quarta-feira, 25 de abril de 2018

25 de Abril


Quando o 25 de Abril de 1974 aconteceu – dia de memorável  acontecer – tinha dezanove anos de ignorância garantida.  De política pouco sabia, não ia além do temor à polícia política, que podia morar em qualquer um, e do cuidado em não falar mal de Salazar, coisa que nem eu calculava por que haveria de fazer. Era o nosso Presidente do Conselho e, logo, boníssima pessoa. Foi assim que cresci, imersa num mundo que não existia e onde as pessoas honravam os cargos com a sua excelência pessoal ungida de santidade. De outro modo, não seriam escolhidas. Falar ou pensar mal de Salazar jamais me ocorreria e conjecturava com os meus botões que só o mau feitio de meu pai era capaz do estado odiento que lhe sobrevinha a desoras na amargura dos dias, “pendurado de cabeça para baixo e o cabelo corto à pedrada, ainda era pouco”. E outras afirmações do género que minha mãe tentava abafar,  olhos arregalados numa inquietação desconhecida, “homem fala mais baixo, não digas heresias, olha que alguém te ouve; lembra-te dos filhos”. E meu pai sem lhe fazer caso, a  altear a revolta e disparando perdigotos, “havia de o deixar lá a morrer à míngua, o sangue a pingar gota a gota; ele e mais a corja toda, o Tomás e os outros”; e abarcava com um gesto largo da mão todo um mundo de malfeitores. E eu que não podia calá-lo sem levar um sopapo que me deitasse por terra, julgava-o um ser sem coração e tinha até vergonha de tamanha crueldade dirigida a gente tão imaculada e que, com denodo imparável,  lutava pelo nosso bem estar.
E em Abril de setenta e quatro fez-se luz na minha alma de trevas. País velho e com alma juvenil, crepitante. Ou terei sido eu mesma que nasci para a compreensão extensa da liberdade do povo. Finalmente, entendi meu pai.
Sem a saber ou sequer lhe conhecer a obra, era com Sophia que estava (as almas são deste quilate, ficam gémeas sem pedir licença).  E é ainda na permanência dos seus versos de cabeça erguida que se sustém o Abril do povo português. O, “ Abril, Sempre!”

“Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitámos a substância do tempo”.

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