Este
mundo de subalternidade feminina irrita-me. É isso, i-rri-ta-me. Não sei se já
repararam, mas a fonia da palavra irritar é ela mesma uma provocação. Descende do termo latino irritare e sintoniza com o estado de briga à flor da pele que invade
o ser humano em algumas situações. Senão vejamos, a repetição da vogal i com
dois erres a dar a mão a cada um (irri), é conjunto pior que unha a riscar no vidro (e depois
ainda dizem que a vogal i é uma vogal
doce; é, é). Bendito seja quem assim a inventou para definir o temporário
estado de deflagração iminente das nossas boas maneiras. E ontem as minhas
vísceras ficaram nesse alvoroço de trovoada que me escureceu o humor. Vou
contar.
Razões pessoais levaram-me a
requisitar um serviço numa unidade industrial da minha terra natal. Não era a
primeira vez que tal acontecia, a gente do balcão atendeu-me com cortesia e chamou-me
pelo primeiro nome antecedido de dona. Ali, sou a D. X; ou Y; ou Z. Não tenho nada contra. Mas eis que, enquanto
esperava a satisfação do pedido, surge um senhor conhecido. Que beneficiou de atendimento diverso. Ele não
foi o senhor X; ou Y; ou Z. Ele foi “o
senhor professor”. Estava o meu desconcerto já a aquecer, mas ainda em lume
brando, quando entra uma professora que toda a gente conhece, a solicitar
serviços. E eis que a irritação desbordou. Não surgiu a mesma deferência, “a
senhora professora”, antes, tal como eu, foi nivelada pelo nome. Ela foi a D.
X; ou Y; ou Z. Mas porquê???!
Entretanto,
aventurei uma desculpa: há muito mais professoras que professores e fazem, por
isso, a distinção. Mas então a diferença é numérica e sem relação ao respeito
pela profissão exercida... acontece
que todas as profissões são de igual respeito desde que bem desempenhadas. A
matutar em todas estas questiúnculas, já
estava quase a preferir o costume do norte português que chama doutor a todos que
tenham um canudo e acabou. Ora, não
pactuo com isto, sou contra doutores, professores e mais títulos de deferência
cheios de “se faz favor” e “vou de recuas para não te dar as costas e de seguida
varro o chão que piso”, que lembra os indianos da classe mais baixa, os ditos
impuros e por isso designados “intocáveis”
(as outras classes sociais não podem tocá-los
sequer). As castas indianas, meus amigos, são uma maldição hereditária.
Mas
o que é que queres afinal – pode um leitor mais desprevenido perguntar. Quero
tratamento igual entre masculino e feminino e respeito pelos bons
profissionais, tenham que sexo tiverem e sejam cavadores, torneiros,
professores ou médicos. Ou et cetera. Entre
dois professores presentes, por que razão só o homem é chamado professor?! Por
acaso algum professor trabalha mais ou melhor devido ao sexo que lhe coube? Ou será que só a anteceder o nome masculino a
profissão ganha chama?! Mau, mau. A
experiência com os professores e professoras
que tive ao longo de anos, ensinou-me que a qualidade de ambos vem de outras paragens.
Afinal,
ainda que sem prática em tanto caso, vivemos num país maioritariamente católico.
Mas Cristo era do povo, tinha pai e mãe humildes, discípulos pescadores, amigos
sem estirpe ou linhagem. Ao longo da curta vida prometeu a todos os homens o mesmo e jamais
afirmou ter vindo para salvar alguns. Que me recorde,
não há passagem dos evangelhos onde um sexo se superiorize ao outro. Portanto,
nada de imputarmos o mal à religião, o erro é humano. Fomos nós, homens e
mulheres, que o criámos e mantivemos por séculos (com a ajuda da instituição
igreja, sim; dos homens que a constituíam, quero dizer). Hoje, dá pelo nome de
preconceito e muita gente pensa que está erradicado. Colossal engano, as
mentalidades resistem à mudança como os portugueses de antanho aos castelhanos. Todas as
mulheres, de uma forma ou de outra, sentem e sofrem a lonjura da igualdade homem-mulher. E há ainda quem, no século XXI, em Portugal, lhes crie um inferno na terra. A violência doméstica é abuso, causa muito dano que se não vê e só a própria avalia. E mata. Pensem nisto, no primitivismo que ainda existe dentro da espécie.
Mas
há situações em que as mulheres são, de hábito, inadvertidas, elas mesmas sobrepõem os homens, os carregam no colo. Como aconteceu
ontem com o mulherio do balcão.
Oh, bem sei, não havia motivo para tal amargor. Mas apeteceu-me.