ar
condicionado tem um botão qualquer específico. Mas, para quem estava já
atrasado por ter perdido tempo à procura de uma reles marcha atrás, arranquei
com a ventoinha no máximo – ainda hoje não entendo porquê, mas deve ter sido automático
mesmo – o que me impedia de ouvir o que fosse e me fazia quase gritar para ser
ouvida na lateral. E o inverso. Portanto, não só não vi os quatro piscas ligados, como não ouvi o tic-tac que faziam. O barulho da ventoinha ensudecia-nos.
Continuámos viagem e estava eu muito serena num semáforo, quando a doce
pendura, a senhora daquela carrinha está
a dizer-te qualquer coisa. E eu incrédula, a mim???! Tens a certeza? Em vez de olhar. Mas, depois de confirmar
que estava dentro dos riscos da estrada e isso, arrisquei. A senhora estava a
sorrir-me e fez-me um sinal com os dedos das duas mãos a abrir e a fechar. Sou mesmo um
bocadinho tapada e gritei para o lado, ela
está a brincar ou é a sério? Não sei o que é aquele sinal. E a minha doce
pendura em alarme, ai, ela está a dizer que temos
as luzes acesas. E eu convicta, não pode ser.
Não temos nada; eu ainda nem aprendi a ligá-las. Virei-me de novo para a
senhora e embrulhado em linguagem gestual atirei como se ela pudesse ouvir-me e, mais que isso, entender-me, não sei o que é isso das luzes, não percebo
nada deste carro. Devem ter sido elucidados gestos porque arrancou num riso
aberto que só visto. Outro mistério. Para evitar estragos, arranquei também, com a
promessa para a direita, ali à frente há
uma faixa onde param os camiões, vamos parar e descobrir se isso das luzes é
verdade.
Quando parámos, verifiquei
no tablier que as luzes estavam mesmo acesas. E na procura de botões, de
repente, saído do nada, zombeteiro e mesmo à frente dos olhos, aparece o do ar
condicionado. Hélas! Ligámos e de imediato se fez silêncio. Silêncio, é como
quem diz, ficaram os piscas tic-tac, tic-tac. E o repentino da pendura, ai, eu tinha-te ligado os quatro piscas
quando deixaste o carro ir abaixo e esqueci-me de os desligar. Ai como eu tenho
a cabeça, olha bem a minha cabeça, não desliguei os piscas. E eu de olhos
arremelgados à novidade, numa admiração de deuses a descer à terra, Tinhas????!!! Não dei por nada. – e
caindo em mim e no ridículo dos semáforos,
É pá, a mulher deve-se ter farto de rir com a gente. Então fizemos a viagem até
aqui com os piscas ligados…deixa, pronto. Agora já vamos bem. Só já falta saber
o que é este sinal verde que nos aparece.
E lá seguimos para casa.
Chegadas, fomos ler o manual de instruções. As duas. Ali. A confirmar botões e
assim. Para nossa infelicidade, o que queríamos saber estava na penúltima
página. Ficámos bem uma meia hora dentro do carro a estudar. Mas aprendemos.
E. Porém. No dia
seguinte, queríamos contar uma à outra o que tínhamos aprendido acerca daquele
sinal. Mas nenhuma sabia.
Estranho…