A
minha praia tem um recorte de serra a namorá-la. Sei-a plantada por detrás da neblina quando
há, a revelar-se num conta-gotas de horas, afogueada de sol, em redondos de ombros
e calcanhares. Ao longe, emerge um reclinado e lânguido corpo de rocha, uma curva de anca vagarosa que a mão desenha e
logo descai à cintura em debrum de sépia contra o azul. Nos pés, dança-nos um
areal de finas partículas, causa de cócegas e afundamento, colchão de maciez
natural que, por tonteria, não agradecemos. E há dunas breves, arremedos de
colinas, leveza de paisagem a arredondar. Ali medram flores de sal e maresia,
plantas de chão móvel e secura que se seguram e crescem milagrosas em rocha
dispersa: cardos verde-violeta na sua beleza rasa e picotada a requebrar;
pequenos tufos de flores roxas, azuis, amarelas, rosa, brancas; a leveza de vestes
das flores brancas que noivam como açucenas e nos surpreendem a florescer de planta sem arte ao rés da areia.
E elas um véu a esvoaçar, tão lindas. E, lá na frente, a majestade serena da
água. O mar feito mansidão e ondas batidas em castelo suave. A água viva e
fresca onde renasço. Que tudo gosto nela e é em mim sem defeito. A minha praia
é o mais perfeito refrigério, a mais suave massagem, o alisamento mais cabal da
minha alma enrugada. E eu que sei do sol e da areia, das dunas e dos nudistas
lá à frente de mama ao léu e pendurezas a céu aberto, que sei de conchas e
búzios, tesouros vindos do deus dará e largados na areia depois das marés vivas,
sei também que só a sua água me devolve. Alijo mágoas e desalentos e sou eu de
novo. E é como se os banhos de mar me dispam de toda a opressão e haja de novo
em mim a pessoa que sempre fui e tanto enroupo, disfarço, maltrato.
Bendita
seja a minha praia. Para sempre, bendita seja.
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