Dizemos
que em férias não temos horas. Mas não é apenas isso. Férias são mudança
absoluta, espírito e tempo diferentes. Não há os dias da semana. São outros
dias. Sem semana. Se alguém diz, “ segunda feira”, soa a falso, o dia que vivemos
não corresponde a uma segunda feira (feria) e é estranho a toda a “feria”
semanal. Os dias não têm correspondência, são eles apenas, originais sem réplica.
Em férias acordamos seráficos, expurgados de
deveres. Leves. O prazer da novidade está ali, ao alcance da mão. Concretizá-lo
é brandura de poder. Deuses de nós mesmos, gozamos o que
amorosamente esperámos e preparámos, aroma tão egocêntrico como humano. Parafraseando Mircea Eliade, inscrevemos no tempo normal uma outra espécie de tempo, abertos à
descontinuidade e suas valências. Outrora, em épocas de veraneio, apreciei férias
tradicionais. Hoje, prefiro os dias obscuros e sem razão e demoro-me a estender vagares no corre corre das multidões. Ponteiro que gira ao contrário, renasço
nesses dias sem nome e que sempre me são estreitos, refeições preguiçosas, um
chá em lugar remansoso. Alongo-me conversando, estranha ao incómodo de minutos
e horas em catadupa e abstraio na lufa-lufa do mundo que não dá por mim. Vivo a
mais imperfeita perfeição.
E
tudo isto é nada do que sinto. Não há coisa mais incompleta que ver museus
em três horas, ar contrito e culposo soslaiando
quadros, o corpo numa queixa, não posso mais, desiste. Dizia Cesário, “Ah, se não morresse nunca/ e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das
coisas”. E digo eu, “ah, eu seria a mais rica mulher se, mortal e
pobre, vivesse à beira de um museu repleto de obras intemporais". Havia de dar a todas a mesma atenção, extasiava no mais breve rasto de pincel e, muda e queda, as amaria cegamente, a alma ajoelhada
em oração grata.
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