sábado, 14 de abril de 2018

Um Museu com Nome de Rainha


       Quanto gostamos de pertencer a um lugar!  Não sabemos imaginar-nos apátridas. Haver terra de pertença é a certeza de um chão sob os pés, faz-nos. No estrangeiro, qualquer linguajar português nos transporta empaticamente para a fonte,  ainda que se nos apresente um troglodita disfarçado. É português e basta. Mas assistir ao nome de Fernando Pessoa a encimar a exposição do museu Reina Sofia, é garantia de orgulho. No meu caso, orgulho à chuva. Que é orgulho perene ser irmã de língua de tal poeta, viver debaixo do mesmo tecto de estrelas, respirar a sua cidade. E, de apetite, reler e tresler  versos e prosa. A mostra portuguesa tinha por título uma frase de Pessoa, “Toda a Arte é uma forma de literatura”, e lá estão alguns - poucos – dos seus versos; e a pintura - mostra também curta – de Almada com aquela assinatura de um d cuja haste se prolonga indefinida, e nós benévolos e a sorrir de cabeça que a um artista tudo se desculpa, esqueceu-se, foi por ali fora com o pincel e pronto. E o genial Amadeo Sousa Cardoso. E o casal Delauney mais Eduardo Viana. E há, é claro, o retrato de Pessoa pintado por Almada. Aquele grande retrato onde qualquer português de boa cepa se sente içado ao cume, ensimesmando em contemplação de conjunto e não apenas no poeta. Está ali o que temos de melhor relativo à época. Contudo, pareceu-me pobre, tive alguma vergonha de o nosso “tudo” ser tão pouco prolífico. Por mim, estaria Amadeo inteiro, Almada quase todo, Eduardo Viana muito mais. E ainda não tinha visto o resto. Porque, no labirinto que é o museu que foi hospital, há muito a ver, de boa e diversa arte.
            Talvez por influência do dia, ficou-me um museu escuro e de percurso meio estranho, supondo eu que o facto de haver um claustro interior com um bonito jardim dificulta e até impossibilita o caminho linear. E as históricas arcadas, agora transformadas em janelas de volta perfeita, que  coam a luz exterior e o tornam fresco, emprestam ao ambiente certo tom melancólico que me pareceu mais conventual que dado à exposição de pintura. E no entanto o valor pictórico que encerra não é definível. Ali estão os quadros de Picasso e o grito pardo e animal de Guernica, que não há escuridão mais sanguinolenta na história da pintura; está Miró e o seu mundo; Braque que tanto me suspende; Dali e a sua irreverência que avança pelo inconsciente. E quantos outros.
Reina Sofia visto de uma só vez desalinha os sentidos, boicota o entendimento. O acto contemplativo requer tempo. E tudo que existe anseia que lhe demos o que a roda dos dias mais nos vai tirando.

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