quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Lisboa de Perdição


Em sentido literal, o que é palpos de aranha? Talvez a forma como as aranhas tateiam o desconhecido, a agarrá-lo a suas patas peludas e colantes que o deixam assarapantado e fora de sítio. Assim nós por vezes, a vida a colar fora da ordem e nós, deslarga-me, e ela a colar acasos sem mais, a estética  amarrotada, e é impossível encolher os ombros e deitar fora como fazemos à película aderente, corto outra e pronto. Porque temos de continuar e nem sabemos como, mas parar não se pode.
E, contudo, devia ter desconfiado quando cheguei ao restaurante e ele fechado, vá-se lá saber porquê. Podia que um Carnaval no Rio ou assim. Levei na boa. E tudo bem. Mas a vida a colar. Ou eu. Que, no metro – quero dizer na mente -   troquei Santa Apolónia por Cais do Sodré e querendo a segunda estação fui em direcção à primeira. Não sei porquê, mas sim. E se haja um Deus benévolo, era ele a dizer, estás enganada, por outras palavras, que quando dei por mim estava a ir para um corredor, Amadora Este. E para mim a Amadora é no estrangeiro, seja qual seja o ponto cardeal que indique e não sei aquela língua, é melhor não arriscar. Além do mais, tinha outro destino. Voltei atrás. E, perseverante no erro, encaminhei-me para Santa Apolónia. Mas como queria o Cais do Sodré, saí depois da Baixa Chiado. E não o reconheci. Nada dizia com nada do Cais Sodré. Para mim tudo é possível, portanto, imaginei logo que tinham arrasado todo o Cais Sodré (Santa Apolónia) e feito um novo na minha ausência. Natural, pensei eu sem saber onde me dirigir e a achar as obras um bocadito rápidas. Eis senão quando li numa placa, Praça do Comércio e uma setinha a direccionar-nos. Olhei e ela ali estava, mais ou menos igual à da memória. O tal deus benévolo acenava, mas vemos muito o que queremos. Pensei, bom, afinal há uma paragem na Praça do Comércio e não me lembrava. E entrei de novo. Mas quando saí em Santa Apolónia não reconheci nada outra vez. Mau! Já era azar. Olhei melhor a estação: não tinha ideia de que fosse pintada de azul, mas também é verdade que a realidade do mundo me escapa e já nem tento captá-la; acho que não nos gostamos, passa-me. Rememorei, de que cor é a estação? E não sabia. Logo, podia ser azul. Resolvi ir a uma paragem de autocarro perguntar como chegar ao meu destino. E um senhor com ar entendido – só pergunto coisas a pessoas que têm esse ar – disse-me que para ir onde queria precisava dois autocarros porque inda tinha de passar à Praça do Comércio. Fiquei zonza (pensava estar no Cais do Sodré, claro) e perguntei se precisava andar para trás. E ele que não, que era sempre em frente. E eu mentalmente, mau, mau, há aqui qualquer coisa que não joga. Entretanto, o relógio, sobranceiro aos meus enredos, marcava a hora da consulta. Resolvi contrariar os meus propósitos e apanhar um táxi que me levasse ao destino a ver se clareava as ideias. É que a viagem, qual trovoada súbita num mundo de papel, me estava estragando os esquemas mentais. E só no táxi entendi todos os meus enganos. Hélas!  Gostei de passar no novo Cais das Colunas, a refazer a memória; agora lhe apus a poesia que não tinha, o olhar perdido dos namorado frontais, a centelha  dos sonhadores, a vaga de nostalgia que nos percorre a todos à vista do rio, no leve de ser dia e haver sol.
Mal cheguei, na recepção, desiludiram-me. Que não era ali. E lá me indicaram onde. Levei com bastas horas de corredor e um esquecimento que tive de fazer notar e logo muitas desculpas. Entretanto, anoitecera. No final, e para fechar a estadia, fui ao bar e entornei tudo o que tinha no tabuleiro. Não sei como consegui em tão curto tempo tal bodega, foi mesmo só pegar-lhe. Valeu-me um empregado simpático que me repôs o stok e limpou a metade do bar que sujei. Eu tentei limpar o casaco e a saia enquanto os outros dois empregados só murmúrios supostos pouco abonatórios. Saí convencida que estava na hora de correr o pano. Mas não sabia sequer onde me encontrava.  Desci a rua pensando que subi-la seria mais difícil e por isso, não (os meus motivos são quase sempre deste teor). E fui andando a pensar se ao fundo seguiria para a esquerda ou a direita, com uma ideia vaga de esquerda e a certeza de precisar perguntar. Firmemente resolvida a não ir de táxi. E fiquei ali um bocadinho à espera que passasse alguém com cara de saber por onde anda. Perguntei a um rapaz de boné, decerto parte de uma farda. Deu-me a única indicação do dia que consegui seguir e entender, depois de lhe dizer que sou míope, só tinha comigo os óculos de sol e não via nada do que me apontava lá ao longe. Entrei num autocarro que passava ao Rato que, como todos os lugares, nada me dizia. Mas tinha de descer ali. Fazia-se tarde para outros enganos – isto de nos enganarmos também tem hora – portanto, resolvi ficar chateando o condutor, que também era um belo de um rapaz e se prestou a deixar-me e deixou mesmo, no Rato. Bem haja. Perguntei pelo Metro e logo um senhor me indicou a direcção. Andei meia dúzia de palmos e não vi nada, voltei ligeiramente atrás para perguntar a uns namorados e já eles tinham pendurado o letreiro não incomodar. Então, passou um rapaz e levou-me até à boca do metro. Afundei-me nela e lá consegui chegar ao destino.
Não me parece que isto se resolva com GPS. E nada escreveria se o tivera.

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