A
maioria das pessoas trabalha para se sustentar. Não cria fortuna nem sobe na escala
social, o trabalho ampara-lhes a condição de berço. Depois, há os espertos que
amarinham agarrados à argúcia negocial, alturas de onde também podem cair, fatídicos. E há os artistas. Os
artistas que nos habituamos a pensar sem dinheiro, pobres, vivendo em mansardas
e a comer um dia em cada dois. Pela sua arte, suam as estopinhas. Mas o
reconhecimento atrasa e chega na tumba. Ou nem se vislumbra. Nem sempre. E Sorolla
é radiosa excepção. Órfão, criado por uma tia casada com um serralheiro,
conseguiu com a pintura o que costuma vir de berço: fortuna, posição,
reconhecimento. Pintor solar. Diz-se que impressionista e cultor do luminismo.
A luz é o tema comum a todo o seu trabalho. A luz e a beleza que não dispensa, é
um esteta que prefere a fuga à realidade. Quem olha o quadro “As pescadoras” ou o
da pescadora com o filho, repara que o trabalho na pesca não deixa o rosto limpo nem usa alvas roupas inundadas de claridade. As pescadoras seriam antes bem morenas e de semblante vincado por desgostos e aflições sucessivos,
angustiadas pelos seus homens tanta vez perdidos em águas revoltas. É como se o pintor nos diga que a luz muda tudo e as mulheres do povo se tornam leves e outras por
efeito dela.
Deparamos com uma pintura prazenteira e fonte de luz. De forte vitalidade. Ali, mar e figura feminina predominam. As mulheres
surgem bonitas, elegância ataviada e, bastas vezes, acintosamente coquete. Na água, predominam os
nus infantis como se tenha querido passar para a tela o prazer sem mácula do
banho de mar. Ou tenha ido mais além na compreensão do que os banhos de mar encerram:
a reinvenção da inocência. E há qualquer coisa de telúrico e profuso naquela
água que escorre pelos corpos e é tinta. Aquela água falsa e luminosa que nos enraíza,
seiva correndo por dentro do observador. E somos aquele calcanhar, um certo
dorso molhado, os gémeos brilhantes daquela perna, o sexo do garoto que retira o
cavalo das águas...
(cont)
Sem comentários:
Enviar um comentário