Tenho,
como toda a gente, algumas amigas. Umas são companheiras de juventude; outra,
de adultícia. Não me fecho a novas amizades, mas já pouco me interessam
companhias esporádicas (nunca me interessaram). Não estou para isso. No entanto, só com uma
discuto pormenores quotidianos. Também falamos da profissão mesmo se,
sérias como num juramento, prometemos
antes não o fazer. Conto-lhe filmes e livros, desgraças com graça que sempre me
acontecem e a fazem rir. Ela discorre sobre as questões da existência que na
sua boca devêm assunto fácil e interessante. Não sei que possa ensinar-lhe, mas sei o que,
naturalmente, me ensina. É uma opinativa muito razoável, aquela menina.
São
poucas, as minhas amigas. Deixam vazios nos dedos de uma mão. Contudo, depois
de cerca de 25 anos perdida noutro planeta, achei uma. Melhor, re-encontrei-a. Assim.
Do pé para a mão. Se a amizade é séria, a gente retoma como se fora ontem. Ou
na semana passada. Quanta água passou sobre nós! Boa. E má. Rotineira,
chuvinha de molha tolos. E diabruras climáticas de todo o feitio. Cada uma
conheceu um mundo de gente outra, subiu na profissão, casou, teve filhos,
arranjou e arranjaram-lhe alegrias e dissabores que desconhecia, sofreu desgostos dos grandes,
daqueles que mudam corpo e alma e no impacto nos atarantam de tanto nos
exigirem quem não somos. E nós a adaptarmo-nos como podemos, sou capaz, sou capaz,
consigo, já consegui de outras vezes. Mas, depois disto tudo que não contámos
uma à outra porque o tempo de estarmos juntas é pouco mas é hoje e o passado
vem quando calhar se calhar, é um prazer tão grande rirmos juntas! Tal qual
como dantes. Não que sejamos felizes,
mas rir a par sempre nos foi hábito e terapia, desoprime, torna-nos mais
compatíveis com a estranheza de viver. Que nos exaure. A vida consegue ser
mais caprichosa e birrenta que eu em criança.
Tenho
apenas um remorso muito ligeiro acerca dela: era amiga da minha irmã e tornou-se
minha amiga. Não houve troca, foi mais uma extensão. E até me parece que sintonizamos
melhor passados 25 anos.
Foi nesta sintonia que ligou uma noite já pelo escuro, vamos amanhã à praia? E
é claro que sendo eu a que fui, sem mais pensar, sim. E ela que saía cedo (a
nossa praia é longe de mim e mais longe dela), e eu que a ia esperar porque
desconhece onde páro e 25 anos depois a praia e os lugares, como dizia o
filósofo, são outros sendo os mesmos. E claro que convidei a mana, havia um
reencontro por fazer. Acordei com os galos. Ou antes. E deitei-me à roupa.
Tudo preparado. Liguei e ela há dez minutos na paragem do autocarro, ainda tão
longe. Comecei a ficar contente. Cada uma de seu lado, pusemo-nos a caminho.
A minha amiga é sempre ela, a mesma. Gosta de
andar, de ver, de explorar. Chegou antes. E não parou quieta. Como é parecida
comigo em muita coisa e também nesta, nas encruzilhadas virou sempre para o
lado errado. E vivam os telemóveis que nós chegadas e nada dela nem daquela
menina adorável, com certo porte de deusa, que lhe chama ternamente mammy. Quando
enfim descodificámos por onde andava, fui rolando devagar, olhos de raio x. E vi-as assim, cheias de sol,
marchando na ciclovia, do lado oposto. Apitei. Acenei. O traço contínuo a impedir outras proximidades. E as palermas, vai ali alguém a apitar, deve ser um homem;
uma olha e, é um homem (não lhe perdoo, eu sei que estou a perder a feminilidade,
mas escusavam o exagêro). De modos que, quando voltei atrás tinham sumido de
novo. Parei numa aberta do stand de vendas e toda a gente que saía ou entrava do
resort olhava para nós com a certeza de não podermos comprar uma garagem sequer. E nós
olhávamos para eles na admiração de ver como é a gente que pode comprar tudo ou
quase. E delas, nada (ó raio de
garotas). A mana, enganaste-te, não eram elas. Ligámos. Já estavam de novo a
afastar-se, não nos tinham visto. E a mãe, que é tão como eu, qual é a marca do
teu carro? Eu esquecida que o carro é velho mas não chega - ainda - aos 25 anos, tu sabes a marca, tenho o mesmo
carro. Dei referências do irrefutável lugar e embrulhei a
promessa, não saímos daqui. Pespegámo-nos as duas a mirar os magnatas que passavam
em brutos carros, e, em boa verdade, me pareceram olhar de alto e com óculos de
marca (sim, sim, mesmo por detrás dos óculos deles e meus, vi muito bem que era
olhar de alto). À parte isso, a estirpe não difere assim tanto do vulgo. E diz a
mana meio ansiosa, vou esperá-las. Fico a aguardar (até por estar mal
estacionada) e vejo-as de longe. Desviam-se brevemente da mana, depois param e há aquele abraço de tanto ano. E beijos. E tal. A minha amiga não reconheceu
a mana e desviou-se dizendo para o lado, esta gente está toda a passear logo de
manhã, deixa passar esta senhora tão fina. De modo que chegaram as três numa
galhofa. E lá seguimos para a nossa praia. Cantando e rindo. O resto conto
amanhã. Logo. Ou. Há que encompridar os curtos
bons momentos.
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