Há
demasiadas coisas neste mundo que não entendo. É certo que a maior parte se
deve a ignorância, mas há outras que me perplexam, não sei como as deixam
acontecer. Em rigor, não são coisas que
aconteçam. O que acontece atinge-nos sem apelo, não está nas nossas mãos
evitá-lo. Ora, o facto repetido com que me venho deparando é evitável.
O ponto
é que reparo cada dia mais que, colóquios, conferências, congressos, não têm
público. Os congressistas e oradores são público uns dos outros. À vez, são
oradores, público e perguntadores de serviço. Parece-me um trabalho viciado. A
maioria lê a sua comunicação sem levantar os olhos do papel. Meus deuses, se um
professor normal desse aulas assim, os alunos fugiam-lhe da sala. Será por isso
que não têm público senão eles mesmos?! Já estive mais reticente quanto a esta
hipótese.
Bom.
O acaso fez-me assistir a um congresso todo entretecido de gente estrangeira.
Pois meus amigos, vieram aquelas alminhas de tão longe, um discurso preparadíssimo.
Para quase ninguém senão eles. E segundo ouvi enaltecer pela mesa, vai constar
em acta (as actas devem ter passado a dar estatuto e por certo propiciam subidas
de grau). Mas o que querem, sou antiga, acho triste tanta cadeira vazia,
parece-me um desalento falar apenas para os pares. Lembra-me um certo cão que
tive que mordia o rabo e gania para que eu o fosse salvar. Ao cão eu libertava
da autotortura, a esta gente, confesso, não tenho maneira. Mas é verdade que
eles não se queixam.
E
no entanto continuo a julgar puro desperdício que muita gente não aproveite aqueles
sábios ali tão à mão e o benefício de óptima logística (estive malzinha mas isento
a cadeira). E tudo grátis. Até os lanches com bolinhos e café mais sumo e chá, (logo
agora que não me apetece nem o cheiro de comida). Pergunto, o que é feito dos
reformados santo Deus. Não foi há muito que estive num auditório cheio deles e
todos muito interessados. Ali mesmo, na Gulbenkian. Mudaram-se para os
concertos de música clássica, está visto.
Portanto,
concluo que ter público é, hoje, supérfluo. Que vida estiolada têm os sábios. E
no entanto, alguns são, em demasia, iguais à outra gente. Senão, reparem nesta
flor. Um dos temas abordados foi a biblioteca de Pessoa. Influência de
leituras, se sublinhava, anotava, onde, em que obras, o quê. Constatação de um
personagem que na altura fazia de público, reparou que ele tinha o Kamasutra...
- e em ar suspeitoso e meio malandro para a jovem oradora - ou não viu?! Perante o assentimento, viu
o sublinhado, aquele sublinhado era diferente, muito mais suave... E tal e tal.
E a oradora que nem tinha feito referência ao livro, pois, mas não tinha
anotações, era um sublinhado curto num livro inteiro... E ele jubiloso, triunfante
mesmo, pois eu dei três voltas ao livro a ver se descobria uma nota ou mais
alguma coisa – e num aparte -. Que nem era um Kamasutra de jeito.
Meus
senhores, eis um artista português.
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