terça-feira, 10 de abril de 2018

Museu Sorolla


A maioria das pessoas trabalha para se sustentar. Não cria fortuna nem sobe na escala social, o trabalho ampara-lhes a condição de berço. Depois, há os espertos que amarinham agarrados à argúcia negocial, alturas de onde também podem cair, fatídicos.  E há os artistas. Os artistas que nos habituamos a pensar sem dinheiro, pobres, vivendo em mansardas e a comer um dia em cada dois. Pela sua arte, suam as estopinhas. Mas o reconhecimento atrasa e chega na tumba. Ou nem se vislumbra. Nem sempre. E Sorolla é radiosa excepção. Órfão, criado por uma tia casada com um serralheiro, conseguiu com a pintura o que costuma vir de berço: fortuna, posição, reconhecimento. Pintor solar. Diz-se que impressionista e cultor do luminismo. A luz é o tema comum a todo o seu trabalho. A luz e a beleza que não dispensa, é um esteta que prefere a fuga à realidade. Quem olha o quadro “As pescadoras” ou o da pescadora com o filho, repara que o trabalho na pesca não  deixa o rosto limpo nem usa alvas roupas inundadas de claridade. As pescadoras seriam antes bem morenas e de semblante vincado por desgostos e aflições sucessivos, angustiadas pelos seus homens tanta vez perdidos em águas revoltas. É como se o pintor nos diga que a luz muda tudo e as mulheres do povo se tornam leves e outras por efeito dela.
Deparamos com uma pintura prazenteira e fonte de luz. De forte vitalidade. Ali,  mar e figura feminina predominam. As mulheres surgem bonitas, elegância ataviada e, bastas vezes,  acintosamente coquete. Na água, predominam os nus infantis como se tenha querido passar para a tela o prazer sem mácula do banho de mar. Ou tenha ido mais além na compreensão do que os banhos de mar encerram: a reinvenção da inocência. E há qualquer coisa de telúrico e profuso naquela água que escorre pelos corpos e é tinta. Aquela água falsa e luminosa que nos enraíza, seiva correndo por dentro do observador. E somos aquele calcanhar, um certo dorso molhado, os gémeos brilhantes daquela perna, o sexo do garoto que retira  o cavalo das águas...
(cont)

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