Na primeira semana de Agosto, o norte de Itália, província da Lombardia,
ressumava calor. Na média dos 36 graus. Calor húmido e desbrisado. Que
incomoda. Alaga. Do castelo, que habitámos por uma semana, calhou-nos – sem
surpresa - a ala da criadagem; o castelo próprio ele é ancoradouro
dos suseranos cujos são invisíveis à plebe. O a tratar geriu-o sua serva - por
acaso, simpática e prestável.
É um vero castelo. E há mesmo sangue azul em desfrute da mansão. A ajuizar
pela aparência, bem aparatosa. Muralhado, no interior tem tudo que compete:
torre de menagem, igreja, jardim e lago privados (podem visitar-se mediante
pagamento). Recusámos visitas, a fidalguia que se amole – isto, apesar do Jaime
reiterar que, por mail, foram os mais simpáticos. Contudo, chegámos a invadir o
jardim. Proletários que somos, ali estendemos roupa nocturnamente, quais servos
da gleba em invasão de domínios senhoriais (há um portão eléctrico e com
segredo que a serva nos desvendou), o Jaime com uma lanterna apontada ao
estendal móvel e nós em furtivo gesto, dependurando peças como se a roubar
fruta no quintal do vizinho enquanto dorme. Palermices à portuguesa. Hoje penso
que ali devíamos ter deixado a bandeira das quinas. Só para chatear a
corte.
A sala de comer do rés-do-chão tem vigas grossas e tecto de madeira e é a
divisão mais fresca da casa. As paredes terão entre meio e um metro de
espessura. Nelas, duas janelas altas abrem para o relvado do suserano, cortinas
de linho ajurado a rasar o vidro, num enlace de fitinhas verdes. E por toda a
casa aquele ar docemente decrépito que caracteriza a Itália. Bom, havia uma
baratinha na casa de banho possivelmente remodelada, que o chuveiro destoava do
feudalismo.
E as gentes? Arrisco um parecer, na convicção de possível engano. Os
italianos são charmosos e atiradiços. As italianas, género capa de revista e
nariz empinado, uma mescla de vaidade e orgulho natural; nelas está tudo tão
mas tão no sítio que nos sobe um beliscão à ponta dos dedos; quem sabe gritam e
desmancham o jeito de não me toques; Cruzámos uma, andando pela rua
ligeiramente à frente do marido e do filho, toda tiques de Cleópatra seguida de
seus escravos cujo mester é, suprema ventura, tocar-lhes a fímbria do vestido.
Mas o que melhor caracteriza a italianagem é o jeito inato para lucrar à conta
do turista. Tudo se paga, casas de banho, lagos, cascatas, igrejas, praias, estacionamentos,
palácios, igrejas, tesouros…etc.
Da Lombardia, a sexta zona mais rica da Europa e a mais rica de Itália,
ficaram-me no olfacto as viagens de regresso à aldeia de Castellaro Lagusello.
O carro serpenteando devagar pelos campos cultivados, aberto aos cheiros do
caminho. Olhávamos e uns restos de claridade alumiavam verdes a adormentar. Os
últimos pássaros escondiam-se no redondo de um maciço que crescia
cinzentos e as casas enovelavam ciosas de si, íntimas. Então, no princípio de
todos os mistérios nocturnos, chegava-nos a dádiva: um perfume casado de campo
agrícola e árvores em lassidão, aroma de suores cítricos a sobressaltar, pura
delícia de quem passa. E, à beira da aldeia, como rasto que se agarra aos pés e
leva para casa, o cheiro de feno verde acabado de cortar; montinhos alongando
pelos campos, linhas rectas que eram cuspo de máquina. E nada era mais
apaziguante que esta mescla de sentidos. Finalmente, a senha nocturna: junto à porta da muralha, passávamos bem devagar pela árvore florida. E o
perfume de jasmim acompanhava-nos até casa.
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