No
Paseo de Prado, ou em proximidade quase contígua, encontram-se os museus mais
importantes de Madrid, Prado, Reina Sofia, Thyssen. A disposição
lembra a berlinense Ilha dos Museus, o turista entra num e logo fica de
olho no seguinte. Será esse o propósito de os terem assim, quase de mãos dadas.
Logo
na entrada, o Thyssen surpreeende. O colorido laranja forte, escolhido pela
garrida alma espanhola de “Tita”, a baronesa von Thyssen, é efusivo “bien
venidos”. No primeiro átrio, duas pinturas colossais de suas majestades os reis
de Espanha, Sofia e Juan Carlos. Lado a lado. Não recordo se pintados pela
mesma mão. Estão o que são ou foram: reis. Em cores escuras e sóbrias, o rei
que todas as espanholas gabavam, “o nosso rei é uma estampa, a largura de
ombros, o aprumo, a altura...e a voz, e a ponderação, um rei mui guapo, sem igual”.
Após anos e as tropelias que se sabem (outras haverá que não se conhecem), tornou-se
quem lá está, um rei para actos oficiais e olhar meio desiludido de si, sério e de um cinzentismo que impressiona, ainda
que pintado em matizes de azul. Ela, não. Favorece-a a simpatia espanhola. Em
Sofia, pintada em tons pastel, fundo claro e traje de gala ainda de maior
claridade, brilha a bondade que não sei se tem, um certo jeito etéreo que
sempre lhe pertenceu por ser loira, miúda, magra e sorridente, gracilmente sublinhado pelo uso de brocados e finas rendas.
É como se quem a pintou tenha querido dar à figura elegante o brilho da bondade
graciosa, e assim tenha criado a imagem de beleza terna e incorruptível que não
se imagina que seja grega, mas é. Olhando os dois, não podemos deixar de sorrir.
Na vida como na parede, puseram-nos lado a lado. Tão diferentes. Um, demasiado
humano; outro, uma divindade frágil. Ou flor impenetrável.
Mais
à frente, os dois Barões von Thyssen.
Ela, esguia, jovem e comum, o semblante extrovertido e sorridente da Espanha
salerosa. O sorriso parece convidar à alegria luxuriante que não quadra em
baronesas anteriores, mas decerto agradou ao mecenas-barão. Ele, mais velho e
pausado, mas com presença. Diria que mui
guapo quando jovem. De certeza muito rico. Possuir a maior colecção privada do
mundo – fora a da rainha no UK - não
denota apenas gosto pela arte. O barão afirmava coleccionar quadros, vinhos e
mulheres. Tudo em bom. Parece que os quadros lhe davam menos trabalho; ou
seriam amor mais fiável, porque comprou muitos. Dos vinhos, acredito que não
bebesse qualquer zurrapa. E mulheres teve cinco (fora as inconfidências que o
google não revela e nem sabe). Mas os
quadros, sobretudo dele e do pai, mas até do avô, são, no seu conjunto, aquisições sem valor
concreto. Números acima da centena de milhar desmedem, não são humanamente imagináveis
em quantidades redondas.
Pondo
de parte a actual guerrilha da baronesa com o Estado espanhol, temos de
reconhecer que houve ali dedo de fino gosto na compra das obras. Sobretudo nas
aquisições do Barão que refez a colecção paterna – a herança obrigara-o a
repartir obras com os irmãos e a colecção perdeu mais de quatrocentos quadros. E, como o gosto
artístico do progenitor contemplava a pintura até ao século XVIII, dedicou-se a
colmatar o hiato e adquiriu as que considerou representativas entre esse
período e a actualidade.
Desinteressa-me
de onde veio tanto poder de compra ao colecionador. Nem quero investigar se do
tráfico de armas, se do fabrico, se. E a Carmen Cervera, a “Tita” do senhor
barão e demais gente, não lhe sei o carácter. Mas agradeço aos dois e ao que os
uniu. Porque depois da Holanda negar ao barão o edifício para albergar as obras
- já não cabiam no seu museu privado em Lugano - só o casamento de ambos
propiciou que viessem parar a Espanha. Portanto, nada de pensamentos malévolos.
Ainda bem que casaram. Tal efeméride tornou possível - a muita e vária gente - o desafogo da vista
e da alma. E pior estará quem não lhe
sente a falta.
(cont)
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