O
museu Thyssen-Bornemisza percorre-se de
gosto. Visita cosida a linha de vagares, as primeiras três ou quatro horas passam quase inadvertidas. Nem daríamos por elas, não fora as pernas
queixosas do carrêgo e da proximidade ao
ponto morto, num pára-arranca em contínuo gaguejar. Faltam-lhe as obras espectaculares do Reina
Sofia, mas cumpre em requinte. O turista julga que entra para uma refeição
ligeira e depara com mesa de palácio posta a preceito, rendas de Veneza,
talheres de prata, limoges e cristais a emoldurar iguarias inestimáveis em
suplante de sabores, qual de paladar
mais delicado. O folheto recebe-nos também em português, pormenor tanto mais
agradável quanto estranho nos museus de Madrid. Na capa, a enigmática Giovanna
de Ghirlandaio, uma seráfica e aprumadíssima jovem, perfil clean
e penteado à la mode, num arranjo de
arte capilar que lembra o uso de postiço em cabelo naturalmente ondulado; que
podia mesmo ser enfeite do nosso tempo em cerimónia festiva. Havendo interesse
na cronologia pictórica, podemos percorrer os vários períodos e começar pela
pintura antiga dos mestres italianos, passando depois ao Renascimento e Barroco.
E a arte do retrato manifesta-se em todo o esplendor renascentista, ali brilham
os Caravaggio, Carpaccio e mais. Sente a gente que os olhos ficam reféns das
telas, desligados de nomes, técnicas ou períodos. Não conhecem, são olhos que
sentem. Fruem. Se houvera tempo, então
sim, talvez eles se desviassem da grata contemplação para comparar, distinguir,
catalogar. E depois vêm os impressionistas, pós impressionistas e
expressionistas, todos de elevado quilate e fino gosto, ímans do olhar , quais medusas sedutoras e ondulantes. Prendeu-me Corot e o “Banho de Diana”; mas
ainda Degas, Van Gogh, Gauguin, Renoir, Monet e tantos mais a que não quero ser
infiel e para que me falta memória. A finalizar a viagem, a pintura do século
XX onde cabem cubismo, abstraccionismo, surrealismo, pop arte... não que meus
olhos distinguissem estilos, empenhados que estavam na fruição. Mas por tê-los
lido antes e conhecer mesmo alguns, Kandinsky, Dali, Kirchner, Edward Hopper. E
outros que ignorava e me enriquecem o imaginário despidos de nome. O que
esta gente fez por mim não tem paga. Talvez a arte seja isso, o imenso trabalho de
mostrar a centelha divina que nos habita ajudando outros a entender-se nela,
fazendo-nos inclusivos. E desse entendimento resultará a misteriosa pulsação da
vida. Estamos todos ligados.
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