No
verão, as cidades tufam suas praças como roda de saia. Umas exibem-nas em
plissado cetinoso, outras franzem singelas, e as mais estendem-se em metros e
metros de esplendor, projecto de alta
arquitectura. As praças das cidades falam por elas. E são um Terreiro do Paço
pequeno e airoso, com Tejo ao fundo; um franzido agradável que cai bem e tem
história, a gente a imaginar a defenestração de um Miguel de mau presságio que
se estatela no chão.
Na
Polónia, como em países que lhe são próximos, edifícios e praças são outros,
mais coloridos e demorados no pormenor. Semeados de flores que amiudam aqui e
ali em ninhada de arco íris. Prendemo-nos ao triângulo das frontarias, à cor
conjugada das paredes, à beleza inclinada e pródiga dos telhados. E a mente voa
até às mãos de labor. As mãos que criaram a efeméride que perdura exposta aos
elementos, aqui uma estátua, ali uma janela, além uma sugestão de onda. Nestes
edifícios, os telhados excedem-se, não são apenas a tampa da casa. Existem por
si e não se restringem à função de fechamento e parte da casa que recebe o que
as nuvens deixam cair. Por cá, há quem meça o valor de uma casa pelo número de
divisões; mas talvez nesta parte da Europa ele dependa da ornamentação e
riqueza dos telhados. É ver o cuidado que põem nos frisos e ornamentos, ele são
esculturas, janelas, torres e zimbórios, boleados em degrau. É como se as casas
enlouqueçam pelo telhado. Erguem-se austeras e regulares, mas, chegadas lá
acima, todas se envaidecem, perdem siso e contenção. Espanejam de lantejoulas,
armam-se de importância e olham de alto (altura não lhes falta).
E
há as praças vivíssimas, a regurgitar de gente: em fila, o negócio de carruagens
e cobiçadas condutoras de rédea na mão e traje rigoroso, a sua delicadeza
luzindo na elegância dos cavalos; os fazedores de bolas de sabão que manejam o
arco e atraem a alegria de crianças saltadoras; os talentos de esquina que
tentam a sorte, boné estendido; os vendedores de quiosque e suas matreirices de
cordel; a estudante que, na sombra norte da praça, toca violino de olhos
fechados, rabo de cavalo a acompanhar-lhe a paixão, o cetim do estojo clamando
do solo, reparem-na, é uma artista. E ela empolgada e fora de órbita. Linda por
todo o lado.
E
à sombra das catedrais, no empedrado das ruas, nos caminhos dos parques, os
turistas são mole em movimento, nariz no ar. Velhos e novos; herdeiros e
deserdados; conhecedores ou simples curiosos. Enquanto isso, a finesse resguarda-se, abriga-se do sol e
observa o espectáculo de outra esfera. Tem pose, sabe estar. Não sua em bica e
despreza calores que enrubescem. Bebe sumos, talvez; refresca-se. Ou será um
vodka gelado. A firmeza dos empregados desvia turistas de pé descalço e
distraídos que assomem a recuar por uma foto. Não. Ali é chão sagrado. Tão
perto da praça e da catedral. Tão junto ao Deus que amou todos por igual. E tão
longe dos homens comuns e sua febre de vida. Passo e a atenção dos funcionários
mede-me a pegada. Dali, miro a praça e apenas sinto o seu tumulto sonoro. Talvez,
pela noitinha, haja uma orquestra vestida a preceito, afinada, famosa. Mas
perderam para sempre aquele momento de magia poética, a vibração que
serpenteava, desde os pés, pelo corpo jovem da violinista e se ouvia em repentes ternos e maviosos. Irreais.
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