terça-feira, 25 de outubro de 2016

Coisas Pequenas

Os portugueses amam a boa mesa. Diz-se. Ora, os objectos de apreço surgem-nos quase sempre conjugados. E à mesa, para ser boa, cabe conjugá-la com companhia despretensiosa. Pode ter parentesco. Ou não. Ser amizade de longa data. Ou simples conhecimento. Mas quase arriscava que é fora dos tête-à-tête que vogamos à bolina, esquecidos do emaranhado da vida. Uma refeição em grupo é outra coisa. O grupo afasta maus olhados, auras negativas, negrumes de tristeza. E eu que não sou de fermentações alcoólicas, afirmo: o escudo do grupo é potente. E digo isto porque, na antevisão de um jantar, nos demos o braço e enfiámos no metro ainda meio tristonhas. Mas, cá fora, na Lisboa anoitecida, entrou-nos a alegria de nos revermos juntas no chuvisco miúdo. As mesmas e não as mesmas. Passou-me um lampejo do tempo em que pouco atentávamos na incógnita do futuro. Que sopro a nossa juvenil eternidade! Parámos, como então, a olhar montras, tu a dar sugestões sobre roupa, que agora és entendida. Vogámos sem pressa pela Baixa, eu, vê tu a parvoeira, quase comovida, a lembrar pressas nocturnas até ao barco, a pasta a bater-me nas pernas, o rio escurecido ao fundo da rua deserta, um ou outro automóvel vagaroso a avaliar-me e eu julgando-os turistas perdidos, quase com pena de quem rola a esmo por uma Lisboa desconhecida, quem sabe a procurar quarto. E por entre estes devaneios barbados, ficámos três. E logo seis. À mesa. Que o grupo esvai a vida individual, mas não elide o indivíduo.  Nele, cada um é si mesmo, expurgado da vida que lhe pertence. O teu grupo de uma vez por mês, minha amiga, é esse oásis. Um clique que nos desata. Fez-me sentir parte antiga quando era nova. E durante o agrado da janta, houve brinde “a nós e aos novos!”(eu, eu!); acrescentei, “e a todos os que não estão aqui e gostam de nós”. E depois o tempo correu sem darmos conta e surprendemo-nos uns com os outros, o grupo convida os lados menos triviais de cada um. E pasmei com algumas coisas que ouvi e nem sabia e nem pensava. Como as pessoas podem ser diversas - e mesmo perversas - nos interesses, nos gostos, nas aspirações. E depois da despedida, eles seguiram juntos e nós juntas viemos. Até que um comboio nos levou em separado.

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