Em sentido
literal, o que é palpos de
aranha? Talvez a forma como as aranhas tateiam o desconhecido, a agarrá-lo
a suas patas peludas e colantes que o deixam assarapantado e fora de sítio.
Assim nós por vezes, a vida a colar fora da ordem e nós, deslarga-me, e ela a colar acasos sem mais, a estética amarrotada, e é impossível encolher os ombros
e deitar fora como fazemos à película aderente, corto outra e pronto. Porque temos de continuar e nem sabemos como,
mas parar não se pode.
E, contudo,
devia ter desconfiado quando cheguei ao restaurante e ele fechado, vá-se lá
saber porquê. Podia que um Carnaval no Rio ou assim. Levei na boa. E tudo
bem. Mas a vida a colar. Ou eu. Que, no metro – quero dizer na mente - troquei Santa Apolónia por Cais do Sodré e
querendo a segunda estação fui em direcção à primeira. Não sei porquê, mas sim.
E se haja um Deus benévolo, era ele a dizer, estás enganada, por outras palavras,
que quando dei por mim estava a ir para um corredor, Amadora Este. E para mim a Amadora é no estrangeiro, seja qual seja
o ponto cardeal que indique e não sei aquela língua, é melhor não arriscar.
Além do mais, tinha outro destino. Voltei atrás. E, perseverante no erro,
encaminhei-me para Santa Apolónia. Mas como queria o Cais do Sodré, saí depois
da Baixa Chiado. E não o reconheci. Nada dizia com nada do Cais Sodré. Para mim
tudo é possível, portanto, imaginei logo que tinham arrasado todo o Cais Sodré
(Santa Apolónia) e feito um novo na minha ausência. Natural, pensei eu sem
saber onde me dirigir e a achar as obras um bocadito rápidas. Eis senão quando
li numa placa, Praça do Comércio e uma setinha a direccionar-nos. Olhei e ela
ali estava, mais ou menos igual à da memória. O tal deus benévolo acenava, mas
vemos muito o que queremos. Pensei, bom,
afinal há uma paragem na Praça do Comércio e não me lembrava. E entrei de
novo. Mas quando saí em Santa Apolónia não reconheci nada outra vez. Mau! Já
era azar. Olhei melhor a estação: não tinha ideia de que fosse pintada de azul,
mas também é verdade que a realidade do mundo me escapa e já nem tento
captá-la; acho que não nos gostamos, passa-me. Rememorei, de que cor é a estação? E não sabia. Logo, podia ser azul. Resolvi
ir a uma paragem de autocarro perguntar como chegar ao meu destino. E um senhor
com ar entendido – só pergunto coisas a pessoas que têm esse ar – disse-me que
para ir onde queria precisava dois autocarros porque inda tinha de passar à Praça do Comércio. Fiquei zonza (pensava estar no Cais do Sodré, claro) e
perguntei se precisava andar para trás. E ele que não, que era sempre em
frente. E eu mentalmente, mau, mau, há
aqui qualquer coisa que não joga. Entretanto, o relógio, sobranceiro aos meus enredos, marcava a hora da consulta.
Resolvi contrariar os meus propósitos e apanhar um táxi que me levasse ao
destino a ver se clareava as ideias. É que a viagem, qual trovoada súbita num
mundo de papel, me estava estragando os esquemas mentais. E só no táxi entendi
todos os meus enganos. Hélas! Gostei de
passar no novo Cais das Colunas, a refazer a memória; agora lhe apus a poesia
que não tinha, o olhar perdido dos namorado frontais, a centelha dos sonhadores, a vaga de nostalgia que nos
percorre a todos à vista do rio, no leve de ser dia e haver sol.
Mal cheguei,
na recepção, desiludiram-me. Que não era ali. E lá me indicaram onde. Levei com
bastas horas de corredor e um esquecimento que tive de fazer notar e logo
muitas desculpas. Entretanto, anoitecera. No final, e para fechar a estadia,
fui ao bar e entornei tudo o que tinha no tabuleiro. Não sei como consegui em
tão curto tempo tal bodega, foi mesmo só pegar-lhe. Valeu-me um empregado
simpático que me repôs o stok e limpou a metade do bar que sujei. Eu tentei
limpar o casaco e a saia enquanto os outros dois empregados só murmúrios
supostos pouco abonatórios. Saí convencida que estava na hora de correr o pano.
Mas não sabia sequer onde me encontrava. Desci a rua pensando que subi-la seria mais
difícil e por isso, não (os meus motivos são quase sempre deste teor). E fui
andando a pensar se ao fundo seguiria para a esquerda ou a direita, com uma
ideia vaga de esquerda e a certeza de precisar perguntar. Firmemente resolvida
a não ir de táxi. E fiquei ali um bocadinho à espera que passasse alguém com
cara de saber por onde anda. Perguntei a um rapaz de boné, decerto
parte de uma farda. Deu-me a única indicação do dia que consegui seguir e
entender, depois de lhe dizer que sou míope, só tinha comigo os óculos de sol e
não via nada do que me apontava lá ao longe. Entrei num autocarro que passava
ao Rato que, como todos os lugares, nada me dizia. Mas tinha de descer ali.
Fazia-se tarde para outros enganos – isto de nos enganarmos também tem hora – portanto,
resolvi ficar chateando o condutor, que também era um belo de um rapaz e se
prestou a deixar-me e deixou mesmo, no Rato. Bem haja. Perguntei pelo Metro e
logo um senhor me indicou a direcção. Andei meia dúzia de palmos e não vi nada, voltei
ligeiramente atrás para perguntar a uns namorados e já eles tinham pendurado o
letreiro não incomodar. Então, passou
um rapaz e levou-me até à boca do metro. Afundei-me nela e lá consegui chegar
ao destino.
Não me parece que isto se resolva
com GPS. E nada escreveria se o tivera.
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