Primeiro,
saímos da rotina apenas de mente: sonhamos as férias, planeamos. Depois, como
se a vida tenha algum prurido em desmanchar projectos e o inesperado soçobre de
todo, avançamos uns passos no fazer das malas, em antecipação de novidades e
momentos. Então, ainda nos parece possível carregar o necessário: não temos
pressa, a mala é lugar de mundos e fundos; lá dentro, as peças dançam. Porém,
às portas de partir, sabemos-lhes o concreto milimétrico do espaço e retiramos
o imprescindível de antes a sentarmo-nos sobre ela para poder fechá-la. E logo perdemos
o lugar dos objectos que, aperreados e sozinhos, se esgueiram e, vingando o
aperto a que os condenámos, desaparecem sob o amontoado. E nós, mais tarde, a
desfazê-la em espanto e estranheza, dubitativos da nova mescla, esta mala não
deve ser minha...
Contudo,
as bazófias de bagagem evaporam se somos novos nos lugares, o espaço a insuflar.
E muito bem. Que não há outro modo de as férias cumprirem a sua natureza.
Ora, de si mesma e pelos pertences, Itália é
bom destino de férias. Agradável à vista sob vários aspectos, denota beleza
feminina muito própria e pouco balofa. Bem vestidas, as suas mulheres caminham
elásticas em altura de saltos, colírio de perfeição, o olhar estrangeiro num
desconcerto, correndo-as em busca de etiqueta que lhes descaia para as costas. Mas
também a natureza nos compraz: as estradas italianas são mais que mera
transição; esmeram-se em caminhos casados em verde destroçador de stress e
adoçante natural da visão. Esparsa por todo o lugar, a poalha de decrepitude
benévola e não ridícula, um esvair da pedra que cai bem. E o amarelo ocre dos
seus edifícios é possante.
Depois
de um avião seguro, a viagem por estrada. Crepuscular. Chuvosa. A ânsia do
carro a afastar Veneza e o verde insinuando bermas, em tufos veludosos
que escureciam. E a chuva a receber-nos, os limpa-pára-brisas numa azáfama,
zeeeee…zeee….zeee….. A chuva de bom augúrio. A fazer-nos companhia na Riviera
di Brenta. Um olho breve a palazzos e mansões, erguidos em seu orgulho
imperturbável, molhados até às fundações e deixados para trás em bucolismo de
outro século. Até que a noite nos agarrou, limitando-nos à estrada batida de
gotas fugidias, um dedo a abrir clareiras no embaciado escorrido do vidro. E o
ruído abafado do limpa-pára-brisas, zeee…zeee…zeee…Depois, Deus Nosso Senhor
arrumou o assunto, as boas vindas estavam dadas. E deixou-nos galgar o que
faltava. Chegámos pelas vinte e três a Castellaro Lagusello. Rumámos ao castelo
onde uma possível ala da criadagem nos aguardava, camas feitas e toalhas
prontas. Pareceu-nos espessamente bem.
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