quarta-feira, 11 de abril de 2018

Museu Sorolla


De pincelada larga e vivaz, Sorolla é pintor de fino recorte, gente que não chega a descer das sedas mesmo quando parece que sim. Os seus retratos femininos deslumbram e não apenas pela pintura, há nas modelos certo ar gourmet que entontece. É certo que a mostra em exposição se subordinava ao título "Sorolla e a Moda", o que afastou telas como a do pescador morto e que titulou , "ainda dizem que o peixe é caro". 
O pintor tendia para a beleza qual flor para a luz, mulher feia ou assim-assim jamais o levaria. Talvez um dos poucos homens que gostava e sabia comprar vestuário e calçado feminino. Em solícita e amorosa carta a Clotilde, sua esposa (exposta no museu), pede as medidas para compra de roupas que viu e lhe ficarão muito bem (um elogio maior em letra esquinada a tinta permanente de qualidade, que ainda não debotou); refere ainda a aquisição de chapéu para uma das filhas e sustém que são compras a seu jeito. E que gosta e lhe   dá prazer alindar as suas mulheres.
Deparar a gente com um Sorolla pode ser grande sorte. Mas também um azar. E se ele era um chatíssimo senhor, daqueles de, veste lá o vestido que te comprei e põe os brincos x ou y; e não esqueças, calça os sapatos z. E agora repousa nessa cadeira e olha-me desta maneira, não, assim não, que te faz uma ruga na testa e te dá um ar zangado; e põe o braço assim, levanta só um pouquinho da saia a mostrar o pezito. E agora fica quietinha para fazer o esboço. E etc.
Sim, que aquele deus grego – era bonito até fartar – casou com uma mulher linda que pintou em mil posições e feitios. E duas filhas bonitas que também eternizou em tela. Contudo, uma das jovens é portadora de inquietante tristeza. Não há quadro onde a melancolia do olhar não nos perturbe. Li que teve tuberculose. Talvez lhe tenha ficado desse encontro prematuro com a morte, há embates que nos mudam o semblante. Apetece pegar-lhe nas mãos e olhá-la por dentro. Sem querer que fale ou se abra. Basta deixar correr a melancolia que traz presa no olhar.
Mas há ainda a casa. Um solar airoso, pensado em beleza  requebrada. E de duas casas se fez uma. Obras e mais obras que o pintor concebeu.   Rasgo de janelas mirando o primor do jardim onde os buxos convivem com as fontes e a pérgula e as flores são felizes. O conjunto é tão bonito e pueril que parecemos mergulhar  num filme ou história de princesas. Tudo é muito e demais.  Pode ser ilacção ilusória, mas Sorolla denota certo horror à pobreza de onde saiu, uma obstinada fuga ao submundo e que condensa na obsessão pela harmonia, nos gostos caros, na exigência da justa proporção.
E pode que nada do que penso seja verdade.

Sem comentários:

Enviar um comentário