Optámos
por domar com alguma inteligência a anomalia crepuscular. Comprámos repelente
e, conhecedores do horário dos insectos – tinham hora de jantar, eram
disciplinados - , ou nos fechávamos nas tendas ou, preferencialmente,
procurávamos andar por outros lados como seja, tomar banho num jacto que corria
para o exterior, em cascata, proveniente de um depósito
enorme, talvez pertença do parque de campismo. A falta que nos fazia
na quinta aquela água desperdiçada. E como ficaria bem a preencher o fundo
minguado do nosso poço. O olhar fatalista do meu pai nas laranjeiras que
desmaiavam pelas folhas, caldeira empoeirada de secura, as árvores estão a
precisar de outra rega, mas ainda não há água no poço. E ali, jorrava horas a
fio para coisa nenhuma. Pronto, nós tomávamos banho de cascata o que, na
verdade, pelo menos a mim, não voltou a acontecer. Sempre que na TV surgem as
cachoeiras do Brasil, verdejantes e de água azul, planta-se-me o cinza daquele
paredão de blocos de cimento, e o jorro encorpado da água que se escapava lá de
cima e tão bem nos sabia, sem necessidade de fechar ou abrir torneira. Eram uns
banhos de frio revigorante e saíamos desencardidos e frescos.
E
assim nos corriam os dias. Numa das noites em que estávamos todos circundando a
nossa lareira ao ar livre, como de hábito em barulho de risos e conversas,
soou-me uma cautela de passos. Em seguida, soou parecido a mais gente.
Calámo-nos em escuta. Nesse momento pensei que o nosso amigo nos fazia falta,
muita falta. Estávamos num pinhal, algo distantes de outros campistas
(queríamos o nosso espaço), sem qualquer defesa (nem corta unhas tínhamos). Mas
tudo que ouvimos foi crepitação da lenha e concluímos o que desejávamos, era
apenas rebate de temor e má audição. Por isso, volvemos ao estado de riso e
conversa, com meio ouvido alerta. De súbito, mais nítido, o restolhar da caruma
a partir. Eu a pensar alto, anda aí alguém. E o conjunto em silêncio
expectante - o alguém também expectante, não se ouvia um som -, todos receosos
de investigar atrás da tenda, onde parecia morar o cerne da desconfiança, o meu
irmão a chegar-se a mim. Repentinamente, a minha irmã, à época uma medrosa
maior, disse fixando a escuridão, está ali uma cara maluca, em seguida levantou-se do meu lado e caminhou decidida e sem solicitar ajuda, para
a traseira da tenda. Eu, transida da sua audácia absolutamente inesperada. Se
por um lado desconhecia o que ela ia encontrar, por outro, estava segura de
haver ali algo móvel. Mas, sobretudo, perguntava-me como é que alguém tão
medroso ia assim afoitar-se no escuro, exactamente o seu maior temor.
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