Eram
as sete de uma tarde quente. E eu sabia a ondulação copada das árvores atrás do
coro, o vôo dos pássaros, o recorte de azul que desmaiava na tardinha. Sabia da
vida lá fora; do silêncio ruidoso de semáforos; do trânsito logo ali, em pressas
de fim de semana; de gente que buscava ninho. Sabia da vida dentro de mim. Mas
não havia o tempo. Não havia mais que a música a encorpar, expandir-se, encher
todos os espaços até à saturação. Não havia senão acordes e vozes celestiais em
doce e unívoco corpo a corpo. E decerto lá estive porque ouvi e porque sei do
rosto e gestos do maestro levitando energia sobre a orquestra. Terei pensado,
respirado, o sangue atravessou-me o corpo igual a sempre. Presentes na memória,
só música e maestro.
O
intervalo chegou ainda mal me sentara. Julguei engano. Mas já o maestro saía
abafado em aplausos, adornado de “bravôs”. Voltei-me. O lugar dela, vago.
Imaginei-a lá fora, a aliviar o excesso de maravilha. Ou, quem sabe, apenas o
olhar distraído na vária gente.
Na
segunda parte, o espectáculo retomou sem o coro. E sem ela. O seu lugar uma
falha na dentição. Foi quando pensei na sorte das árvores que rodeiam a sala e
ouvem tudo pelas raízes. Placidamente musicadas, entretinham-se lá atrás em
iluminado ninar de folhas. E nem um pássaro. Mas a música varreu tudo de novo.
Sem paisagem, vencida pela vibração, morando na entrega do maestro. E breve a
plateia de pé e um maestro grato, mão sobre o coração. De novo lhe regressaram os
pés, a magreza alongada das pernas, os tombados anéis de cabelo. E o lugar
vazio que quase não se notava, mas eu sabia.
À
saída, mesmo por detrás de mim, alguém comentava, “fantástico, viste os pés
dele, parece um bailarino, dança todo o concerto”. E fiquei com pena dos meus
olhos que não sei por onde se perdem. É que do maestro lembro uma
transfiguração de adamastor benfazejo que não aterroriza e antes guarda o palco
e lhe dá vida. Facto que, desconfio bem, não está à vista.
Entretanto,
ó surpresa, no exterior, placidamente, ela sacudia um grão de pó na malinha. Depois
misturou-se à multidão e deixei de vê-la. Talvez seja entediante dama. Ou
exasperada solitária. Prefiro pensá-la lá fora, a desfrutar do anoitecer por
entre as árvores enquanto a música, no interior, fazia casa.
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