Quanto
gostamos de pertencer a um lugar! Não
sabemos imaginar-nos apátridas. Haver terra de pertença é a certeza de um chão
sob os pés, faz-nos. No estrangeiro, qualquer linguajar português nos transporta empaticamente
para a fonte, ainda que se nos apresente
um troglodita disfarçado. É português e basta. Mas assistir ao nome de Fernando
Pessoa a encimar a exposição do museu Reina Sofia, é garantia de orgulho. No
meu caso, orgulho à chuva. Que é orgulho perene ser irmã de língua de tal
poeta, viver debaixo do mesmo tecto de estrelas, respirar a sua cidade. E, de
apetite, reler e tresler versos e prosa.
A mostra portuguesa tinha por título uma frase de Pessoa, “Toda a Arte é uma
forma de literatura”, e lá estão alguns - poucos – dos seus versos; e a pintura
- mostra também curta – de Almada com aquela assinatura de um d cuja haste se
prolonga indefinida, e nós benévolos e a sorrir de cabeça que a um artista tudo
se desculpa, esqueceu-se, foi por ali fora com o pincel e pronto. E o genial Amadeo
Sousa Cardoso. E o casal Delauney mais Eduardo Viana. E há, é claro, o retrato
de Pessoa pintado por Almada. Aquele grande retrato onde qualquer português de
boa cepa se sente içado ao cume, ensimesmando em contemplação de conjunto e não
apenas no poeta. Está ali o que temos de melhor relativo à época. Contudo,
pareceu-me pobre, tive alguma vergonha de o nosso “tudo” ser tão pouco
prolífico. Por mim, estaria Amadeo inteiro, Almada quase todo, Eduardo Viana
muito mais. E ainda não tinha visto o resto. Porque, no labirinto que é o museu
que foi hospital, há muito a ver, de boa e diversa arte.
Talvez por influência do dia, ficou-me
um museu escuro e de percurso meio estranho, supondo eu que o facto de haver um
claustro interior com um bonito jardim dificulta e até impossibilita o caminho
linear. E as históricas arcadas, agora transformadas em janelas de volta
perfeita, que coam a luz exterior e o
tornam fresco, emprestam ao ambiente certo tom melancólico que me pareceu mais
conventual que dado à exposição de pintura. E no entanto o valor pictórico que
encerra não é definível. Ali estão os quadros de Picasso e o grito pardo e animal
de Guernica, que não há escuridão mais sanguinolenta na história da pintura;
está Miró e o seu mundo; Braque que tanto me suspende; Dali e a sua
irreverência que avança pelo inconsciente. E quantos outros.
Reina
Sofia visto de uma só vez desalinha os sentidos, boicota o entendimento. O acto
contemplativo requer tempo. E tudo que existe anseia que lhe demos o que a roda
dos dias mais nos vai tirando.
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