quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Um Agosto em Itália

Na primeira semana de Agosto, o norte de Itália, província da Lombardia, ressumava calor. Na média dos 36 graus. Calor húmido e desbrisado. Que incomoda. Alaga. Do castelo, que habitámos por uma semana, calhou-nos – sem surpresa -  a ala da criadagem; o castelo próprio ele é ancoradouro dos suseranos cujos são invisíveis à plebe. O a tratar geriu-o sua serva - por acaso, simpática e prestável. 
É um vero castelo. E há mesmo sangue azul em desfrute da mansão. A ajuizar pela aparência, bem aparatosa. Muralhado, no interior tem tudo que compete: torre de menagem, igreja, jardim e lago privados (podem visitar-se mediante pagamento). Recusámos visitas, a fidalguia que se amole – isto, apesar do Jaime reiterar que, por mail, foram os mais simpáticos. Contudo, chegámos a invadir o jardim. Proletários que somos, ali estendemos roupa nocturnamente, quais servos da gleba em invasão de domínios senhoriais (há um portão eléctrico e com segredo que a serva nos desvendou), o Jaime com uma lanterna apontada ao estendal móvel e nós em furtivo gesto, dependurando peças como se a roubar fruta no quintal do vizinho enquanto dorme. Palermices à portuguesa. Hoje penso que ali devíamos ter deixado a bandeira das quinas. Só para chatear a corte.
A sala de comer do rés-do-chão tem vigas grossas e tecto de madeira e é a divisão mais fresca da casa. As paredes terão entre meio e um metro de espessura. Nelas, duas janelas altas abrem para o relvado do suserano, cortinas de linho ajurado a rasar o vidro, num enlace de fitinhas verdes. E por toda a casa aquele ar docemente decrépito que caracteriza a Itália. Bom, havia uma baratinha na casa de banho possivelmente remodelada, que o chuveiro destoava do feudalismo. 
E as gentes? Arrisco um parecer, na convicção de possível engano. Os italianos são charmosos e atiradiços. As italianas, género capa de revista e nariz empinado, uma mescla de vaidade e orgulho natural; nelas está tudo tão mas tão no sítio que nos sobe um beliscão à ponta dos dedos; quem sabe gritam e desmancham o jeito de não me toques; Cruzámos uma, andando pela rua ligeiramente à frente do marido e do filho, toda tiques de Cleópatra seguida de seus escravos cujo mester é, suprema ventura, tocar-lhes a fímbria do vestido. Mas o que melhor caracteriza a italianagem é o jeito inato para lucrar à conta do turista. Tudo se paga, casas de banho, lagos, cascatas, igrejas, praias, estacionamentos, palácios, igrejas, tesouros…etc.

Da Lombardia, a sexta zona mais rica da Europa e a mais rica de Itália, ficaram-me no olfacto as viagens de regresso à aldeia de Castellaro Lagusello. O carro serpenteando devagar pelos campos cultivados, aberto aos cheiros do caminho. Olhávamos e uns restos de claridade alumiavam verdes a adormentar. Os últimos pássaros escondiam-se no redondo de um  maciço que crescia cinzentos e as casas enovelavam ciosas de si, íntimas. Então, no princípio de todos os mistérios nocturnos, chegava-nos a dádiva: um perfume casado de campo agrícola e árvores em lassidão, aroma de suores cítricos a sobressaltar, pura delícia de quem passa. E, à beira da aldeia, como rasto que se agarra aos pés e leva para casa, o cheiro de feno verde acabado de cortar; montinhos alongando pelos campos, linhas rectas que eram cuspo de máquina. E nada era mais apaziguante que esta mescla de sentidos. Finalmente, a senha nocturna:  junto à porta da muralha, passávamos bem devagar pela árvore florida. E o perfume de jasmim acompanhava-nos até casa.

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