Quando
o 25 de Abril de 1974 aconteceu – dia de memorável acontecer – tinha dezanove anos de ignorância
garantida. De política pouco sabia, não
ia além do temor à polícia política, que podia morar em qualquer um, e do
cuidado em não falar mal de Salazar, coisa que nem eu calculava por que haveria
de fazer. Era o nosso Presidente do Conselho e, logo, boníssima pessoa. Foi
assim que cresci, imersa num mundo que não existia e onde as pessoas honravam
os cargos com a sua excelência pessoal ungida de santidade. De outro modo, não seriam
escolhidas. Falar ou pensar mal de Salazar jamais me ocorreria e conjecturava
com os meus botões que só o mau feitio de meu pai era capaz do estado odiento
que lhe sobrevinha a desoras na amargura dos dias, “pendurado de cabeça para
baixo e o cabelo corto à pedrada, ainda era pouco”. E outras afirmações do
género que minha mãe tentava abafar, olhos
arregalados numa inquietação desconhecida, “homem fala mais baixo, não digas
heresias, olha que alguém te ouve; lembra-te dos filhos”. E meu pai sem lhe
fazer caso, a altear a revolta e
disparando perdigotos, “havia de o deixar lá a morrer à míngua, o sangue a
pingar gota a gota; ele e mais a corja toda, o Tomás e os outros”; e abarcava
com um gesto largo da mão todo um mundo de malfeitores. E eu que não podia
calá-lo sem levar um sopapo que me deitasse por terra, julgava-o um ser sem coração
e tinha até vergonha de tamanha crueldade dirigida a gente tão imaculada e que, com
denodo imparável, lutava pelo nosso bem
estar.
E
em Abril de setenta e quatro fez-se luz na minha alma de trevas. País velho e com alma juvenil, crepitante. Ou terei sido eu mesma que nasci para a
compreensão extensa da liberdade do povo. Finalmente, entendi meu pai.
Sem
a saber ou sequer lhe conhecer a obra, era com Sophia que estava (as almas são deste quilate, ficam gémeas sem pedir licença).
E é ainda na permanência dos seus versos de cabeça erguida que se sustém
o Abril do povo português. O, “ Abril, Sempre!”
“Esta
é a madrugada que eu esperava
O
dia inicial inteiro e limpo
Onde
emergimos da noite e do silêncio
E
livres habitámos a substância do tempo”.
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