A
vida reúne e parte, às vezes por milagre. Ou será um destino sem fatalidade, encontro
de acaso. Foi assim que se viram reunidas e três. Frente a um bule de chá.
A
tarde corria amena e nada prenunciava a noite que viria. Como a vida se faz
bonita quando toda se arma de surpresa que tornamos boa! Sim, que a vida oferece
sem a qualidade.
Um
acaso de supermercado juntou duas. Anos e anos longe da vista; mas prestes o
coração desmentiu distâncias. Atarefadas de compras e recados, pressentidos
gelados a escorrer no carro, alfaces de folha à banda e sem viço, combinaram
umas palavrinhas mais tarde, um encontro depois do jantar.
Foi
assim que o cair da noite surpreendeu as três: a desfiar recordações. Então, o
ar aligeirou e o tempo sem relógio aquietou-se no continuum de milhares de segundos
incansáveis e cansativos e velou-as noite afora, os cães num sossego de
respeito, a casa uma clareira só delas, protegida de escuridão. Lá fora, o
vulto de um automóvel paciente. Dentro, o bule a irradiar sabores de fruta,
chávenas que se enchiam e vasavam ao ritmo da memória; um arroz doce divino; um
bolo ainda morno. E o riso que a vida tanto engasga e prende a desanuviar em
surpresa, oh, afinal existo. A renovar-se,
rir é tão bom. Os objectos estupefactos
pela casa, isto é o quê? Uma casa tão sossegada e agora…A
cadeirinha alentejana, toda florinhas miúdas a sussurrar a resposta numa concentração
de sabedoria a crescer, estas três juntas
são uma maravilha. O louceiro estremecendo, num dar de si de madeira, há quanto tempo não ouvia gargalhadas assim,
só sabemos o tamanho da saudade quando enfim podemos matá-la. Vou aproveitar o
ambiente e dormir em som de festa, boa noite, e deu mais uns estalidos
antes de entrar no sono. O bule a avultar na mesa, a disfarçar encontrões a
um bolo monumental, chega-te para lá se
faz favor, senão apanhas um calor; depois, a olhá-las pelo sinuoso do bico e
a filosofar das entranhas bojudas, que absurdo
fado entristece o olhar e faz esquecer o essencial! Agora são felizes e estamos aqui, frente a frente. E enrubesceu. Elas, desatendidas de tais
elucubrações, a pegarem-no pela asa, cuidado
que queima.
A
mais jovem, recém-saída da doença prolongada que tanto vitima, “acho que me ri
mais esta noite que no mês passado todo”. Ali foram trazidos os mortos, os
vivos, elas noutro tempo; se compararam timings,
se fotografou a trempe; trocaram receitas, anedotas e brincadeiras inócuas, conselhos
caseiros. E fugiram prontamente de momentos tristes, infiltrações de saudade a contragosto.
Quem
sabe não voltem a encontrar-se. Resta a memória de um serão a ponto atrás, costurado à mão. Cúmplice e amigo. Feminino.
Que
tudo seria outra coisa, se não fora a amizade a uni-las.
Bem
Hajam
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