As
minhas fantasias são quereres simples. Ir a lugares com amigos, por exemplo.
Viajar com eles. Corrijo, é mais com elas. E a quem retorquir, ah, mas isso não
é uma fantasia, é um facto normalíssimo. Pois aí é que está, digo eu, não é. É
um desejo que tem a aura da inconcretude, o que lhe outorga e mantém o fantástico. De pleno
direito.
Existe
uma série na TV que desgosto mas invejo. Abalizo-me a tais conclusões porque já
vi uns dois ou três episódios e um filme sobre. E aquelas meninas-bem, armadas ao
pingarelho e a fingir que são pessoas normais e medianas, sempre me bolem com
seus probleminhas inóquos e mirabolantes preocupações de sexo que compartilham
na boa. “O Sexo e a cidade” é uma série americana que se vê bem se estamos
cheios de dor de cabeça, aborrecidos da vida e não nos apetece pensar. Olhamos
e, a um clique, dos antípodas do nosso quotidiano, surgem as quatro vamps, qual
delas a melhor, e mais a sua vida de caca; e é engraçado, chegamos a sorrir.
Foi assim que passei os dois ou três episódios. E mesmo o filme. Contudo, as
quatro eméritas têm uma coisa que invejo: saem juntas, almoçam, fazem compras,
têm dias santos na semana, para reunir. Isto, digamos, alimenta-me a fantasia.
Não
desisto de fantasiar. Todos os anos faço umas propostas de férias ou dias a passar
em qualquer lado à amiga que me parece mais livre e próxima dos meus anseios. Puro engano! Até hoje,
consegui que nos encontrássemos – na vida - umas cinco vezes fora de portas. O
que, face ao tudo em família das outras, é uma enormidade de tempo. Nunca tínhamos
ido ao cinema. Pensei no “12 anos escravo”. Marcámos hora, conferi tudo e lá
fomos as duas depois de almoço para um Centro Comercial muito a armar, cheio de
marcas, cheiros e pessoas que, por auto comparação, semelham marcianos.
Chegámos
cedo e, depois do bilhete, sobreveio-nos a canseira da carestia nos saldos; a
sensação de ser inútil o tempo que ali gastávamos, a nossa bolsa um gemido, não
alcanço nem que me estique toda. Das minhas entranhas subia uma zanga
surda-muda e acho que pus olhado a dois ou três casacos, fuzilei umas quantas
blusas e derreti uma lingerie estapafúrdia que nem percebi para que serve (a
bem dizer só a considero na sua utilidade mais evidente, que a qual a tal peça
não devia ter, ou eu tapadinha de todo).
Antes
que houvesse uma explosão, saímos e enfiámos noutra loja - em saldo, pois. Ia-me dando uma coisinha
má. Piorei. Mas a ritmo diverso. Saímos da classe média alta para um mergulho
na média baixa. E logo eu, em vez de roupa, começo a ver dedinhos de criança a
coser bolas de futebol, cortar peças, tricotar casacos e blusas a desoras, pregar
fechos em calças – das coisas mais execráveis que existem na costura - dias sem
noite, famílias inteiras à costura, a cumprir prazos por pagamentos de miséria.
Que não é ordenado aquela exploração. Havia peças por todo o lado, entre 5 e 20
euros; caídas pelo chão, a escalavrar sobre cabides, atravessadas na rima de
casacos, num aperto a amontoar em crescendo, em posições de dar dó, que se via
mesmo que estavam perdidas da família. Quase me deitei a arrumar – ainda ajeitei
algumas – enquanto supunha as coisas lindas submersas, a adivinhar-lhes a
transpiração abafada.
Havia
mulheres em todo o lugar, agarradas a peças ou a desprezar umas e agarrar
outras sem quê, para se enfiarem no vestiário, saírem e recomeçar tudo de novo.
Decidi-me pela companhia aos vestidos de alças que, fora da orgia consumista,
dormitavam nos cabides. E fiquei ali a festejar-lhes rendas e leveza,
descorajosa de os retirar da cama, quem sabe não me desciam, se agarravam aterrados
ao meu pescoço, onde é que eu estou. Sem lhes precipitar o sono, saímos devagar
e fomos – pensávamos nós - descansar o espírito para o cinema.
É doentio assistir a isto. De saldos.
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