Olívia
Pensei
que este ano ia ver-te e correr aquela estrada de planície sem fim. A esmo,
desde a berma, flores e pastos arrepiando um bom dia na deslocação do ar, montados
do sem fim a arregalar para o carro, aqui e ali, uma vara de focinho no chão a
catar bolota. De outras vezes, bovinos pachorrentos, sem pressa de nenhum lugar,
alguns apenas um vulto semi deitado, que nem se sabe de que descansa gado tão
pouco dado a pressas. E a terra plana, a desenrolar em cada linha de horizonte,
vizinha de céu tão baixo. Lá ao fundo, sem
escadote, azinheiras tocam o azul ao alcance da mão. Depois, sempre a fazer-me
próxima de ti, contornar a igreja de barras certas que guarda a largura de
árvores em quadrado seguro e chão escaldado a soalheiras. Ali, pesa a
desocupação dos homens, olhos piscos em fresta, a seguir o movimento à revessa de bonés e
chapéus. E seguir em frente, em frente. Passar o sítio onde os namoros se
deslocam e atiram pedras a adivinhar longevidades. Como se uma pedrinha no cimo de
um esfíngico pedregulho faça diferença ao sentimento. Mas o chão solado. Serão
bastantes, os amores passageiros. Ou o par segue consolado da sua perenidade
e logo o vento atira um punhado de pedrisco ao chão. E fica a gente sem saber onde a razão, se no vento
que as tomba, se na pontaria que as equilibra. Que, na vida, como em tudo, a
pontaria faz muita falta. Pergunto-me se algum dia, tu. Se uma hora, tu. Se o teu
coração ansiou ou quis experimentar. Mas falta-me coragem para te desvendar os
votos lançados acima daquela enormidade de rocha que guarda a suposta
eternidade amorosa. Ou talvez seja apenas bom senso, o teu
passado vem ter comigo. Ou não. Para nós
duas, é de pouco interesse.
No
ano transacto, decidira, finalmente, que não me valias o caminho. Por qualquer ninharia
me preterias; o peso que tínhamos uma na outra não se equivalia, éramos(somos)
dois pratos desiguais na mesma balança. Um desgosto, Olívia. Coisa de memória a
repensar.
Porém,
inesperada, voltaste por teu pé, isenta das minhas aguilhoadas. E fiquei tão
contente como o pai do filho pródigo. Festejei. De imediato, pensei na visita
deste ano. Que parece não acontecer. Porque te repetes. Ligo-te e impedes-me a visita porque obras, pinturas, catequeses em términus de festa, ninharias palermas a que o meu
coração não dá bola. Foi nefasto, acredita. Afinal, continuamos dois pratos em
demasia desigual. Ficaste de ligar. Depois. Quando. E nem sei se. Neste repensar do que somos e que a ti não
incomoda, talvez eu tenha de alinhar contigo, alijar peso, tornar-me leveza de
superfície. Viver uma amizade de raiz à flor da terra, se é que tal coisa exista
e eu a consiga. Digerir, definitivamente, o facto de não seres quem te pensei.
Um
dia hás-de ligar-me. Ou não. E fica a memória de Évora, as ruas de pedras a
subir e a descer, os arcos da Praça do Giraldo, O café Arcada onde só estivemos
uma vez submersas na vozearia de gente em rigor de capotes e chapéus
alentejanos, a rua do Convento Novo agora fechado, a Porta na muralha de que já
nem lembro o nome, os moinhos de S. Bento onde nunca fomos. Então, havia os testes, as notas, o estágio que
tanto nos preocupava. É lá que estamos e somos incólumes.
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