domingo, 15 de abril de 2018

Museu Thyssen


No Paseo de Prado, ou em proximidade quase contígua, encontram-se os museus mais importantes de Madrid, Prado, Reina Sofia, Thyssen.  A disposição  lembra a berlinense Ilha dos Museus, o turista entra num e logo fica de olho no seguinte. Será esse o propósito de os terem assim,  quase de mãos dadas.
            Logo na  entrada, o Thyssen surpreeende.  O colorido laranja forte, escolhido pela garrida alma espanhola de “Tita”, a baronesa von Thyssen, é efusivo “bien venidos”. No primeiro átrio, duas pinturas colossais de suas majestades os reis de Espanha, Sofia e Juan Carlos. Lado a lado. Não recordo se pintados pela mesma mão. Estão o que são ou foram: reis. Em cores escuras e sóbrias, o rei que todas as espanholas gabavam, “o nosso rei é uma estampa, a largura de ombros, o aprumo, a altura...e a voz, e a ponderação, um rei mui guapo, sem igual”. Após anos e as tropelias que se sabem (outras haverá que não se conhecem), tornou-se quem lá está, um rei para actos oficiais e olhar meio desiludido de si,  sério e de um cinzentismo que impressiona, ainda que pintado em matizes de azul. Ela, não. Favorece-a a simpatia espanhola. Em Sofia, pintada em tons pastel, fundo claro e traje de gala ainda de maior claridade, brilha a bondade que não sei se tem, um certo jeito etéreo que sempre lhe pertenceu por ser loira, miúda, magra e sorridente, gracilmente  sublinhado pelo uso de brocados e finas rendas. É como se quem a pintou tenha querido dar à figura elegante o brilho da bondade graciosa, e assim tenha criado a imagem de beleza terna e incorruptível que não se imagina que seja grega, mas é. Olhando os dois, não podemos deixar de sorrir. Na vida como na parede, puseram-nos lado a lado. Tão diferentes. Um, demasiado humano; outro, uma divindade frágil. Ou flor impenetrável.
Mais à frente, os dois Barões  von Thyssen. Ela, esguia, jovem e comum, o semblante extrovertido e sorridente da Espanha salerosa. O sorriso parece convidar à alegria luxuriante que não quadra em baronesas anteriores, mas decerto agradou ao mecenas-barão. Ele, mais velho e pausado, mas com presença. Diria que  mui guapo quando jovem. De certeza muito rico. Possuir a maior colecção privada do mundo – fora a da rainha no UK  - não denota apenas gosto pela arte. O barão afirmava coleccionar quadros, vinhos e mulheres. Tudo em bom. Parece que os quadros lhe davam menos trabalho; ou seriam amor mais fiável, porque comprou muitos. Dos vinhos, acredito que não bebesse qualquer zurrapa. E mulheres teve cinco (fora as inconfidências que o google não revela e nem sabe).  Mas os quadros, sobretudo dele e do pai, mas até do avô,  são, no seu conjunto, aquisições sem valor concreto. Números acima da centena de milhar desmedem, não são humanamente imagináveis em quantidades redondas.
Pondo de parte a actual guerrilha da baronesa com o Estado espanhol, temos de reconhecer que houve ali dedo de fino gosto na compra das obras. Sobretudo nas aquisições do Barão que refez a colecção paterna – a herança obrigara-o a repartir obras com os irmãos e a colecção perdeu mais de quatrocentos quadros. E, como o gosto artístico do progenitor contemplava a pintura até ao século XVIII, dedicou-se a colmatar o hiato e adquiriu as que considerou representativas entre esse período e a actualidade.
Desinteressa-me de onde veio tanto poder de compra ao colecionador. Nem quero investigar se do tráfico de armas, se do fabrico, se. E a Carmen Cervera, a “Tita” do senhor barão e demais gente, não lhe sei o carácter. Mas agradeço aos dois e ao que os uniu. Porque depois da Holanda negar ao barão o edifício para albergar as obras - já não cabiam no seu museu privado em Lugano - só o casamento de ambos propiciou que viessem parar a Espanha. Portanto, nada de pensamentos malévolos. Ainda bem que casaram. Tal efeméride tornou possível  - a muita e vária gente - o desafogo da vista e da alma.  E pior estará quem não lhe sente a falta.
(cont)

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