quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Teclas Sem Rumo Certo

O mundo não anda bem, evidência que se apercebe sem arte ou complexidade. Está. O mal do mundo implantou e vive um pouco como aqueles mamarrachos que estragam a paisagem e só vistos de longe causam menor dano; próximos, são puro mau gosto. Estão. Isto porque, em bom português, o que está nem sempre é. Pode ser. Ou não. Muito embora, em alguns idiomas, o verbo ser tenha dupla face e seja também verbo estar. Dois em um. Para nós, portugueses,  uma coisa é uma coisa e ela apenas. Ponto final. 
Contudo, será possível ser sem estar e estar sem ser?! Vamos por partes. Se eu for um sujeito dado à experiência e ligado ao que é físico e mensurável, se chamo ser ao que posso agarrar, puxar, empurrar de alguma sorte, direi que tudo que está, também é; e que é impossível estar e não ser (quem uniu os dois verbos linguísticamente, era decerto experimentalista).  Mas então para que foram os portugueses – e decerto outros povos – cindir o ser do estar. Seremos povo muito dado à meditação e filosofice. Pois, nem por isso. Percorra-se uma história da filosofia. Não há um único filósofo português (cuidado para não se inferir que não reflectimos e somos uns cabeças de vento; não é isso). É um bocadinho triste não termos um nome a soar na história do pensamento filosófico. Mas pronto, somos pobres, temos de trabalhar, damos uma no cravo e outra na ferradura e a reflexão é exigente e descompadece destas misérias. Que, não esquecer, a filosofia  nasceu do ócio. É isso mesmo que estão pensando, é filha do papo para o ar, do trabalho escravo, da subsistência assegurada. E, com o tanto que aquela gente escreveu e pensou, e de forma elaborada se propôs a entender o mundo – difícil e impenetrável a muita gente –, ainda por cima fazendo sentido, o que é deveras admirável e original, pois, dizia eu, não foi decerto a aplanar tábuas de navio ou a passar fome e a morrer embarcados a intervalos sem marcação, que filosofaram. Meus senhores, estes portugueses não tinham tempo nem requisitos para tal função. Se nem sabiam ler. Dir-me-ão que houve um filósofo que nada escreveu. Ora, não escreveu, mas sabia fazê-lo; além disso, tinha um secretário de qualidade visto que tanto sabemos do seu pensamento e da forma como discorria e ele mesmo nem uma letra redonda deixou. Podem redarguir, ah, e os letrados, a finura dos nossos gentis homens?! Desculpem, desculpem. Já sei, houve um rei poeta logo na primeira dinastia. Casado com uma santa. Tenho para mim que fez versos por isso, as santas podem ser maçadoras como esposas, uns madrigais sempre amenizam a aura de santidade e desvinculam da catequese; além disso, regaços de rosas, é ponto assente, avivam a poiésis. E cantigas de amigo, e isso. Ó meus amigos (sem cantiga), a poesia não é o espírito filosófico. São distintas formas de entender o mundo. E poetas, ó senhores, poetas nós somos quase desde o berço da nacionalidade como mostra a história do rei lavrador cujo, decerto, nunca pegou na enxada. E só não foi logo de berço porque não consta que D. Afonso Henriques tecesse madrigais à moirama ou a D. Mafalda que muitos dizem ser Matilde e até prefiro; aquilo era um mancebo que se enfurecia de tudo e nada e muito dado à matança de castelhanos e infiéis (se lhe batesse a bolha até os fiéis marchavam). É ponto assente, apesar dele, somos poetas sem evasiva. No mais humilde português saltitam versos e rimas (excepto no meu pai e noutros seres masculinos e femininos que saem ao primeiro Afonso da História). E portanto. Hoje há pretensões a filósofo de nome próprio, com carteira montada. Pois há. Mas, desculpem, José Gil, Eduardo Lourenço, Manuel Antunes e mais uns sábios que não recordo. Ainda não me convenceram que o século XX empurrou os portugueses para a congeminação filosófica. São pensadores, sim. Professores e estudiosos de filosofia, também. Filósofos, da mesma natureza dos alguns que conheço de outros tempos, isso não são. 
Pergunto-me se terá sido por materialismo puro que distinguimos os dois verbos, ser e estar. Ou se antes somos muito do talvez e da simultaneidade de ser e não ser. Ora, sei lá. Eu vim aqui para falar da República e do dia 5 de Outubro tão bem renascido que parece flor desabrochada (lá está a minha veia de poeta de meia tigela a fazer das suas). Vinha contar que estive a observar um panfleto daquele tempo em que a República-mulher aparece desnuda e forte, um autêntico colosso (diria que meia masculina apesar das  fêmeas evidências). Por estas razões, e por outras que não digo, se vê que só pode ter sido um homem a conceber tal figura.  Pois. Era mesmo sobre a República que vinha postar. Mas os meus dedos alienados por gorda pausa, agora fogem às ideias, encaracolam palavras acima e deitam o assunto às urtigas. Ébrios, é o que é. Escrevem sozinhos, pois.  Pobre de mim que não sou nem parente afastada de Lobo Antunes, aquele cuja mão escreve sozinha e de forma tão única dela, que para mim dava-lhe já a imortalidade (à mão) – consta que ele passeia enquanto ela trabalha; na volta, ainda se torna ocioso e põe-se para aí a filosofar. 
E portanto, olha, saem-me só parvidades.

Meus senhores, fica a imagem. Aquela. A da República sonhada: invencível e aguerrida. Por vezes, penso que se ausenta e não está. Mas sonho que é.

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