quarta-feira, 30 de agosto de 2017

História Esquisita com Beldroega

O cemitério português é uma chatice cheia de pedras e jarras pesadíssimas onde nascem flores plásticas. Não aprecio cemitérios. Como diz um frade conhecido, não mora lá ninguém; ele não tem lá que fazer, eu, por acaso, tenho. E hoje calhou ir a um. Como os mais, sem vivalma. Era eu e o bem aventurado sol que, decerto por me ver só, quis acompanhar. E as minhas tarefas domésticas. Sim, aquelas mesmas de limpar pó, lavar, varrer, arrancar ervas daninhas que medram à velocidade da luz em lugares adubados. E não garanto, mas quase aposto que os sardões amarelos e verdes que se assustam comigo e eu com eles ainda lá passeiam pelos subterrâneos. Haja Deus que hoje nem havia calor em demasia e não se quedaram de olhinhos desconfiados a olhar-me de lado, que é só como sabem olhar, e o meu coração logo na garganta que nem sei como é que ainda consigo dizer ai e saltar para trás com pernas de mola enquanto eles somem numa repelência que me dispõe ao vómito. E posto que sózinha e avoada, esqueci o chapéu e tive de aguentar-me à soalheira (solinho não amofines que bem sabes a falta que me fazes e o agrado em que te envolvo). Eu lavando e lavando as moradias empedradas (coitadinhos dos mortos soterrados lá em baixo) e a pensar nos meus chapéus tão pipis, que me emprestam um certo quê e sou pata que fica menos pata. Pronto, é isso, o cenário é de valor negativo e penso em coisas positivas, como uso antes de adormecer. Entretanto, também esqueci o elástico de prender o cabelo e lá andei no meio do mato, pouco vendo de pedras e jarras. Quer dizer que o franjado me esbateu os rigores da compaixão. E quanto o meu chapéu de gordo laço preto e aba derrubada me faria outra! sombreava-me o olhar cujo me faz muita falta, mas  nada perde em não ser visto; e aposto que as maçãs do rosto iam parecer geradas no glamour da Paramount ou por aí, e em tudo opostas ao jeito de mexicana pobre e sem cintura  que me cabe (falando verdade, não há chapéu que renda na cintura). Pois estava eu nestes preparos e encandeada de quase tudo branco que os óculos de sol também em casa (cabeça, cabeça, o Variações tinha razão), dizia eu que me entretinha a esquartejar, braço a braço,  uma beldroega do tamanho de um naperon, a faca uma lástima no corte, quando oiço uma voz mesmo ao meu ladinho,
 - tem lume?
Palavra que nem liguei. Sou um bocado dada a falar sozinha e inventar coisas; por vezes oiço passos e não vem ninguém; sinto os assentos das cadeiras a ir abaixo por desporto; e outras bagatelas que não são portas a ranger nem móveis a resmalhar. E, convenhamos, ninguém vem para o cemitério pedir lume, há muito lugar para isso neste mundo de Deus. Portanto, dei pressa ao sadismo sobre a beldroega advertindo-me em pensamento, estás a alucinar, tu tem cuidado com o sol que te faz mal à moleirinha. A congratular-me, vá lá que a linfa é pouco vistosa. Mas a voz repetiu,
- tem lume?
E havia uma sombra na pedra. Alto lá que isto é a sério, pensei, a beldroega presa por um braço que nem garota mal comportada, o redondo do naperon de antes num breve triângulo de queijo  que sou desalmada a tripudiar intentos da natureza. Investiguei de cabeça ao alto e a voz tornou,

- só pedi lume, não precisa apontar-me a faca. 

domingo, 27 de agosto de 2017

Imagens e Percepções

No verão, as cidades tufam suas praças como roda de saia. Umas exibem-nas em plissado cetinoso, outras franzem singelas, e as mais estendem-se em metros e metros  de esplendor, projecto de alta arquitectura. As praças das cidades falam por elas. E são um Terreiro do Paço pequeno e airoso, com Tejo ao fundo; um franzido agradável que cai bem e tem história, a gente a imaginar a defenestração de um Miguel de mau presságio que se estatela no chão.
Na Polónia, como em países que lhe são próximos, edifícios e praças são outros, mais coloridos e demorados no pormenor. Semeados de flores que amiudam aqui e ali em ninhada de arco íris. Prendemo-nos ao triângulo das frontarias, à cor conjugada das paredes, à beleza inclinada e pródiga dos telhados. E a mente voa até às mãos de labor. As mãos que criaram a efeméride que perdura exposta aos elementos, aqui uma estátua, ali uma janela, além uma sugestão de onda. Nestes edifícios, os telhados excedem-se, não são apenas a tampa da casa. Existem por si e não se restringem à função de fechamento e parte da casa que recebe o que as nuvens deixam cair. Por cá, há quem meça o valor de uma casa pelo número de divisões; mas talvez nesta parte da Europa ele dependa da ornamentação e riqueza dos telhados. É ver o cuidado que põem nos frisos e ornamentos, ele são esculturas, janelas, torres e zimbórios, boleados em degrau. É como se as casas enlouqueçam pelo telhado. Erguem-se austeras e regulares, mas, chegadas lá acima, todas se envaidecem, perdem siso e contenção. Espanejam de lantejoulas, armam-se de importância e olham de alto (altura não lhes falta).
E há as praças vivíssimas, a regurgitar de gente: em fila, o negócio de carruagens e cobiçadas condutoras de rédea na mão e traje rigoroso, a sua delicadeza luzindo na elegância dos cavalos; os fazedores de bolas de sabão que manejam o arco e atraem a alegria de crianças saltadoras; os talentos de esquina que tentam a sorte, boné estendido; os vendedores de quiosque e suas matreirices de cordel; a estudante que, na sombra norte da praça, toca violino de olhos fechados, rabo de cavalo a acompanhar-lhe a paixão, o cetim do estojo clamando do solo, reparem-na, é uma artista. E ela empolgada e fora de órbita. Linda por todo o lado.

E à sombra das catedrais, no empedrado das ruas, nos caminhos dos parques, os turistas são mole em movimento, nariz no ar. Velhos e novos; herdeiros e deserdados; conhecedores ou simples curiosos. Enquanto isso, a finesse resguarda-se, abriga-se do sol e observa o espectáculo de outra esfera. Tem pose, sabe estar. Não sua em bica e despreza calores que enrubescem. Bebe sumos, talvez; refresca-se. Ou será um vodka gelado. A firmeza dos empregados desvia turistas de pé descalço e distraídos que assomem a recuar por uma foto. Não. Ali é chão sagrado. Tão perto da praça e da catedral. Tão junto ao Deus que amou todos por igual. E tão longe dos homens comuns e sua febre de vida. Passo e a atenção dos funcionários mede-me a pegada. Dali, miro a praça e apenas sinto o seu tumulto sonoro. Talvez, pela noitinha, haja uma orquestra vestida a preceito, afinada, famosa. Mas perderam para sempre aquele momento de magia poética, a vibração que serpenteava, desde os pés, pelo corpo jovem da violinista e se ouvia em repentes ternos e maviosos. Irreais.

domingo, 20 de agosto de 2017

Distintos e Plausíveis

Polónia. Florescente país de mulheres elásticas e serpentinas. Lugar de gente metida consigo e rodeada de amena vegetação de crianças, beleza eslava e diversa da latina onde mora um jeito cigano e palrador que estrebucha, resmunga, se rebela sem pejo. Polónia é terra de homens sem graça, rosto de bebé chorão que cresceu anómalo e não condiz. Os seus campos encompridam a lembrar a doçura da paisagem Toscana imbuída de verdes-veludo e fenos arrumados em cilindro. Falta o aprumo pretoriano dos ciprestes montado no redondo das colinas. Que, pelo chão, há idêntico amarelo campesino e simétrico. Ou não fosse a Polónia um país agrícola de campos rectos, lisos, com o viço da floresta em fundo. Expostos à luz, são beleza crua, expurgada  da suavidade poética que mão divina arredonda na Toscana, para se entreter de gosto a posicionar cada cipreste em seu lugar natural.

A poder de euros, o país acordou para a febre de estradas e evolve num rodopio de obras e filas de trânsito. E enquanto o meu pobre Portugal se consome e imola pelo fogo, as florestas polacas vestem-se de penumbra e refulgem no fresco mistério de gotas a desprender. Desde a raiz, cada árvore desafia o infinito. Nos caminhos sinuosos, um aconchego de folhas a sobrepôr cria um mundo de segredos e arreda o firmamento, o solo em teia de raízes. Ciosa, a floresta encerra o passante dentro de si e recebe-o no seu interior de clorofila e humidade. Isola-o. E prevalece.  Vibra nos pequenos sons, nas gotas que caem sobre o solo, na agitação ciciada dos ramos mais altos, no restolhar de animais que passam a escapulir-se dos pés. É a eclosão exudada da natureza sem projecto. Fertilidade de silêncio. Húmus que se respira. Transpiração odorífica que entontece. Peculiar, íntima. Ali, a nudez do homem ajoelha à liturgia de força sagrada e vegetal. Cede à voz da terra. E diminui ao seu tamanho. Sem basófia.  Ele e a terra originária. Ele, no imenso templo natural. Em clausura e liberdade.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Senhor António

Nos primeiros tempos não dei por ele. Transpunha a cancela a adiantar hipóteses, fixo num futuro de papéis, rememorando urgências telefónicas e post-it, minutos em desconto para um café. Confesso, não o via. Passaram meses até lhe notar a atenção. Rasa. Fluida. Creio que foram os olhos funcionais.  Ou tínhamos, em verdade,  de nos cruzar.
Naquele dia,  pretendia chegar com algum avanço a um encontro importante. Queria rever os pontos fundamentais da negociação e relembrar estratégias e pormenores. As informações sobre a gestão e personalidade de quem me aguardava corriam-me a bold na mente e sabia que o acordo entre ambas as partes dependia da transição entre a  exigência flexível e amigável e a imposição em trompe d’oeuil que cerceia amizades. Tinha sido escolhido por isso mesmo. Sem falsa modéstia, dominava essa arte de dar e retirar sem mão, parecendo que dava mais do que subtraia quando sucedia o inverso.  Claro que vendia o produto apoiado em cálculos e dados reaise transparentes,  mas escamoteava especificidades que os tornavam pesados e menos lucrativos. Esse era o ingrediente secretíssimo. Na vida empresarial, a transparência conquista-se, iça-se do fundo de água turva onde nasce o lucro. Enredado neste conciliábulo, só reparei na avaria da cancela quando, imediatamente antes de embater, o homem avançou, abriu manualmente, e regressou à cabine envidraçada. Irritei-me. Baixei o vidro na intenção de um ralhete. E dei com os olhos dele sem expressão, meros botões atentos e já acesos para o veículo que transitava atrás. Levantou-se. Imaginei que iria proceder a idêntico conjunto de movimentos. E desisti. Afinal, eu vinha distraído e ele executara a função em tempo útil, de modo a evitar colisão. Acelerei até ao meu lugar no estacionamento e quando entrei no elevador, já o esquecera.
A vida tem caminhos por onde seguimos atarantados e em corrida insana. Na mira dos pontos de chegada, não os reparamos, estão sem estar. Contudo, nada é tão aberto e disponível. Teremos de palmilhá-los. Ou não. Pode a morte apanhar-nos a meio, ou a um quarto. Notá-los é a única forma de os viver e sermos gratos. Os caminhos que a vida – quiçá um deus – nos deu. Chão dos nossos passos. Mas isto era assunto que, então, não me ocorria. Caminhava como os jericos, a olhar em frente. Os objectivos como degraus, nem sequer metas ou zonas de verde respiração. O caminho existia-me em forma de subjecividade radical: dizia respeito à velocidade e tipo de passada, ao número de degraus transpostos. Competia comigo mesmo.
Nesse fim de tarde, saí a pensar numa bebida. Fora bem sucedido. No dia seguinte, iniciava outro desafio.  Apetecia-me fechar o dia. Adormecer no sucesso. Pensei vagamente que um brinde não ficaria mal, mas não havia com quem, o mundo de colegas laborais era pouco atreito a celebrar vitórias de outrém e a namorada estava longe e em trabalho. Tomaram-me de assalto as suas pernas a sairem da t-shirt, os pés descalços, mamilos a enrugar o algodão, e alaguei em ternura.  Concentrei-me na escolha do lugar, o sorriso meio irónico e cabelos de rapazinho maroto a persistirem.  Afastei-lhe a imagem e, enquanto atravessava a rua, fitei a mancha escura de árvores copadas. Gostava daquele lugar fora do bulício. Entrei.  Uma luz discreta iluminava o interior. Sentei-me nos fundos, alarguei o nó da gravata e pedi. A meio da garrafa requisitei outro cálice e chamei o empregado, importa-se de brindar comigo? Ele trouxe um copo, largou o tabuleiro sobre a mesa e encheu os dois. Quando o ergueu li-lhe o nome na chapinha de metal: António. Olhei-o vagamente, À nossa. Bebeu de um trago e, sem palavras, voltou à sua lida. Não agradeceu. Cumprido o desejo do cliente, retomou a actividade. Alguma coisa nele me parecera familiar, mas julguei tolice. A essa altura já o mundo me parecia risonho e eu era leve. E desliguei.
Passados dias, o funcionário da entrada pede para falar comigo. Tratamos do assunto, olho a chapinha do nome e, António. Era ele. Os mesmos olhos sem expressão, corpo de nem orgulho nem submissão, solicitude comprada. Quando à noitinha fui confirmar, encontrei-o no pub. Um desempenho perfeito e maquinal.
Intriguei com o homem. A empresa não pagava mal, o que o levaria a deter dois empregos?! Investiguei com o dono do pub, mas conheciam-no apenas dali. Usava pontualidade inglesa, calado e sem amigos. Satisfazia em absoluto no trabalho. Quando o investiguei na empresa verifiquei que estava indicado como trabalhador de continuidade, não faltava e não existia registo de queixas.

Entretanto, comecei a passar a cancela com um aceno de cabeça que só os olhos dele pareciam notar. Se voltava ao bar, a resposta ao meu cumprimento não diferia de nenhuma outra. Continuávamos estranhos. Certa noite, não aguentei a curiosidade e esperei-o no fim de turno. Apareceu com um cãozito pela trela. Silenciosos ambos. A sentir-me um estorvo inquiri, na sua idade, dois empregos são castigo, se precisar de dinheiro...Olhou-me sério. Andou uns passos comigo e o cão ao lado. Sentia-me um inútil, a chave do carro a bater-me nos dedos, sem saber que fazer. Parou e sem se voltar murmurou a olhar o alcatrão, há tristezas tão grandes que perdemos o tino, deixamos de mandar em nós. Mas ainda reagimos a ordens. É por isso que tenho dois empregos. Olhe, sou como este cão. Só que não tenho dono. E afastou-se.

Paralelo

Encontrei-a entre aviões, tão perdida quanto eu num grande aeroporto. Duas mulheres em trânsito, idades e destinos diferentes. Era Inverno e um manso nevão aconchegava-se pelos hangares e pousava no dorso metálico dos aviões. Nessa noite, o aeroporto regurgitava de gente. Enxameava.  Gente retida a meio do percurso, crianças de colo e birra, um embaraço de malas junto às pernas, ou em ruidoso e arrastado cirandar.
Viajava sozinha e tentei afastar-me do ruído na mira de um canto sossegado onde pudesse dormir um pouco. Reparei nela quando juntava as malas. Era jovem e estava sentada no corredor em frente do meu, semblante contrariado. Imaginei que o jeito contrariado se devia ao incumprimento de horas e afazeres no ponto de chegada. As previsões eram catastróficas em relação a compromissos: os voos nocturnos tinham sido cancelados e na manhã seguinte, já sem queda de neve, a seriação das rotas fazia-se pelo atraso que detinham. Com sorte, o meu voo saía pela tardinha. Os hoteis do aeroporto estavam superlotados, não havia onde albergar toda a gente.
É sabido que aeroportos e aviões aproximam desconhecidos. Habita-os uma tal precariedade que normais pruridos se dissolvem. Ao fim de uns minutos de mutismo, eu e ela conversávamos como colegas de trabalho. No vaivem de descobertas e alguma afinidade, e porque nos desagradava a noite branca de corpo sentado, resolvemos abandonar o aeroporto e procurar quarto na cidade. Guardámos a bagagem maior e um taxi levou-nos ao hotel. Outros viajantes tinham tido o mesmo pensamento e o único quarto disponível  era um quadrado mediano atravessado por uma cama larga. Olhámo-nos rindo e dei-lhe a escolher entre o lado esquerdo e o direito. Dormir acompanhada era-me difícil e estranho, mas não havia escolha e o cansaço da viagem pesava-me no corpo. Enquanto a minha companheira retirava a maquilhagem no espelho do quarto tomei um duche rápido e enfiei-me na cama. Depois, fiquei a ouvir o som abafado do chuveiro por entre apreensões, e se ressono, e se não consigo adormecer e dou muitas voltas na cama, e se. Mas, ao invés do que pensava,  caí num sono profundo.
Sonhei com mãos suaves a soletrarem-me o corpo; sílabas paradas e repetidas até à exactidão do som, espaços que o desejo preenchia. Temia o desfazer do sonho. Queria ficar, permanecer nesse mundo de calor e companhia, prolongar o bem quimérico de me sentir amada e indefinida. E as mãos que. E infinitamente me amavam em cada arco e grinalda de dedos, o corpo a fugir-me, a fugir-me. Algum animal me enrouquecia na garganta e me fechava as palavras, as escondia e eu apenas um som de liberdade sem nexo por onde enfim respirava. E quando recuperei braços e mãos, senti-os a serem mansamente levados e deslizavam já na suavidade cálida da pele. Subi-lhe a cintura a medo e dúvida, dedos incrédulos  na elevação do peito de mamilos erectos...afastei-me de rompante, agora bem acordada. No horror de ser verdade desviei-me dela num misto de nojo e estupefacção. Com o meu corpo. Com ela. Connosco. Na mente, em néon, um e agora gigante. Tentei levantar-me e as pernas prendiam-se nos lençóis, não conseguia erguer-me.

Acordei quase a cair do banco, salva pela trincheira da bagagem. A mulher continuava na minha frente e olhava-me como quem vê bicho raro, uma expressão curiosa a vestir-lhe o semblante. Posso ter corado. Posso.  Alheia aos meus íntimos motivos, ela levantou-se e rumou ao destino. O tempo que nos aproximou também nos deu distância.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Limites

Ganhei  hábito de janela e olhares matinais quando me mudei para o apartamento lisboeta. Contudo, continuo sintonizado com o ritmo aldeão e emito sinais de vida aos primeiros alvores. Apesar dos meus cuidados, minha mulher rabiava que não dormia uma manhã em descanso. Tudo lhe perturbava o ouvido de tísica, a cozinha de pequeno almoço, a água corrente na casa de banho,  tosse,  passos de chinelo, o alvoroço do cão na porta de entrada a farejar-me os movimentos. Nesse tempo, a rua não me chamava.  Bastavam-me os ingredientes in(ternos). Havia um jeito de lar nos cheiros de cada canto e em cada coisa no lugar; uma certeza de gavetas; certo aconchego de ninho previdente. Entreabria a porta do escritório e, na mesinha, longe de indiscrição visitante, os filhos sorriam-nos desde a juventude; logo ao lado, todo arte fotográfica, o primeiro neto.  Um mundo que foi eterno até à estranheza de  não me apareceres estremunhada, mãos a algemar cabelos num elástico, voz pastosa, bom dia, amor. Abri só um pouco a persiana do quarto. Dormias. Contornei a cama, apanhei-te as mechas sobre a cara e acamei-as atrás do recorte da tua orelha de porcelana fina; e tu em modo de olhos fechados. Sussurrei no teu ouvido, preguiçosa. Mas não consegui acordar-te. Meu amor. Meu tão longo amor de curta vida. Diz-me quando em exacta colher me deixaste, em que minuto partiste, qual o momento em que a tua alma voou do meu braço abandonado no teu corpo.

E logo a casa se transformou. Desencantou dos cheiros vitais, ampliou de recantos sombrios alongando pelo espaço onde os meus passos ecoavam. Quando a almofada perdeu a forma da tua cabeça e o perfume deixou de cheirar a ti, vendi a casa e dei o cão ao vizinho pequeno, aquele que o beijava entre as orelhas e fazia dele cavalo. Foi assim que criei tempo para o vento na copa das árvores, os lulus passeados na manhãzinha por donas descompostas, rolos na cabeça e roupão, uma sofreguidão de vício a subir-lhes pelos dedos de nicotina. Envelheci, Amor. Árvore de raiz podre, não me aguentei ao teu balanço.  Talvez tenha acontecido na vez em que parei a meio da escadaria, uma moínha leve a rondar a perna esquerda. Ou, quem sabe, foi anterior e começou no teu desafio, vamos ver quem chega primeiro. E ganhaste-me logo no segundo lance de escada. Não sei precisar. Durmo do teu lado da cama que nunca te teve (durmo é eufemismo para as horas de posição horizontal). Tu sabes. Deito-me e a dor mostra-se. Persiste. Não é severa, antes um sinal de erro, máquina com anomalia.  Talvez na cabeça do fémur, que qualquer escadaria me maltrata e o terceiro andar sem elevador, um martírio. Não demove com repouso e recusa abrandamentos nocturnos.  Tiveste a sabedoria de abandonar o corpo na idade certa, que logo, logo, ele se tornaria incerto. Não sabes o desfalecer de tudo, a desimportância de rugas, meros vincos que nos desfiguram; os brancos que encanecem e avelhantam; a pele do corpo que sobra e pendura a cada dia. Não, essa metamorfose é resíduo. A mágoa é  não ser capaz acompanhar quem nos cerca. Querer ir e ter de ficar;  ter alma de experimentador e ficar a olhando por janelas reais e virtuais. Ser velho exige, em permanência, um reajuste no agir. Sempre a minguar.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Os Primos

Viajo às vezes com meus primos. Minha mãe parece confiante na sua mestria de guardadores de jovens casadoiras e mobiliza-se a encontrar-me indumentária que ajuste ao suposto acerto matrimonial. Meus primos,  solitário casal de meia idade, nem velhos nem novos, vivem regaladamente para si mesmos. Ou é assim que os julga minha mãe no seu inglório afã de queixas acerca da minha pessoa e da falta de jeito para encontrar a metadinha. Habituei-me pois a esse acerto de férias que a deixa esperançosa e livre para amigas e passeios. E parte contente depois da visita ao seu coronel que dorme tapadinho com a colcha de renda antiga na prateleira do jazigo onde, diz ela, eu a hei-de levar um dia sem pena ou paixão. O que não é verdade. Minha mãe é senhora tão avessa a costumes maternais que a sua suculenta alforria por certo me deixará saudade. Mercê desta espontaneidade que não herdei, conquistou meu sisudo pai, sempre temeroso de repentes tão prazeirosos como inoportunos, e que tanto o derretiam como irritavam. Contava que o seu riso alto na parada, de costas insolentes para os graduados, o prendera sem remédio. Quando eu nasci após nove meses em que maldisse a maternidade e nos arriscou quanto pôde, sentiu-se livre de encargos e tratou-me como brinquedo favorito que passava à empregada mal me desconfiava pessoa.
Ora meus primos, aqueles a quem minha mãe me entrega nas férias por julgá-los empenhados no meu futuro, ou seja, num casamento decente, levam-me consigo na mira da sua prodigalidade. Mais novos que ela, limitam-se a carregar-me sem outra obrigação. Eu agradeço a liberdade e pouco saio sem eles. Assim conheci lugares e hotéis, sem experiência das amizades românticas para que ia talhada. Em compensação, sobra-me tempo e disposição para estudar os dois.
Há nos casais sem filhos uma união que minha mãe não supõe e eu experimento sem evasivas. Ela nomeia-os pais temporários. E eles não saem do casulo. O casulo de meus primos é circular, sem ângulos e acutângulos. Tudo gira em volta de prima Fininha, Josefina de seu nome. Ela marca a hora de sair, de ouvir música, de falar. Antes do seu pestanejar matinal, a casa é um sepulcro. Primo Gustavo, sempre tão quedo, todo se empertiga ao menor som, cuidado que Fininha dorme. E fica na sala contígua ao quarto, cão de guarda ao recato de Fininha.  Ora minha prima acorda tarde e o seu humor trabalha a horas de sono. Se incontornáveis acasos nos levam a madrugar, Fininha exaspera, irrita, grita, amua. E bom é quando a nossa menina decide num repente, vou dormir. Enquanto Fininha dorme, pára tudo. Que ela sim, é a menina. Uma menina pequena. Mimada. Mandona. Minha mãe supondo que passeio nas alamedas com meus vestidos de arrasar e eu a usar silêncios matinais  para ler, pensar, escrever. E faço orelha mouca aos vestidos que confrangem, não saímos do cabide, para que viemos.
Se acaso Gustavo se levanta primeiro, surge na sala em bicos de pés e comunicamos um com o outro em secretismo tão inaudível que mais parecemos conspiradores. Se pudesse, faria campânula vazia do mundo exterior só para não perturbar a amada. Fininha não cozinha, só come. E come voraz, numa pressa que minha mãe estranha, parece que tem medo que a comida fuja, mastiga como um furão. Desconfio de minha mãe que nunca viu um furão nem sabe dos seus hábitos alimentares. No entanto, concordo, a prima é senhora de invulgar mastigação e parece sofrer  insaciável fome de séculos.
Nas férias (e desconfio que em outros tempos), primo Gustavo orbita-lhe os gostos mínimos e também os máximos. Ela que, se eu ousar uma compra criteriosa, me afirma criança aborrecida (trata-me assim) que a faz perder tempo,  entra e atarda-se em experimentação do que bem entende. Cá fora, primo Gustavo espera paciente e sem recriminar, contente da compra mesmo antes de a ter visto.
Na hora do jantar, Fininha recreia a cortar no facebook. Nos utilizadores. Nas fotos que por lá deixam. Que há muito quem viva pendente desse mundo de faz de conta. Mas antes de sair, e também antes de deitar, ensaia poses e fotografa-se; se desanima por um assim ou assado, pede a Gustavo que a fotografe, exige um ângulo depois do outro, muda o penteado, vira-se do outro lado, sorri só com os olhos, põe mãos em evidência, esconde cabelos. E etecetera. Se fica um momento em avaliação e a foto agrada, corre ao face a divulgá-la.
E ora esta que não chego a vestir os vestidos de anzol. E nem tenho conta no facebook. Decerto me desencontro  do Gustavo que me cabe e nem sei bem para que o quereria.

Mamã, tenho certeza, certezinha absoluta, fico para tia. 

Auschwitz

Auschwitz não é um lugar. Podem dizer que sim, que são quilómetros de presídio em cilício e arame farpado; que bem se vê lá dentro a tristeza dolorida de pavilhões em asfixia; que tem um portão com o letreiro mais ironicamente contundente, “O trabalho dá saúde”. E não mudo de opinião, não é um lugar. Talvez a forma mais exacta seja referir que o conteúdo se sobrepõe. Em omnipotência. Também devido a sub reptícios de cinema. Ou apenas na emergência sombria do meu imaginário. Juro, não percorri um campo de concentração vazio, nem respirei livremente o ar da rua, não olhei com olhos meus o verde das ervas que crescem indiferentes ou as árvores lá em baixo, livres, livres, sem saírem do lugar. Eles impõem-se, emergem de ruas e barracos, enchem tudo. E ali se quedam sem expressão, presenças espoliadas e sub humanas, aterradoras na sua fixidez de animal maltratado e sem futuro.
Tenho quatro anos, vou não sei para onde, a minha mão na tua.  Seguimos como num sonho mau, em fila de gente a que não vejo fim. Dizem os soldados que há um lugar onde os judeus podem viver durante a guerra, é para lá que vamos; não entendo o caminho de tanta gente,  já temos a nossa casa. Antes de sair o portãozinho de grades que fecha no trinco e emperra, vi o cão com olhos de susto e rabo entre as pernas a espreitar-me por entre os arbustos do quintal; a esconder-se aos primeiros tiros. No reboliço impaciente das tropas, eu num susto sem lágrimas, escudado nas tuas saias, decerto uma máquina a mexer-me os pés que não me lembro de comandar as pernas. Depois, um comboio sem fim atulhado de gente e todos de pé ou não cabemos. Custa respirar em tanto aperto de pernas e braços.
 Dias e noites aqui. Tenho fome, tenho sede, queria o meu lugar de chichi e cocó, o canto do vagão fede. Pessoas que antes se queixavam e de repente muito quietas, dizes que mortas e passas-me o teu lenço perfumado que não derrota o cheiro. Quero a minha casa, o meu cão, o urso de peluche e tudo que não trouxeste. Não sei como aguentas isto sem lágrimas; de vez em quando, elevas-me e colas-me a boca à fenda do vagão, ali onde todos querem um espaço de respirar. Enquanto isso, acho que deixas o homem do lado pôr-te a mão no ombro a puxar-te para si enquanto sorvo o ar todo que posso, a tua cara de repente outra. Chegamos nocturnos a lugar desconhecido e o ar frio refresca-nos depois de tanto suor e calor de gente. Deixámos um monte na estação: malas, haveres, tudo. Que estranho não precisarmos do que meteste às pressas dentro da mala. É a vontade deles; e o medo de vozes que são  facas e da desfaçatez das armas; dos cães que, a um pequeno desvio, rosnam e ameaçam a exibir uma serra de dentes. Aterrorizo quanto sei, a minha mão a tremer na tua. Levam-nos para uma sala despida e ali dormimos uns sobre os outros no aperto do frio. No canto que o homem disputou para nós, adormeço de rosto enfiado no quente do teu pescoço, meio tapado na aba do teu casaco, sentindo o teu coração bater com mais força quando ele se mexe sob o teu corpo; e nós dentro de uma onda de calor que parece subir do chão e traz um cheiro que não sei. E eu, em quase sonho, imagino o conforto caseiro. Amanhã, segredas tu por entre o sono do homem, dão-nos um lugar para viver.
E não havia lugar, Mãe. Nem o banho quente prometido à criançada nua. Na separação, houve os nossos gritos de ultraje e ferida e as mãos das mães a crescerem até aos cotovelos, esvaziadas à bruta. E eu nu de ti. Antevendo o banho quente antes da escola.  Quanta criança! Entrar por meu pé e não mais sair. E, em menos de meia hora, mercê de forte pisadela, ficou de mim um sapato de atacador solto. E tu despias-te fechada no desgosto da separação,  alapada à quimera, vai à escola, está melhor que eu. A essa hora, Mãe, enquanto tapavas pudores com mãos de nada, eu já saía volátil por cano largo de chaminé. Meia hora mais e outros como tu violaram-te corpo fora, abriram-te a boca de dentes bonitos a pesquisar o ouro que não havia; e antes de te levarem ao destino final, escalpelizaram-te a trança. Só depois subiste no ar e reunimos em cinza.

Este garoto acompanhou-me a visita. Na presença deles (houve outra gente) o pessoal, as câmaras de video, máquinas fotográficas e outros apetrechos, dissolveram. Que eles permanecem exactos: doloridos e exaustos; conservados em sofrimento e injustiça. De Auschewitz, ninguém se liberta.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Geometria No Espaço

Sol inclemente. Deus Nosso Senhor não quer que nos falte nada e mantém-nos à temperatura alentejana, mas mergulhados em humidade.  Rodeados de sinos que, bracaramente,  tocam alvoradas pontuais e estremunham o sono de hora em hora. E nós endorminhados, baralhação do pensamento sacudido por instrumento de sopro, algures, deve haver um quartel. E não. Lemos mais tarde, na história  da Bazylika Mariacka w Krakowie que o despertar nasce ali, no rigor das trompetas marianas.  Só na Polónia as freirinhas passam naturais, sandália aberta, mochila nas costas. Ninguém as estranha e nem desenquadram apesar do hábito que lhes encerra o corpo. Só Em Cracóvia vi jovens, bonitos e bronzeados, enfiados numa batina que lhes dançava em volta do corpo de vime esguio. Terra de muito catolicismo e clima agreste. Na sombra quente dos parques, passeiam mulheres de pele branca, topázios e esmeraldas no olhar. Lindas e loiras, repelem  pobrezas e gente sofrida que também há. E os estrangeiros embasbacam nos machos polacos que ajoelham contritos a um altar, calções e mochila às costas,  mãos de orar, olhos em prece. E há mulheres em fila para o confessionário de um jesuíta. Não se sabe o que ali deixam ou recebem, mas alguma coisa será. Aguardam. Quem sabe, aliviam a contar o que as tolhe e a confissão as despe de peso. Talvez  terminem de alma nova, que o rosto lhes vem igual quando ajoelham penitências, mãos postas e lábios cumpridores. O que pensará Deus de faltas e erros que esvaem na borracha de arrependimento e oração. Que estranheza lhe franze a divina fronte se atenta nos homens e seus apetrechos de viver. Tudo são formas de aliviar a vida tornando-a, em cada vez, um recomeço. A catarse é condição de recomeço. Contudo, deuses e homens sabem que recomeçar não é possível. E não é a vida feita de pequenos impossíveis?!

Depois há a praça gigantesca e ruidosa. As arcadas e restaurantes floridos. A meio, impõe-se o edifício do mercado repleto de gente e lojas em comboio. E o calor a lembrar-nos o ar condicionado de casa, o descanso na redoma de paredes antigas. Lá fora, a hera não nos repara. Ocupada a subir paredes, ergue em passo certo de folhas, pequenas mãos de clorofila viçosa.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Partida, Largada, Fugida

Antes, eu julgava que preparar a casa para férias já eram férias. Hoje, por via do ininterrupto fio do tempo e sedimentada de horas extra-longas, reconheço, não sou a mesma. Divirjo. Emprestar à casa o espírito de sobrevivência cansa e exaure-me. Se pudesse, saltava esse patamar. Ele são flores em chamado urgente,  rega-me que tu é que sabes a quantidade exacta de água e nem calculas o que custa o atoleiro nas raízes, ir morrendo a partir do fundo da alma que não sabe nadar e se  afoga e apodrece nos dedos da terra em papa. E tu não falhas a circunstância. E depois segredam-me ternuras enquanto aplico o regador, coisas como, não te demores que precisamos de ti, se não voltas, esquecemo-nos de florescer; ou sussurram no fim de tarde, volta ou não aguentamos de saudade, morremos, definhamos aos poucos. E num aviso de cautela, vê lá se tens cuidado que somos inertes e prisioneiras, à mercê de quem vier. E depois há a casa, o lava loiças, as bancadas da cozinha, o fogão, as mesas de cada divisão em lamentos que me tolhem a cada passo, teimosia de esperança que me atrasa o espírito viajante. E finalmente saio e fecho a vida caseira na redoma. Vejo-a de longe, sem som que lhe valha, como se não fora minha, mas sendo. O ar do aeroporto saturado sabe a oxigénio e empurra-nos para o pássaro de aço e sua arrebatada força de propulsão. Subir. Sentir o continuum de aceleração e as rodas da frente a soltarem-se do asfalto, e logo após, num ápice, as de trás. Estamos no ar. A paisagem agiganta na proporção em que o conteúdo diminui. Tudo a encolher, casas que ainda são casas, arcos breves em ponte, estradas em cobra , rios que são fitas azuis como nos mapas da nossa infância, Tejo, Douro e Guadiana. E eu no exame da quarta classe, qual é o maior rio de Portugal?, a falta de investimento na geografia somada à desorientação congénita, Guadiana. O examinador a faiscar, todo olhos a saltarem detrás dos óculos, um repente de rosto  afivelado em zanga e escândalo. E eu a diminuir como a paisagem, bicho de conta a sumir de susto e falta de sorte, não era este.
Sobrevoamos as nuvens, há sol, as hospedeiras afadigam-se sobre um chão falso a preparar uma refeição de faz de conta e esvaem-me a infância de bata branca. Embarcamos em uníssono no trivial que não é de uso: mastigar em voo, a mais de 2000 metros de altitude. Convictos de que não se cai a mexer o café ou dar dentadas num muffin. Mas cai. Confiados em pilotos de porte garboso. Esclarecidos de que o rei pilotou estes aviões. E um rei, não é por nada, mas infunde respeito. Diz uma colega convicta, repare na tinta que gastaram a pintar os aviões, aquilo é a sério. Olho e confirmo,  navegamos num golfinho azul e coroado, gastaram muita tinta. E torna ela, sapiente, isto não é qualquer tinta, que se esbarrondava toda na alturas se fosse barata; não, não, é tinta da boa. E muita, esta companhia é como deve ser. Válidos argumentos. Convenceu-me.

Em Cracóvia noite fechada, aeroporto sonolento e a adormecer por sectores. Um bólide xpto em espera. No interior, música polaca de mistura a Roy Orbinson, Gipsy Kings e Gene Kelly (e nós) a cantar singing in the rain em lugar de bom tempo. A caminho de uma casa que nos espera e já é nossa. Do século XIX. Fresca. Airosa. Portas em silêncio codificado. Entramos no cofre. E assim permanecemos, guardadinhos para amanhã.