Entro na exposição da World Press Photo e os rostos dos fotojornalistas sorriem quotidianos,
contentes da frescura que transpira. Aproveito que não podem retorquir e inquiro-os, olho no olho. Sorrisos e expressões tão normais que ouso a loucura de haver
fotos que apeteçam, os olhos cativos e mendicantes, só mais um bocadinho. Mas não é
isso o fotojornalismo.
Fotografias
distribuídas por várias categorias que relatam acontecimentos marcantes de
2013: doenças que segregam – fotos de crianças albinas, deficientes mentais e dos maus
tratos a que são sujeitos; mortos de guerra – montes de cadáveres alinhados e
prontos ao empurrão para a vala comum; as vinganças e sua injustiça cósmica –
cadáveres balançando no tecto de um possível armazém, formas de retaliação e
aviso dos cartéis da droga; qualquer
desastre nas Filipinas - as pessoas em fuga espavorida, o rosto a contrastar com a placidez rosada e bem nutrida dos santos
que carregam e tentam pôr a salvo; devastações e catástrofes naturais em grande
escala; problemas que se perpetuam - a violência sobre as mulheres e o
horror das crianças que assistem, ou a condenação à pena de morte. Nas fotos de
atletismo move-nos a história documentada de Nadja Casadei, atleta com cancro
que não desistiu das provas e foi fotografada a competir e na quimioterapia. E
tantos outros temas.
De entre as fotos, três permaneceram-me. A primeira foi tirada durante as
cerimónias fúnebres de Nelson Mandela e intitula-se, Farewell Mandela. É um
retrato de grandes dimensões e mostra uma rapariga negra, muito bonita, após lhe ter sido negada a entrada na sala em que se encontrava o corpo de Mandela; esse
era o terceiro e último dia para o povo prestar homenagem ao líder. A tristeza feita
cansaço desanimado ressalta sobre o terço branco que traz ao pescoço e cuja
cruz leva aos lábios; apetece passar-lhe a mão sobre o cabelo e dizer uma
banalidade como, deixa lá, o que conta é a intenção. A segunda foto intitula-se
Ich bin Waldviertel e mostra a vida de duas irmãs (7 e 9 anos) numa aldeia
isolada da Austria, Waldviertel, com 170 habitantes. Na verdade há uma série de fotos das
manas e a mais velha parece, em algumas, a versão infantil da Lolita do filme. Do corpo seminu não se desprende
apenas infância, há uma coquetterie meia pose provocatória, na forma como se
deixa fotografar. Ou eu a vi assim. A terceira foto surgiu-me no conjunto das
que mostram como vive quem se afasta da sociedade. Reparei numa casa a ocupar
uma gruta na rocha. Primário. Mas somos animais muito domésticos, a gruta tem
uma janela com cortinas. Onde quer que estejamos queremos fazer nosso o espaço.
E o que sabemos de fazer nossas as pedras é talvez dar-lhes uma janela e cortinado. Quem sabe, há uma mulher por detrás e aquela seja a sua casa. Devaneio,
a série de fotos cinge-se a elementos masculinos e fala sobre eremitas. Homens. Ainda assim, uma janela com
cortinas. Virada à rocha. Para ver nada. “Home”.
Era
já a tardinha quando saí. Os turistas calados, aos magotes nas paragens a
sobressair entre crianças de mochila às costas que relatavam o dia ao cansaço
das mães. E, no suor de sol em monte, só eles sorriam entre si,
religados em ternura viva.
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