sábado, 28 de outubro de 2017

Educar

Setembro surge-me anualmente como um começo. Uma espécie de Ano Novo antes de tempo. Talvez seja porque me passam à porta as crianças da escola antes dita primária. Já não usam malas castanhas de rebordo redondo, feitas em cartão grosso, uma pega a meio. Hoje, transportam nas costas mochilas alegres ou puxam-nas como um carrinho de compras. Não vestem bata e poucos têm risca ao lado. Mas os principiantes trazem nos olhos o mesmo incerto temor, um receio  antigo sobre ler e escrever. E os sorrisos de nervos disfarçam a inépcia de mãos e mente.  A escola há-de moldá-los formando e instruindo. A escola. A quem hoje tudo se pede. Que informe e forme. Que guarde e proteja. Que substitua o que é insubstituível: a família, primeira célula a que cada um pertence e cujos princípios têm de ser firmes e bondosos. Porque só na família se educa com o amor a sobrepôr ao dever, a protecção sobrevoando – e quantas vezes empatando – os voos de autonomia.
Desde cedo a educação dos jovens preocupou os homens. Veja-se o exemplo de Platão, pensador que viveu três séculos antes de Cristo e se dedicou em pormenor ao tema: que valor tem a educação na vida de um jovem, quem devia ser educado, quais os saberes (disciplinas) com importância e quais os dispensáveis, como se aprende e se alguma coisa pode ser ensinada. Não vale a pena falar aqui sobre as respostas que este filósofo encontrou. Mas vale a pena pensar que, até há poucos anos, saber alguma coisa exigia trabalho, luta pessoal contra a preguiça, pensamento próprio a sobrepor-se ao comodismo. E que tudo isto já Platão disse. Mas hoje, não. Hoje somos modernos e o ideal de saber é lúdico. Ou seja, pretende-se que o aluno escolar aprenda com prazer, a manusear alguma coisa, a descobrir concretamente. Que construa saberes individuais, jogando. E há o recurso às novas tecnologias, o uso e abuso delas. E surgem projectos  empreendedores. A escola centra-se no aluno concreto e na sua envolvência para lhe possibilitar o crescimento. Individual. Isso mesmo: o que importa é o indivíduo e a sua adaptação ao mundo concreto. Portanto, saberes fora dessa esfera, são banidos. Tudo interessa para algum fim concreto. Disciplinas sem aplicação directa a alguma coisa perdem importância e encurtam-se as horas lectivas. Ou saem do currículo. Assim estão as línguas, a história, a filosofia. As humanidades em geral. E aí vem mais uma reforma no ensino (já houve muitas). Não entendo reformas educativas que não privilegiam a cultura como saber universal, o particular entende-se melhor se integrado no todo a que pertence. Não entendo a promoção de uma cultura de superfície, individualista e empreendedora, assente na ideia errada de que tudo se aprende com o mínimo esforço, como num jogo. Não entendo que por exemplo o latim não seja ensinado nas escolas, somos uma língua latina e nada sabemos da nossa origem. Não sou contra concretizações do saber, trabalhos de projecto, uso das novas tecnologias. Mas sei que existem matérias fundamentais que nos estruturam a mente e não se aprendem num mundo de facilidades.

Em rigor, o pensamento concreto também existe noutros animais. O que sempre nos distinguiu deles foi o uso da palavra (e logo o raciocínio e a reflexão); e a conquente acção que, nos homens, pode ser moral. Ora, reduzirmo-nos a aprender a utilizar e explorar o mundo que se oferece ou a criar instrumentos para facilitar o seu uso, é redutor. E, já foi provado que os animais, desde que estejam em presença do problema, também são criativos, encontram soluções. O que eles não sabem é de moralidade. Mas nós, sim. Somos sujeitos morais porque sabemos o que fazemos e se com isso causamos dano ou bem a nós e aos outros.  Somos morais porque distinguimos o que é bem do que é mal. E isto ensina-se com o exemplo. Nas escolas e em todo o lado. E com as tais disciplinas que não têm utilidade  imediata, mas são estruturantes de uma mente que se quer humana.

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