A World Press Photo regressou com as primeiras flores dos jacarandás,
quando uma ténue neblina arroxeada romantiza os dias claros da cidade. Assim os
vi eu de um autocarro apinhado, nuvens violeta a pairar sobre os troncos
negros, requebrados e elegantes braços de árvore. Comovente, a
sinuosa implantação dos troncos a abraçar o espaço. Os jacarandás são
superlativo absoluto simples da beleza e não há árvore que mais converse desde
a raiz.
E os turistas assarapantados de calor, a desdenhar de ares
condicionados que não condicionam (Talvez sejam autocarros comprados em segunda
mão à Alemanha que pouco precisa refrescar-se),
palavrões entredentes e os lábios apertados em trejeito de nojo do
povo suado e soturno que atravanca os veículos públicos e lhes sofre a modorra;
e eles em observação do borbulhar untuoso que depois escorre em bagas morenas.
Passeantes ricos(?) em território pobre. Vão vagar por Belém num calor
inusitado que os desapodera de roupas, tinge de patusco tom rosa e os leva a
tirar óculos escuros e limpar a cara suada, na surpresa limpa da pele
branca a desfazer em líquidas excrescências. Vêm em bando ou a pares e
são altos e comedidos no linguajar, excepção feita à tagarelice dos espanhóis.
Se vou ao estrangeiro e me perco ou preciso informação, pergunto a alguém. Mas
eles não. Eles estudam os mapas, lêem tudo que há para ler nas paragens e
viram-nos as costas. Ainda não decidi a origem desta discrepância – decidir é o
termo, porque o que alguém decide não tem que ser verdadeiro, é só uma maneira
de finalizar um assunto. Parece que os portugueses – ou só eu - acreditam mais
na oralidade, preferem confiar nos autóctones. Os estrangeiros não. São
autossuficientes, desenvencilham-se sozinhos.
Os espanhóis chegam a Belém e enfileiram buliçosos nos pastéis, a aconselhar-se
uns aos outros sobre a conveniência de estar sentado a uma mesa e poder ir ao
WC. Quando se decidem pela mesa, a fila, expurgada de salero, perde vigor,
emagrece, entristonha. Do outro lado da estrada, o rio esverdeia em jogos de
espelho. Ali caminham rosados estrangeiros, botas ao pescoço ligadas por
atacadores, longas pernas de cal a esticar na soalheira, passos de molaflex
chinelado. Há garotas de calções, deitadas a todo o comprimento dos bancos de
jardim à beira rio, tíbias e perónios pendurados na lateral, a ruborizar. Têm
olhos fechados e um vinco a avermelhar na linha do decote. São lindas e jovens,
em algum lugar têm pai, mãe, família; mas estão ali, sozinhas, a deglutir a
beatitude enganadora do sol. Passo por elas num misto de inveja, chega-te para
lá, deixa-me deitar aqui só um bocadinho; e de cuidado com as traições solares,
olha que logo o escaldão não te deixa dormir. Gozam o dia sem incomodar. Se não
fora ocuparem espaço, dir-se-ia que não estavam ali. Sigo para o Museu da
Electricidade, edifício que impera sobre o rio. Como é que uma central de
produção eléctrica a partir do carvão pode ter aparência tão airosa?! Mas tem.
Alguém a pensou também esteticamente, facto bem invulgar em Portugal. A falta
de cultura dá nisto: compreensão parcelar do que somos. Parvoíce de julgar que
a estética é para quem pode. Que aos pobres só interessa o pão para a boca e um
tecto onde dormir. Pretensão de criar estreitezas onde a beleza não caiba.
Estupidez de pensar elites a partir do que é de todos e a todos é devido.
(continua)
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